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REVISTA DA ARMADA | 557










































               Batalha naval de Pernambuco, ou dos Abrolhos, de 1632.

               Já havia antecedentes, com base no pensamento dos jurisconsul-  qual se referem todas as questões relaƟ vas à submissão, disƟ nção
              tos romanos – que Ɵ pifi cavam o mar como res communis omnium,   dos domínios e semelhantes e ainda, naturalmente, o problema da
              com excepção, precisamente, dos espaços integrantes dos mares   navegação, “pois é somente necessária para obviar a indigência da
              adjacentes –, e na altura medieval, no Séc. XIV, dos pós-glosadores   natureza corrupta”. Sendo os direitos de soberania, em seu enten-
              Baldo e Ubaldis, com argumentos em fundamentação das preten-  dimento, assentes nas prerrogaƟ vas da descoberta e na ocupação,
              sões das cidades italianas sobre o domínio soberano do Mediterrâ-  a sua argumentação assentou na defesa da legiƟ midade do poder
              neo, alegando que o mar poderia ser objecto de relações de sobe-  dos Ponơ fi ces para, através das Bulas, determinar os direitos de
              rania quod jurisdicƟ onem et protecƟ onem, ou mesmo, como em   exclusividade da navegação e comércio a Portugal e Espanha nas
              Ubaldis, como antes estudámos, de quasi-possessio.  novas regiões então descobertas, recorrendo ao poder indirecto
               No Séc. XVI, e no seguimento dos processos de conquista, as pre-  dos Papas , ou seja, não sendo os Ponơ fi ces detentores do poder
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              tensões dos dois países ibéricos eram bem mais vastas que aquelas   temporal , nele podem intervir in ordinem ad bonum spirituale et
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              formulações, uma vez que reivindicavam o direito ao uso exclusivo e,   quatenus necesse ad fi nem supernaturalem.
              portanto, ao monopólio dos mares então descobertos, respeitando   RelaƟ vamente à questão do dominium territorial e da occupaƟ o,
              apenas os limites impostos no Tratado de Tordesilhas e o acordo fi r-  invocava Serafi m de Freitas que o domínio da Índia pertence aos
              mado, sendo que, com base naquele princípio, era proibido o livre   portugueses, desde logo a  ơ tulo do seu descobrimento,  Ɵ tulum
              acesso pelos navios estrangeiros aos mares conquistados.   invenƟ onis, como base e princípio da ocupação ; também a eles
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               A obra do ilustríssimo Serafi m de Freitas, já com Filipe III de   pertence por concessão ponƟ İ cia, como antes já sumarizámos, por-
              Portugal, consƟ tuiu uma resposta sustentada a Grocius, e funda-  que os Papas – invocava o mestre luso – através da sua tutela espi-
              mentou-se em vários princípios basilares em defesa dos interesses   ritual, têm de zelar pelas coisas temporais, impondo obrigações de
              portugueses. Assim, contestando a linha defendida pelo jurista   consciência aos príncipes e governantes e cominando sanções para
              holandês, e baseando-se nas razões do início da expansão, assu-  as violações. Assim, dizia, o Papa encarregou o Príncipe português
              miu como pressuposto o alargamento e divulgação da fé em Cristo   de enviar missionários e pregadores para expansão da fé e conver-
              e o consequente espírito de missão, tendo esse processo moƟ vado   são, concedendo-lhe os recursos necessários bem como cometen-
              as várias Bulas papais que, sucessivamente, desde meados do Séc.   do-lhes os direitos de navegação e de comércio com exclusão de
              XV, concederam incontestavelmente aos soberanos Portugueses   todos os outros povos que possam perturbar a designada magna
              “o direito privaƟ vo de exercerem a navegação e o comércio com   obra de evangelização . Foi o que aconteceu com a Inter Coetera,
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              a África e a Ásia”.                                 de Alexandre VI, de 1493, e nela o Papa proferiu a sua decisão e juízo
               Em termos jurídico-fi losófi cos, e não se afastando do mesmo   ponƟ İ cio. Mas, veja-se a inteligência do argumento do brilhante
              âmbito de análise conceptual de Grocius – o direito natural e o Jus   jurista: sendo os reis de Espanha, igualmente (desde Filipe I) condes
              genƟ um – contesta, contudo, Serafi m de Freitas, algumas das suas   da Flandres e senhores de grande parte da Holanda – e tendo aceite,
              premissas, contrapondo a necessidade de considerar aquela área   em tal qualidade soberana, a arbitragem do Ponơ fi ce e criando obri-
              do Direito por referência não apenas a um “estado de natureza   gações internacionais para os seus Estados que qualquer poder tem-
              íntegra”, mas também a um “estado de natureza corrupta”, ao   poral actual  insƟ tuído nessas Nações tem que acatar – “ (…) não
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