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REVISTA DA ARMADA | 559
SAÚDE PARA TODOS 83
COLECISTITE AGUDA
A palavra colecisƟ te deriva do grego “cholecyst” que signifi ca “vesícula biliar” e “iƟ s” que signifi ca “infl amação”. A maioria das
infl amações da vesícula devem-se à presença de cálculos (pedras) que causam obstrução dos canais biliares, impedindo a bílis de ser
lançada no intesƟ no, onde ajuda na digestão. Cerca de 10% dos adultos europeus têm estes cálculos na vesícula. Ocorrem habitual-
mente após os 40 anos de idade e são mais frequentes em mulheres. Os cálculos podem ser de colesterol, de bilirrubina ou mistos.
Sabe-se que a maioria são consƟ tuídos por colesterol, por isso uma alimentação saudável e com pouco colesterol, e rica em fi bras,
pode ajudar na prevenção da formação de cálculos biliares.
vesícula biliar é um órgão anexo do tubo digesƟ vo, em forma e vómitos são frequentes, bem como a perda do apeƟ te. A febre
A de saco, com cerca de 7–10 cm de comprimento. Localiza-se surge apenas em cerca de um terço das pessoas com colecisƟ te
abaixo do lobo direito do İ gado e a sua função é armazenar a aguda. Não existe icterícia ou alteração da cor da urina ou fezes, já
bílis (suco produzido de forma conơ nua no İ gado). A parede da que nesta doença a bílis produzida no İ gado conƟ nua a ser enca-
vesícula biliar é consƟ tuída de músculo liso e contrai-se de forma minhada para o intesƟ no delgado, apenas a bílis dentro da vesícula
rítmica a parƟ r do início da digestão, principalmente quando os ali- biliar se encontra impedida de efetuar o seu trajeto habitual. Em
mentos ingeridos são gordurosos. Saindo da vesícula, a bílis passa idosos, os sintomas da colecisƟ te podem ser vagos, por ex., podem
nos canais biliares e é lançada no tubo digesƟ vo a nível do duo- senƟ r apenas falta de apeƟ te, cansaço ou náuseas/vómitos.
deno (primeira parte do intesƟ no delgado), onde atua na digestão Para diagnosƟ car esta doença é importante realizar análises san-
das gorduras e facilita a absorção do colesterol e vitaminas lipos- guíneas (para avaliar parâmetros infl amatórios e função do İ gado,
solúveis. A bílis também permite eliminar do organismo vias biliares e pâncreas) e uma ecografi a abdominal, já
determinados resíduos (principalmente bilirrubina que esta permite idenƟ fi car o espessamento da
e colesterol em excesso) e subprodutos de parede da vesícula biliar ou mesmo líquido em
medicamentos. redor da mesma, bem como idenƟ fi ca a pre-
Quando a vesicula biliar está infl amada sença e localização dos cálculos, quando
chama-se a esta condição colecisƟ te. A presentes. Pode haver necessidade de
infl amação pode ser aguda (iniciou há outros exames de imagem mais comple-
poucas horas) ou crónica (infl amação xos para estudar esta doença ou mesmo
da vesícula de longa duração). para excluir outras causas de dor abdo-
A colecisƟ te aguda, o que abordare- minal como a pancreaƟ te aguda, hepa-
mos neste arƟ go, deve-se geralmente Ɵ te ou perfuração de úlcera.
à obstrução do canal biliar por onde O tratamento inicial passa por analge-
a bílis sai da vesícula: o canal císƟ co. sia, hidratação endovenosa (soro), anƟ -
Esta obstrução é em mais de 90% dos bióƟ co, anƟ eméƟ cos e interrupção da
casos de origem liƟ ásica, ou seja, existe alimentação (jejum para líquidos e sóli-
um cálculo (pedra) que encrava no canal e DR dos). O tratamento defi niƟ vo é a remoção
não permite que a bílis siga o seu percurso da vesicula biliar (colecistectomia) por cirur-
habitual aquando a digestão. A estase da bílis gia. A cirurgia deve ser realizada o mais breve-
dentro da vesícula favorece e provoca a liberta- mente possível, de preferência nas primeiras 72h
ção de enzimas infl amatórias e a mucosa danifi cada da doença, e hoje em dia costuma ser realizada por via
secreta ainda mais líquidos para dentro da vesícula. A disten- laparoscópica (Ɵ po de cirurgia em que os instrumentos entram
são que daqui resulta conduz à libertação de ainda mais media- no abdómen por pequenos oriİ cios), embora por vezes seja neces-
dores infl amatórios, o que piora a lesão da mucosa e resulta em sário recorrer à cirurgia convencional. Caso o doente apresente risco
isquemia (fl uxo de sangue e oxigénio inadequado para este órgão), elevado para ser submeƟ do a uma cirurgia emergente (ex: doentes
perpetuando a infl amação. Esse círculo vicioso, se não for inter- que tomam medicação anƟ coagulante ou que estão hemodinami-
rompido, pode levar a necrose (morte) e perfuração da parede da camente instáveis) a cirurgia pode ser adiada até que o doente apre-
vesícula. A estase da bílis também favorece o crescimento bacte- sente condições para cirurgia. Após a colecistectomia não há perdas
riano, podendo desenvolver-se uma infeção. de função signifi caƟ vas para o doente, a longo prazo.
Quando não existem cálculos a obstruir o canal císƟ co, a colecis- Complicações da colecisƟ te aguda, quando não tratada, surgem
Ɵ te chama-se acalculosa e pode ter várias causas, entre elas: jejum em cerca de 10% dos casos. As mais frequentes são empiema,
prolongado, compressão das vias biliares por neoplasias, doentes gangrena ou perfuração da vesícula, peritonite, obstrução das vias
em estado críƟ co (por ex., cirurgias extensas, queimaduras, sepsis, biliares mais a jusante da vesícula, pancreaƟ te, İ stula colecistoen-
choque), imunodefi ciências e vasculites (por ex., lúpus eritema- térica (quando um cálculo grande perfura a parede da vesícula e
toso sistêmico, poliarterite nodosa). cria um trajeto para o intesƟ no) e íleo biliar (quando um cálculo
Um doente com a vesícula infl amada apresenta habitualmente passa pela İ stula para o intesƟ no delgado e obstrói-o).
dor intensa na parte superior direita do abdómen, semelhante à
dor de uma cólica biliar, mas aqui a dor permanece constante por Ana CrisƟ na Pratas
mais de 6h. A dor agrava na inspiração profunda, com o ato de CTEN MN
tossir e também à palpação dessa região do abdómen. Náuseas www.facebook.com/parƟ cipanosaudeparatodos
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