Page 22 - Revista da Armada
P. 22
22 O DIREITO COMPARADO
E O DIREITO DO MAR
PARTE I – FILOSOFIA DE ENQUADRAMENTO
pensamento comparativista é essencial à constru- naturalmente com uma explicação positiva da realidade
O ção de premissas de avaliação jurídica, não apenas que observamos em cada um dos modelos.
quanto ao fenómeno de aprendizagem, mas também ao Entre as questões que se podem colocar na filosofia de
conhecimento agregado que se obtém com a observa- apreciação agregada ao Direito Comparado, poderiam
ção sócio-cultural que sustenta o pensamento jurídico retirar-se conclusões significativamente interessantes, e
DIREITO DO MAR E DIREITO MARÍTIMO
e, consequentemente, a construção sistémica. que nos revelam a importância de termos pensamento crí-
Na procura do Conhecimento, não é um bom serviço tico e comparado, e bem assim a relevância de comparar
à mens legislatori e à intentio legis sectorizarmo-nos acontecimentos, situando-os, cruzar a sua importância e
em avaliações demasiado estanques e filosoficamente construir hipóteses credíveis de solução, que nos podem,
enclausuradas em programas jurídicos rígidos, mas, ou não, servir de referencial. Neste âmbito, também
outrossim, comparar regimes, opções, mecanismos, devido à geomorfologia dos espaços, o direito do mar é
envolventes culturais e soluções técnico-científicas e um objeto de estudo absolutamente interessante.
caracterizar – no tempo e no espaço – sistemas e qua- A avaliação crítica dos acontecimentos é, igualmente,
dros legislativos, que nos enriquece também do ponto essencial, a uma edificação de conclusões, e sedimen-
de vista jurídico-filosófico. ta-se no valor acrescentado que a história e a sociolo-
E devemos usar um método de investigação que seja gia política nos trazem. A história, nas avaliações a que
ideologicamente neutro para encontrar a pureza das procedemos, é um elemento muitas vezes essencial, e
soluções. Assim, e embora nalgumas escolas de pen- os caminhos que dedutivamente podemos recolher dos
samento seja praticamente impossível separar, por um acontecimentos históricos mais marcantes também nos
lado, o determinismo e o método, e por outro a ideo- é muito útil pelas conclusões lógico-conclusivas que
logia, será sempre mais correto e lúcido enveredar podemos assumir. Atente-se, por exemplo, de como
pela dedução jurídica, pela crítica dos documentos que teria sido o desfecho da Segunda Grande Guerra se
observamos, e a própria avaliação jurídico-sociológica Eduardo VIII não se tivesse apaixonado por Wallis Simp-
que, notoriamente, é fundamental. son, conhecidos que são, agora, documentos da Intelli-
Contudo, o Direito Comparado não é uma disciplina que gence britânica que dão conta das francas proximidades
se esgota na comparação dos direitos existentes – ou que que o (então) Duque de Windsor – já havia abdicado –
existiram, se quisermos adotar o elemento histórico-com- tinha pelo regime do Reich alemão, que chegou, aliás,
parativo – ultrapassando aquela relação de observação, a visitar em 1937. O que teria acontecido, portanto, se
porque encerra em si análise sociológica e também con- Jorge VI – seu irmão mais novo que teve que ascender
jetura e avaliação político-constitucional. Assume, aqui, ao trono – não tivesse sido o monarca que foi durante
papel essencial, o método jurídico-dedutivo. a Guerra? Há elementos concretos que indiciam, clara-
A este respeito, defende Sousa Lara que “o método mente, que no verão de 1940 o Duque de Windsor (o
comparativo consiste no estudo e confronto das mes- rei que abdicou) parecia estar a negociar com o Reich.
mas instituições em diferentes países ou épocas, com Imagine-se como uma tal atitude terá, então, fragilizado
vista à determinação de constâncias, de regularidades o rei, que aos poucos se tornou um símbolo, recusando
e seus contrários; A descrição deve ser complementada abandonar os londrinos durante os bombardeamentos a
pelo recurso ao método histórico; (…) Perante o conhe- que estavam sujeitos.
cimento do Direito efetivamente aplicado é possível a Se aquele mero acontecimento na vida pessoal do rei
sua organização sistemática através do método lógico não tivesse ocorrido, naquela altura, naquela circuns-
ou dogmático e pelo conhecimento genérico das normas tância, e naquele quadro de conflito, como teria decor-
(…)”. Há, assim, caminhando com este ilustre autor, dois rido todo o trágico processo a que assistimos depois nos
elementos preponderantes, e que são, nesta ciência dramáticos anos da Grande Guerra? O que teria influído
do comparativismo, questões sistémicas: a aplicação na sequência histórica e em toda a construção das alian-
do Direito, inalienavelmente agregada ao processo de ças? Na sequência dos factos, e em sede de Direito
interpretação, e a finalidade do método do Direito. internacional, ter-se-ia verificado – na mesma matriz – o
Há uma linha condutora que é essencial à avaliação de percurso de estruturação da comunidade internacional
sistemas, pela utilidade que têm como corpos jurídicos no final da década de quarenta do Séc. XX? É, também,
complexos, e pelas soluções encontradas numa deter- sobre este tipo de avaliação que se debruça a questão
minada conjuntura e como mecanismos jurídicos, que da importância dos dados históricos que encontramos
teremos que avaliar como considerações valorativas, em François Gény.