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REVISTA DA ARMADA | 559
ESTÓRIAS 66
CABEÇAS DE PARDAIS…
E UM CASO DE DOUTORES!
mas coisas trazem outras… Na
Use quência da investigação sobre
a explosão da Fragata D. Maria II ,
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em 1850, descortinou-se, no jornal
O Patriota n.º 1986, de 4 de Feve-
reiro de 1851, um artigo abordando
uma estória sobre cabeças de par-
dais que não resistimos partilhar
com o ilustre leitor.
O autor confessa que a primeira
impressão foi tratar-se de uma expres-
são idiomáƟ ca, como pé direito,
cabeça de turco, cabeça de tremoço
ou cabeça de casal (também, e sobre-
tudo, um termo jurídico)… Mas não,
cabeças de pardais é mesmo… cabe-
ças de pardais! E, na realidade, uma
rápida pesquisa na Internet permiƟ u Autor: STEN TSN-ARQ Paulo Guedes
encontrar diversas disposições cama-
rárias, de diferentes concelhos por-
tugueses (Arraiolos, Lisboa, Sardoal,
Porto Santo, entre outros), desde
meados do século XVIII até ao 3ª quartel do século XIX, impondo Ah! Estamos regalados! MeƩ am-se lá com os Doutores!
aos proprietários e rendeiros de searas a obrigatoriedade de Um doutor que tem uma quinta, foi declarado pela camara muni-
entregar, uma vez por ano, um número variável de cabeças de cipal de Lisboa incurso na postura que condemna em quatro mil réis
pardais (sob pena de multa). Era uma forma de combater as per- quem não apresentar certo numero de cabeças de pardais. E o doutor
das causadas pelos bandos dessas pequenas criaturas. foi remeƟ do á policia correcional, para alli se lhe aplicar aquella pena.
Outro doutor foi á policia correcional defender o seu
colega. A defeza consisƟ u no seguinte:
“Está em vigor a postura que exige dos lavradores certo
numero de cabeças de pardais.
“Mas para ter cabeças de pardais, é preciso mata-los.
“Um pardal não é pássaro que cáia nas costellas. Só a Ɵ ro
é que se lhe chega.
“As armas de fogo estão prohibidas .
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“Logo a postura não póde cumprir-se.
“Ninguem portanto póde ser condemnado por não matar
pardais, em quanto o uso de espingardas não for permiƟ do.”
O juiz absolveu o doutor acusado.
Em conclusão: ontem como hoje, a argúcia (leia-se manha,
na verdadeira acepção) dos causídicos é de respeito!
Rui Pires de Carvalho
Excerto de disposições camarárias de Lisboa, em 1766 (in hƩ p://www.governodos outros. TCOR M ed Res
ics.ul.pt) N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfi co
No caso de entregarem mais do que o esƟ pulado, Ɵ nham, inclu- Notas
sivamente, pré mios pecuniários! Estas disposições sofreram crí- 1 ArƟ go publicado na Revista da Armada nº 532.
Ɵ cas e contestação a parƟ r de, pelo menos, 1862, por parte de 2 Ver: Pe. Macedo, “Os vereadores e os pardais” in O Bejense, Ano II, nº 59, p. 3.,
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personalidades mais esclarecidas que alertavam para o facto dos 08-02-1862, hƩ p://www.fcsh.unl.pt/pragasnosperiodicos/items/show/1567 e S. R.
Lima, “CRÓNICA AGRÍCOLA” in O Vimaranense, I Ano, nº 41, p. 4., 19-09-1862
pardais contribuírem signifi caƟ vamente para o combate das pra- hƩ p://www.fcsh.unl.pt/pragasnosperiodicos/items/show/1545.
gas de insectos … 3 Nota do autor: em 1846 Ɵ nha rebentado a Revolta da Maria da Fonte e, posterior-
Mas voltemos ao Patriota e ao arƟ go que deu origem a esta mente, a Patuleia, moƟ vo que originou disposições sobre a proibição de armas de
fogo por privados/populares.
estória, que se passa a transcrever na íntegra:
FEVEREIRO 2021 31