Page 30 - Revista da Armada
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 SUMÁRIO
         ESTÓRIAS                                                                                          43

 02  700 Anos da Marinha – Cerimónia de Encerramento  OS VALORES E MÉRITOS   PROPOSTA HONRADA
 DOS FUZILEIROS 04
 07   NRP Viana do Castelo. Frontex – Missão Lampedusa

 09   Lusitano 17  “Como é isto por aqui?”  Eis a pergunta que se faz quando se

 18  Cerimónia Militar  chega a uma outra unidade.
           Assim foi quando me apresentei no Lima (1948) após uns anitos
 22  Direito do Mar e Direito Marítimo (13)  no meu e já saudoso Vouga, onde iniciei a minha vida de embar-
          cado, 17 anos, seguidinhos, saltando de um para outro. Novas
 24  Academia de Marinha  caras, novos camaradas e novos amigos. Naturalmente, as idades
          tendem a procurar-se, um tanto pelas irreverências inerentes a
 25  Notícias  esse grupo etário e também por outros factores. Foi assim que
          conheci o Barros, 1º Grumete Electricista. Revelava modos e cul-
 28  Novas Histórias da Botica (66)  11  BALANÇO DAS    tura fora do habitual no seu posto. Tinha a frequência do 4º ano
          dos liceus, pelo que também sabia umas coisas de francês e inglês.
 29  Estórias (37)  ATIVIDADES 2017 – MARINHA Em comum, o gosto pela música popular. Ambos tínhamos um
          acordeão de teclas. Era bom profissional e brioso no fardar, calças
 30  Vigia da História (97)  bem vincadas, de cortar as pernas a um polícia, como era costume   (1ª fila) Acordeonista – protagonista da estória
                                                                  (2ª fila) Primeiro da direita – autor da estória
          dizer-se, e botas reluzentes. A propósito, lembro uma figura mar-
 31  Desporto  cante que deixei no Vouga, o Norberto, 1º Marinheiro Artilheiro   comida, preço em conta e simpáticas raparigas a servir à mesa.
          alti-telemetrista, alfaiate, barbeiro, que primava pela sua postura
 32  Saúde para Todos (51)  e, em consequência, na formatura para as licenças era mandado,   Refiro-me ao restaurante sito a leste do Rossio e de seu nome
          pelos Oficiais de Dia, dela sair antes de passar a revista. Distin-
                                                              “A Tomarense”. Entra-se pela Praça da Figueira, sobe-se um pri-
 33  Quarto de Folga  ção merecida e nunca mais vista em todos os anos que andei por   meiro andar e é só simpatia. Passe o reclame.
          “estas casas”. (Peço desculpa por este desvio, mas não podia per-
                                                               Um dia – há sempre um dia –, esperando já sentados à mesa,
 34  Notícias Pessoais / Convívios  der a oportunidade de manifestar a minha justa admiração por tal   uma muito simpática empregada já nossa conhecida, com a sua
          marinheiro). Mas voltando à rota estabelecida, ao Lima.
                                                              graça contagiante, o seu sorriso permanente e bonito, diz-nos:
 CC  Símbolos Heráldicos  asas a uma ideia que o avassalava: ser jornalista. Agora, nos Aço-  “Já sei que não querem saber da ementa para nada. Temos…”
           O Barros era um desenvolto dactilógrafo e daí ser possível dar
 BALANÇO DAS    res, em comissão de serviço, teve a sua oportunidade. Criou um   e é interrompida pelo Barros que se levanta e diz: “Vou fazer-lhe
                                                              uma proposta muito séria! Se me arranjar um bife bem passado,
 ATIVIDADES 2017 – AMN 20 “jornal”  com  o  título  “O  Enjoado”,  em  homenagem  (palavras   com um ovo a cavalo, cogumelos, batatas fritas… (e fixando-a
          dele) ao pequeno cão que tínhamos a bordo. O “jornal” tinha,   nos olhos) caso consigo”. A rapariga desatou a rir e lá foi, desen-
          necessariamente, a autorização do nosso Imediato, o 1º Tenente   volta, dar conta do recado. Voltou com o pedido com o mesmo
          Gomes e Trindade. Era bimensal, tipo A4 e o Barros seu director,   sorriso com que antes nos deixara.
          editor, proprietário, grafista, compositor, comentador, crítico de   Jantámos (éramos cinco) muito animados e é manifesto o agrado
          arte, de desporto e distribuidor. Tinha um mecenas – a “Casa do   do Barros pelo seu bife. Quando no fim, bebido o café, nos levan-
          Detalhe” – que, simpaticamente, lhe fornecia alojamento (local   támos para sair, o Barros diz para a empregada: “Pode tratar dos
          de  trabalho),  papel,  químicos  e  agrafador.  A  tiragem  era  de  5   papéis para casarmos, se assim o quiser”. A rapariga não conteve
          exemplares, com 1 original e 4 cópias assim distribuídas: original   uma gargalhada, mas depois, perante o ar sério do Barros, ficou
          para a câmara dos oficiais; uma cópia para os sargentos e três   aturdida, muito atrapalhada, sem saber se ele estava a brincar ou
          para as praças: uma para cada coberta. O “jornal”, lido e relido,   lá o que fosse, parou o riso, via-se que queria dizer algo, olhos
          era  motivo  de  muitas  conversas  e  ajudava  a  passar  o  tempo.   muito abertos, tremia, angustiada, quase a chorar e não tirava os
          Tinha uma excelente página cultural em nada despiciendo. Críti-  olhos dele. À nossa volta os clientes iam-se apercebendo do que
          cos? Maledicentes? Nem um.                          se passava, fez-se silêncio e depois muitas palmas.
           O Barros pertencia ao meu grupo nas idas a terra. Tínhamos já   Foi um momento inesquecível e ouso afirmar que das pessoas
 Capa     velhos conhecimentos em S. Miguel (Açores), com tudo o que era   ali presentes que assistiram à cena, só duas sabiam que o Barros
 Pelotão de Fuzileiros desfilando com o uniforme  gente relacionada com o fado; guitarristas, violistas e fadistas.   estava a falar a sério: ele e eu.
 da Brigada Real da Marinha.  “Ah, fado d’um ladrão!”. Em Rabo de Peixe morava um grande   Do que se passou depois apenas posso dizer que se casaram.
 Foto SMOR L Almeida de Carvalho
          amigo,  o  Jorge,  2º  Sargento  mecânico  da  aviação,  com  a  sua   O Barros saiu da Marinha e só o tornei a ver passados alguns anos
          simpatiquíssima esposa. Exímio guitarrista e cantador, ao estilo   e,  por  ironia  do  destino,  nos  Restauradores,  na  “Bóia”  (assim
 Revista da
 ARMADA    coimbrão e de excelente voz. Acompanhava-nos o despenseiro   era chamado aquele passeio largo mesmo em frente do cinema
          dos sargentos, Zeferino, também da zona do Mondego e conhe-
                                                              Éden, e ponto de encontro dos amigos), passeando com a sua
          cido de infância do Sargento Jorge.                 mulher, de braço dado, muito chegados. O Barros trabalhava na
 Publicação Oficial da Marinha   Diretor   Desenho Gráfico   E-mail da Revista da Armada  O Barros, ruivo, imberbe, ora promovido a marinheiro, tinha   central eléctrica na barragem de Castelo do Bode. E a sua mulher
 Periodicidade mensal   CALM EMQ João Leonardo Valente dos Santos   ASS TEC DES Aida Cristina M.P. Faria  revista.armada@marinha.pt    uma faceta rara em todos os tempos: era um rapaz sério e a pala-
 Nº 525 / Ano XLVII   Chefe de Redação   ra.sec@marinha.pt    não  podia  mostrar-se  mais  feliz.  Ao  recordarmos  o  passado  e
 Janeiro 2017    Administração, Redação e Publicidade   vra dele era uma escritura sagrada. Mais, não brincava com elas   enquanto o Barros mantinha a sua imperturbável postura, a ela
 CMG Joaquim Manuel de S. Vaz Ferreira   Revista da Armada – Edifício das Instalações   Paginação eletrónica e produção   e a prová-lo a história que vou tentar contar conforme o meu
 Redatora   Centrais da Marinha – Rua do Arsenal    Página Ímpar, Lda.  testemunho.  acorriam umas lágrimas… e a mim também. Desejei-lhes toda a
 1149-001 Lisboa – Portugal
 Revista anotada na ERC   1TEN TSN -COM Ana Alexandra G. de Brito   Telef: 21 159 32 54    Estrada de Benfica, 317 - 1 Fte   felicidade deste mundo.
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 Depósito Legal nº 55737/92   Secretário de Redação   Estamos em Lisboa. Ir jantar a terra é dos maiores prazeres de   Com saudades do mar…
 ISSN 0870-9343    SMOR L Mário Jorge Almeida de Carvalho    Tiragem média mensal: 4000 exemplares   um marinheiro solteiro. O local, indefectível, por acolhedor, boa   Teodoro Ferreira
                                                              N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico   1TEN SG REF
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