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REVISTA DA ARMADA | 556
VIGIA DA HISTÓRIA 124
SEQUELAS
DE UM COMBATE
uando, na noite de 22 de Novembro de 1795, o capitão Manuel do
QNascimento Costa regressou a bordo do seu navio, S. António Polifemo,
depois de se ter rendido após um combate de 5 horas com a fragata francesa
La Preneuse, combate descrito e analisado na obra “Batalhas Navais…“ do
Comandante Saturnino Monteiro, certamente deveria estar bem longe de
imaginar os trabalhos que o esperavam para regressar no navio que os fran-
ceses não quiseram levar.
Reinava então a bordo grande desordem, especialmente entre os degre-
dados e os soldados, parte deles embriagados e alguns convencidos pelos
franceses de que eram livres e donos do navio.
Ao Comandante Nascimento deparavam-se, principalmente, dois problemas,
por um lado efectuar a reparação das avarias e, por outro, garanƟ r a manuten-
ção da disciplina por forma a poder navegar com segurança. Para tanto, procu-
rou, juntamente com os ofi ciais e alguns tripulantes, encontrar qualquer Ɵ po de
arma que houvesse escapado ao saque dos franceses, tendo recolhido um jogo
de facas de sapateiro que distribuiu pela tripulação organizando duas borda-
das; aproveitando o ferro da cinta, mandou confeccionar chuços e catanas que
foram igualmente distribuídos entre os elementos de confi ança da guarnição.
A posse deste armamento possibilitou que, na noite de 23, fossem postos
a ferros 2 degredados que se assumiam como franceses e donos do navio.
Na noite de 24 verifi cou-se um moƟ m, originado pelo falso alarme de incên-
dio, moƟ m esse controlado pelos ofi ciais armados com as facas, os chuços e
catanas, o que causou grande estupefacção entre os amoƟ nados.
Na sequência das buscas efectuadas foram encontradas duas espingardas,
sendo as respecƟ vas munições feitas com a pólvora ainda existente nalgu-
mas das peças.
Tendo o Comandante conhecimento de uma conjura dos degredados para
escaparem para terra e incendiar o navio, na noite de 2 de Dezembro, pelas
04h00, cercou e dominou os amoƟ nados e meteu-os num alojamento sob
a coberta, vigiados por duas senƟ nelas armadas de duas peças de arƟ lharia
com metralha.
Ainda nesse mesmo dia 2 foram postos a ferros 4 degredados, 3 por serem
os cabecilhas da conjura e 1 por agressão a uma das senƟ nelas.
A 4 de Dezembro foram igualmente postos a ferros mais 4 amoƟ nados, 3 por
fumarem na coberta e 1 por se recusar a limpar o que sujara.
A 6 de Dezembro verifi cou-se nova prisão de um degredado, por ter proferido
ameaças, enquanto no dia 8 foram presos mais 2, por agressão às senƟ nelas.
A 9 de Dezembro, véspera da chegada à Baía, foram presos mais 4 degreda-
dos, 3 deles por terem sido quem espalhara o falso alarme de incêndio e um
outro por, aquando da permanência a bordo dos franceses, ter expulsado da
sua cama um marinheiro do navio.
Cmdt. E. Gomes
Fonte: AHU doc. 16172 e seg. Baía CA
Notas
Registe-se, como curiosidade, o diferente desƟ no de cada um dos comandantes. O português, que
fora derrotado no combate, foi louvado e promovido, enquanto o francês, apesar de vencedor, foi
desobrigado do comando por não ter fi cado na posse do navio português. Tal situação é um dos
muitos casos em que a sabedoria popular, quando afi rma “capitão vencido não é louvado“, demonstra
estar errada.
N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfi co
30 NOVEMBRO 2020
DR