Page 30 - Revista da Armada
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REVISTA DA ARMADA | 525 REVISTA DA ARMADA | 533
SUMÁRIO
ESTÓRIAS 43
02 700 Anos da Marinha – Cerimónia de Encerramento OS VALORES E MÉRITOS PROPOSTA HONRADA
DOS FUZILEIROS 04
07 NRP Viana do Castelo. Frontex – Missão Lampedusa
09 Lusitano 17 “Como é isto por aqui?” Eis a pergunta que se faz quando se
18 Cerimónia Militar chega a uma outra unidade.
Assim foi quando me apresentei no Lima (1948) após uns anitos
22 Direito do Mar e Direito Marítimo (13) no meu e já saudoso Vouga, onde iniciei a minha vida de embar-
cado, 17 anos, seguidinhos, saltando de um para outro. Novas
24 Academia de Marinha caras, novos camaradas e novos amigos. Naturalmente, as idades
tendem a procurar-se, um tanto pelas irreverências inerentes a
25 Notícias esse grupo etário e também por outros factores. Foi assim que
conheci o Barros, 1º Grumete Electricista. Revelava modos e cul-
28 Novas Histórias da Botica (66) 11 BALANÇO DAS tura fora do habitual no seu posto. Tinha a frequência do 4º ano
dos liceus, pelo que também sabia umas coisas de francês e inglês.
29 Estórias (37) ATIVIDADES 2017 – MARINHA Em comum, o gosto pela música popular. Ambos tínhamos um
acordeão de teclas. Era bom profissional e brioso no fardar, calças
30 Vigia da História (97) bem vincadas, de cortar as pernas a um polícia, como era costume (1ª fila) Acordeonista – protagonista da estória
(2ª fila) Primeiro da direita – autor da estória
dizer-se, e botas reluzentes. A propósito, lembro uma figura mar-
31 Desporto cante que deixei no Vouga, o Norberto, 1º Marinheiro Artilheiro comida, preço em conta e simpáticas raparigas a servir à mesa.
alti-telemetrista, alfaiate, barbeiro, que primava pela sua postura
32 Saúde para Todos (51) e, em consequência, na formatura para as licenças era mandado, Refiro-me ao restaurante sito a leste do Rossio e de seu nome
pelos Oficiais de Dia, dela sair antes de passar a revista. Distin-
“A Tomarense”. Entra-se pela Praça da Figueira, sobe-se um pri-
33 Quarto de Folga ção merecida e nunca mais vista em todos os anos que andei por meiro andar e é só simpatia. Passe o reclame.
“estas casas”. (Peço desculpa por este desvio, mas não podia per-
Um dia – há sempre um dia –, esperando já sentados à mesa,
34 Notícias Pessoais / Convívios der a oportunidade de manifestar a minha justa admiração por tal uma muito simpática empregada já nossa conhecida, com a sua
marinheiro). Mas voltando à rota estabelecida, ao Lima.
graça contagiante, o seu sorriso permanente e bonito, diz-nos:
CC Símbolos Heráldicos asas a uma ideia que o avassalava: ser jornalista. Agora, nos Aço- “Já sei que não querem saber da ementa para nada. Temos…”
O Barros era um desenvolto dactilógrafo e daí ser possível dar
BALANÇO DAS res, em comissão de serviço, teve a sua oportunidade. Criou um e é interrompida pelo Barros que se levanta e diz: “Vou fazer-lhe
uma proposta muito séria! Se me arranjar um bife bem passado,
ATIVIDADES 2017 – AMN 20 “jornal” com o título “O Enjoado”, em homenagem (palavras com um ovo a cavalo, cogumelos, batatas fritas… (e fixando-a
dele) ao pequeno cão que tínhamos a bordo. O “jornal” tinha, nos olhos) caso consigo”. A rapariga desatou a rir e lá foi, desen-
necessariamente, a autorização do nosso Imediato, o 1º Tenente volta, dar conta do recado. Voltou com o pedido com o mesmo
Gomes e Trindade. Era bimensal, tipo A4 e o Barros seu director, sorriso com que antes nos deixara.
editor, proprietário, grafista, compositor, comentador, crítico de Jantámos (éramos cinco) muito animados e é manifesto o agrado
arte, de desporto e distribuidor. Tinha um mecenas – a “Casa do do Barros pelo seu bife. Quando no fim, bebido o café, nos levan-
Detalhe” – que, simpaticamente, lhe fornecia alojamento (local támos para sair, o Barros diz para a empregada: “Pode tratar dos
de trabalho), papel, químicos e agrafador. A tiragem era de 5 papéis para casarmos, se assim o quiser”. A rapariga não conteve
exemplares, com 1 original e 4 cópias assim distribuídas: original uma gargalhada, mas depois, perante o ar sério do Barros, ficou
para a câmara dos oficiais; uma cópia para os sargentos e três aturdida, muito atrapalhada, sem saber se ele estava a brincar ou
para as praças: uma para cada coberta. O “jornal”, lido e relido, lá o que fosse, parou o riso, via-se que queria dizer algo, olhos
era motivo de muitas conversas e ajudava a passar o tempo. muito abertos, tremia, angustiada, quase a chorar e não tirava os
Tinha uma excelente página cultural em nada despiciendo. Críti- olhos dele. À nossa volta os clientes iam-se apercebendo do que
cos? Maledicentes? Nem um. se passava, fez-se silêncio e depois muitas palmas.
O Barros pertencia ao meu grupo nas idas a terra. Tínhamos já Foi um momento inesquecível e ouso afirmar que das pessoas
Capa velhos conhecimentos em S. Miguel (Açores), com tudo o que era ali presentes que assistiram à cena, só duas sabiam que o Barros
Pelotão de Fuzileiros desfilando com o uniforme gente relacionada com o fado; guitarristas, violistas e fadistas. estava a falar a sério: ele e eu.
da Brigada Real da Marinha. “Ah, fado d’um ladrão!”. Em Rabo de Peixe morava um grande Do que se passou depois apenas posso dizer que se casaram.
Foto SMOR L Almeida de Carvalho
amigo, o Jorge, 2º Sargento mecânico da aviação, com a sua O Barros saiu da Marinha e só o tornei a ver passados alguns anos
simpatiquíssima esposa. Exímio guitarrista e cantador, ao estilo e, por ironia do destino, nos Restauradores, na “Bóia” (assim
Revista da
ARMADA coimbrão e de excelente voz. Acompanhava-nos o despenseiro era chamado aquele passeio largo mesmo em frente do cinema
dos sargentos, Zeferino, também da zona do Mondego e conhe-
Éden, e ponto de encontro dos amigos), passeando com a sua
cido de infância do Sargento Jorge. mulher, de braço dado, muito chegados. O Barros trabalhava na
Publicação Oficial da Marinha Diretor Desenho Gráfico E-mail da Revista da Armada O Barros, ruivo, imberbe, ora promovido a marinheiro, tinha central eléctrica na barragem de Castelo do Bode. E a sua mulher
Periodicidade mensal CALM EMQ João Leonardo Valente dos Santos ASS TEC DES Aida Cristina M.P. Faria revista.armada@marinha.pt uma faceta rara em todos os tempos: era um rapaz sério e a pala-
Nº 525 / Ano XLVII Chefe de Redação ra.sec@marinha.pt não podia mostrar-se mais feliz. Ao recordarmos o passado e
Janeiro 2017 Administração, Redação e Publicidade vra dele era uma escritura sagrada. Mais, não brincava com elas enquanto o Barros mantinha a sua imperturbável postura, a ela
CMG Joaquim Manuel de S. Vaz Ferreira Revista da Armada – Edifício das Instalações Paginação eletrónica e produção e a prová-lo a história que vou tentar contar conforme o meu
Redatora Centrais da Marinha – Rua do Arsenal Página Ímpar, Lda. testemunho. acorriam umas lágrimas… e a mim também. Desejei-lhes toda a
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ISSN 0870-9343 SMOR L Mário Jorge Almeida de Carvalho Tiragem média mensal: 4000 exemplares um marinheiro solteiro. O local, indefectível, por acolhedor, boa Teodoro Ferreira
N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico 1TEN SG REF
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JANEIRO 2018 3 SETEMBRO/OUTUBRO 2018