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REVISTA DA ARMADA | 557
podem, agora, os holandeses, por argumento res inter alios acta vir
defender que aquela decisão não serve à Holanda”. Notas
O direito de soberania era defendido pelo jurista português 1 Como enuncia O´Connell, podemos até neste âmbito encontrar, actualmente,
tendo, portanto, por base, a descoberta e ocupação; posse Ɵ tu- algum resquício da clássica tensão entre a fenomenologia do Mare Liberum e do
Mare Clausum, só que, no formato da discussão de agora, aquela tensão estará
lada e indisputada, ou seja, consenƟ da; mas também pela via da mais na relação de uƟ lização entre o uso do Alto Mar e as especifi cidades das
prescrição e do costume. várias Zonas Económicas Exclusivas, atentas as caracterísƟ cas destes espaços.
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Que anteriormente já analisámos em arƟ go desta colecção.
Acrescia, ainda, Serafi m de Freitas, que os portugueses deƟ - 3 Sendo que Grocius afi rmava, também, no seu Mare Liberum, que “(…) os que
nham soberania sobre os territórios porque, contrariamente ao dizem que um certo mar pertence ao Império Romano explicam tal facto com o
sustentado por Grocius, as acções de conquista militar decididas senƟ do de que tal direito não se estende para lá da protecção e da jurisdição; ora,
eles disƟ nguem esse direito do de propriedade.”
e empreendidas pelos príncipes portugueses Ɵ nham a jusƟ fi cação 4 Autor britânico a que já antes nos referimos na Parte I do arƟ go.
de propagar a fé católica, pelo que eram Ɵ das como guerras justas, 5 Na sua obra Defensio.
tendo as prerrogaƟ vas e os direitos delas resultantes, assim reco- 6 Como nos ensina O´Connell.
nhecidas pelos Ponơ fi ces. 7 Ambos em 1637.
Estudioso, invesƟ gador e jurista (1570-1633), estudou Humanidades no Colégio
Quanto ao dominium do mar, Serafi m de Freitas contestou o 8 Jesuíta de Santo Antão, e, depois de acabada a sua formação académica, em Cânones,
facto, assumido por Grocius, que o mar não possa ser objecto na Universidade de Coimbra, prosseguiu a sua carreira, a parƟ r de 1600, em Valladolid.
de occupaƟ o e consequente apropriação pelas Nações que, com 9 Conceito defendido pelos escolásƟ cos do Séc. XVI, e que foi sustentada e formu-
o seu poder e presença, os ocupem primeiro. No entendimento lada pelo Cardeal Belarmino.
O jurista aprofunda, em detalhe, a origem do poder de acordo com a anƟ ga tese
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do mestre luso, a correcta interpretação do que os jurisconsultos paulina, non est potestas nisi a Deo, referindo-se depois à disƟ nção entre os pode-
romanos assumiam e defendiam leva precisamente à conclusão res espiritual e temporal, aquele directamente concedido por Cristo a Pedro e seus
contrária, mais acrescendo que o designado alto mar possa ser sucessores e ordenado para um fi m sobrenatural, este “concedido por Deus, como
autor da Natureza, ao Rei ou príncipe da República, mediante a luz natural, por
protegido e dominado por um determinado poder de autoridade eleição ou transferência da comunidade”, o qual é dirigido, em especial, para um
que evite a sua apropriação e uso por acções de pirataria. Acres- fi m natural e meios a este adequados.
Embora a Índia, invoca o jurista, fosse já conhecida dos anƟ gos, não só tal conhe-
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centava, ainda, Serafi m de Freitas, que o dominium do mar e da cimento era imperfeito – o que se comprova dos erros nos mapas e respecƟ vas
navegação, pela communis opinio doctorum, se adquire por pres- anotações e descrições geográfi cas – como não englobavam terras e mares que as
crição imemorial decorridos que sejam mais de cem anos, o que, navegações dos portugueses foram revelando como exisƟ rem de facto, em espe-
cial desde que as navegações se alongaram para lá do Cabo da Boa Esperança.
atento o período de exercício de navegação que os portugueses já 12 Os Ponơ fi ces, alegava, não concederam a Portugal o direito de navegação e
Ɵ nham de navegação de alto mar, e do Índico em parƟ cular, era o comércio per si e independentemente de outro fi m, mas sim como suporte mate-
caso e, portanto, um direito já adquirido . rial de um direito e obrigação que ao Ponơ fi ce compete, ou seja, o envio de missio-
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nários para as regiões em que não se professa a fé católica.
13 Serafi m de Freitas escreveu a sua obra em 1624.
Dr. Luís da Costa Diogo 14 A tese que o ilustríssimo e erudito autor defendia seria retomada, em 1673, pelo por-
Director Jurídico da DGAM tuguês Domingos Antunes Portugal, a propósito do regime jurídico do mar e da questão
dos direitos soberanos sobre os oceanos abertos ao Mundo pelas frotas portuguesas.
N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfi co
NOTÍCIAS
MUSEU DE MARINHA – EXPOSIÇÃO TEMPORÁRIA
PAQUETES PORTUGUESES
No passado dia 28 de outubro foi inaugurada, na sala Henrique
Maufroy de Seixas, no Museu de Marinha (MM), a exposição tempo- Foto Rui Salta
rária “Paquetes Portugueses”. A cerimónia foi presidida pelo Diretor
da Comissão Cultural de Marinha, CALM Valente dos Santos, tendo
início com uma alocução por parte do Diretor do MM, COM Croca
Favinha. Seguiu-se a visita guiada à exposição pelo invesƟ gador Luís
Miguel Correia, que integra a Comissão Técnica ConsulƟ va do MM.
Esta exibição consiste na reposição da exposição efetuada pelo
MM em 2006, ilustrando a história dos paquetes portugueses
desde o fi m do século XIX até fi nais do século XX. Essencialmente
composta por fotografi as, inclui, também, algumas peças perten-
centes aos anƟ gos paquetes, bem como os modelos do Pátria e
do Vera Cruz, ambos da Companhia Nacional de Navegação.
Por forma a delinear o percurso museológico temporal da his-
tória das grandes companhias de navegação, a exposição encon-
tra-se dividida em cinco núcleos: “A criação das Grandes Compa- A sua visita permite um conhecimento, minucioso e preciso, do rele-
nhias de Navegação nos fi nais do século XIX”; “Da Guerra Mundial vante papel da Marinha Mercante portuguesa no passado, em par-
à crise dos Anos 30”; “A II Guerra Mundial: novo confl ito, novas Ɵ cular no transporte de passageiros, no momento em que se assiste
oportunidades. O Despacho 100 e os Anos Dourados”; “Anos 60: ao renascimento da frota de navios de cruzeiro nacional, uma das
os úlƟ mos grandes paquetes e o início dos confl itos ultramari- vertentes do relacionamento da comunidade portuguesa com o mar.
nos”; e, por fi m, “Década de 70: o fi m das grandes companhias”.
A Exposição estará patente ao público até dia 31 de março de 2021. Colaboração do MUSEU DE MARINHA
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