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REVISTA DA ARMADA | 565

          ESTÓRIAS                                                                                         72



          GUINÉ, NÃO HÁ DUAS SEM TRÊS



          PARTE III  –  REGRESSOS



                                                                             história é que o interesse dos alemães no óleo
                                                                             de palma se devia ao facto de os motores dos
                                                                             submarinos,  quando  utilizavam  aquele  óleo
                                                                             como  lubrificante,  não  libertarem  gases  de
                                                                             ionização, que eram detectáveis pelos radares
                                                                             dos navios dos aliados.
                                                                              Entretanto o tempo decorria e aproximava-
                                                                             -se o final da minha comissão. Percorri por
                                                                             uma  derradeira  vez,  aqueles  lugares  onde
                                                                             tinha procurado promover “uma Guiné me-
                                                                             lhor”. O último local, por ser aquele que me
                                                                             deixou  as  mais  gratas  recordações,  foi  nos
                                                                             Bijagós, e foi em Bubaque que me despedi.
                                                                             Recordo hoje com emoção quando, já na pis-
         Autor: STEN TSN-ARQ Paulo Guedes                                    sau, tive à despedida um numeroso grupo de
                                                                             ta para entrar no Cessna de regresso a Bis-
                                                                             locais que, cantando e tocando instrumentos
                                                                             artesanais, me vieram dizer adeus. O Cessna
                                                                             foi pequeno para transportar todos aqueles
                                                                             instrumentos musicais.
                                                                              Finalmente, em vinte e um de Setembro de
                                                                             1971 regresso a Lisboa e, em um de Outubro,
            o contacto próximo com o General Spínola, apercebi-me da   inicio uma nova etapa da minha vida profissional, no LNEC. Mas
         Dsua  grande  preocupação  pelo  bem-estar  das  populações  e   a Guiné não me deixou para sempre. Em meados de 1975, já de-
                                                                                                               3
          com o que se poderia fazer no sentido de melhorar as suas con-  pois da independência, fui surpreendido por um convite da FAO
          dições de vida.                                     para integrar uma missão de estudo naquele país, para promover
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           Encerrado o capítulo da minha ida à guerra, a chefia dos SAF  na   iniciativas conducentes a uma melhor utilização dos seus recur-
          Guiné constituiu outra fase muito interessante da minha passa-  sos. Integravam esta missão um cubano especialista em pescas e
          gem por aquela Província. Recordo-me que, pouco tempo depois   um médico de nacionalidade dum país de leste. No início da mis-
          de iniciar as minhas funções nos SAF, fui contactado pelo meu co-  são, desloquei-me aos Serviços de Agricultura e Florestas onde
          lega Mário Cabral, um dos irmãos de Amílcar Cabral, que me pe-  fui saudado: “Engenheiro, vai voltar!!??”
          diu emprego, pois queixava-se que ninguém o aceitava. Admiti-o   Mais tarde, já na década de oitenta, desenvolvi para os suecos
          de imediato, apesar de algumas reservas por parte de elementos   da Celbi um projecto para instalação duma plantação de 50.000
          do gabinete do General. Porém, quando este soube do aconteci-  ha de eucaliptos para abastecer a fábrica da Figueira da Foz. Foi
          do, foi o primeiro a felicitar a minha iniciativa.  uma aventura que poderia justificar mais um capítulo. As plantas
           Menos de um mês depois da sua admissão, o Mário desapare-  eram transportadas dos viveiros em Óbidos e seguiam de avião
          ceu. Vim a saber, posteriormente, que tinha ido organizar o en-  para Bissau. Ao fim do primeiro ano de plantação tinham mais de
          sino das escolas nas zonas que o PAIGC  controlava. Mais tarde,   dezasseis metros de altura.
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          depois da independência, foi Ministro da Educação da Guiné.  E assim decorreu este meu último meio século!...
           Uma das regiões que mais me atraiu foi, sem dúvida, o Arquipé-
          lago dos Bijagós. Além da beleza paisagística de algumas das ilhas,
          as populações eram muito afáveis e comunicativas e as bajudas,
          apenas envergando um saiote de palha, eram igualmente muito              José Luís Ferreira da Silva Dias, 14.º CFORN
          atraentes. A base dos Serviços era em Bubaque, numa dependên-   In Crónicas Intemporais da Guerra e da Fraternidade, 2019
          cia da residência do Administrador que, para variar, era cabo ver-
          diano. Foi nesta ilha que, ao fazer uma desmatação para instalação   N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico.
          de um palmar, encontrei um conjunto de equipamentos industriais
          abandonados e com muita ferrugem. Investigando a sua origem,   Notas
          fui  informado  tratar-se  duma  antiga  instalação  de  produção  de   1   Serviços de Agricultura e Florestas.
          óleo de palma montada pelos alemães no decurso da 2.ª Guerra   2   Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde; inicialmente o
          Mundial. Com recurso a algum pessoal técnico da Administração e   movimento que organizou a luta independentista, é atualmente um dos grandes
          do SAF, foi possível pôr a funcionar aquela fábrica, que tinha sido   partidos políticos da Guiné-Bissau.
                                                                Acrónimo anglo-saxónico de Food and Agriculture Oganization, uma agência es-
          projectada para que, no período em que não havia fruto da pal-  3   pecializada das Nações Unidas.
          meira, se pudesse fazer farinha de peixe. Mas o mais curioso da


                                                                                                   AGOSTO 2021  31
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