Page 32 - Revista da Armada
P. 32
REVISTA DA ARMADA | 555
SAÚDE PARA TODOS 79
MUCORMICOSE
A mucormicose é uma infeção por fungos, da ordem Mucorales, que surge maioritariamente em doentes diabéƟ cos. Geralmente tem
como ponto de parƟ da a mucosa nasal e os seios perinasais apresentando-se como uma sinusite aguda invasiva. É rapidamente pro-
gressiva e, muitas vezes, fatal.
FISIOPATOLOGIA DR
s fungos da ordem Mucorales são ubíquos na natureza. Dentre
Oestes, os mais frequentemente associados à doença mucor-
micose são os do género Rhizopus, Mucor e Cunnigamella. São
fungos saprófi tas (alimentam-se absorvendo substâncias orgâni-
cas), de crescimento Ɵ picamente rápido e angioinvasivos (as hifas
proliferam pelos vasos sanguíneos), levando a isquemia e necrose
(morte) dos tecidos envolvidos.
A infeção pode ser adquirida por via inalatória, ingestão ou ino-
culação subcutânea, sendo a causa mais comum a inalação de
esporos dispersos no meio ambiente. Não há transmissão pessoa
a pessoa.
A forma de longe mais comum de mucormicose é a rinocerebral,
que abordaremos neste arƟ go, mas também existe mucormicose
pulmonar, cutânea, gastrintesƟ nal ou disseminada.
Embora estes fungos possam ser encontrados nas fossas nasais
de pacientes saudáveis, eles causam quase sempre doença apenas
nos doentes imunodeprimidos. São fatores de risco conhecidos a DIAGNÓSTICO
diabetes mellitus mal controlada (36-88% dos casos), transplante
de órgãos prévio, neoplasias malignas hematológicas, síndrome de A suspeita de mucormicose deve ser levantada em qualquer
imunodefi ciência humana adquirida, trauma penetrante, queima- paciente imunodeprimido que desenvolva sinusopaƟ a, especial-
duras graves, desnutrição, doença renal e tratamento prolongado mente se aƟ ngir vários seios perinasais (pansinusite). A tomografi a
com corƟ coides ou desferroxamina. computorizada (TC) da face e crânio, e se possível a ressonância
A mucormicose rinocerebral inicia-se, portanto, com a coloniza- magnéƟ ca (RMN), são importantes para avaliar a destruição óssea
ç ã o da mucosa nasal. Quando as pessoas não apresentam resposta e a progressão da invasão. A confi rmação diagnósƟ ca faz-se por
imune adequada, ocorre a germinação. As hifas dos Mucorales têm exame histopatológico de uma amostra de tecido afetado pela
especial preferência por artérias e pelo sistema linfáƟ co. Também doença, em que se visualizam as hifas não septadas.
podem invadir nervos, tecido gordo e ossos. A angioinvasã o pelas
hifas produz uma reação fi brinó ide, que leva à produç ã o de um TRATAMENTO
rolhã o de fi brina e fungos conhecido por “mucor thrombi”. Este é
responsável pela oclusão das artérias, levando à isquemia, enfarte e O tratamento desta situação tem de ser rápido e agressivo. Pre-
consequente formação do tecido preto necróƟ co, que recobre pele coniza-se o tratamento da causa subjacente (ex: controle da dia-
e mucosas e que é caraterísƟ co desta doença. A infecç ã o dissemina- betes, reversão da imunossupressão quando possível ou suspen-
-se rapidamente aos seios perinasais e à órbita, podendo conƟ nuar são da desferroxamina), medicação anƟ fúngica (anfotericina B) e
através do osso etmó ide e dos vasos orbitários até ao crânio. desbridamento cirúrgico extenso do tecido necróƟ co (que pode
envolver remoção do conteúdo orbitário, incluindo globo ocular).
EPIDEMIOLOGIA Outra modalidade de tratamento em estudo é a oxigenotera-
pia hiperbá rica que parece apresentar beneİ cio quando usada
A incidência de mucormicose na população é esƟ mada em concomitantemente ao anƟ fúngico e desbridamento cirúrgico.
0.5-1,2 casos por milhão de pessoas. O aumento da pressão de oxigénio obƟ do com a oxigenoterapia
hiperbárica melhora a aƟ vidade dos neutrófi los e os efeitos oxi-
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS daƟ vos anƟ micóƟ cos, além de que foi relatado que altas concen-
trações de oxigênio inibem o crescimento dos fungos Mucorales
Esta doença manifesta-se inicialmente com febre, dor Ɵ po moi- in vitro e melhoraram a taxa de cicatrização de feridas.
nha na região dos seios perinasais e, por vezes, congestão nasal e O prognósƟ co desta doença é mau e cerca de 50% dos casos são
secreções nasais (que podem conter sangue). Poucos dias depois fatais. Este número aumenta para 90% quando o sistema nervoso
surge edema periorbitá rio, proptose, oŌ almoplegia, alterações da central é aƟ ngido.
visão (incluindo cegueira) e lesões necróƟ cas da pele e mucosas
aƟ ngidas (placa preta a nível do nariz, órbita e palato, do lado afe- Ana CrisƟ na Pratas
tado pela doença). Se a extensão progressiva da necrose envolver CTEN MN
o cérebro pode causar convulsões, coma e morte. www.facebook.com/parƟ cipanosaudeparatodos
32 SETEMBRO/OUTUBRO 2020