Page 30 - Revista da Armada
P. 30

REVISTA DA ARMADA | 570

      VIGIA DA HISTÓRIA               128





      A CONVERSÃO

      DO CORSÁRIO




          eventual  leitor, que esporadicamente passa  os  olhos  por  esta
      O  rubrica, certamente se terá apercebido  que, por  norma, os
      temas nela tratados se referem aos homens do mar portugueses. O
      caso que hoje se aborda embora constituía uma excepção, dado que
      o principal protagonista é um estrangeiro, nem por isso se afasta as-
      sim tanto dos temas habituais.
       Como estou em crer  ser  sobejamente  conhecido,  durante  largo
      período  de tempo as costas do Brasil  foram  teatro de frequentes
      ataques de navios corsários, em especial franceses, não só relativa-
      mente aos navios nacionais, como até às localidades da orla costeira,
      constituindo essa uma das grandes preocupações com que as autori-
      dades portuguesas locais se deparavam.
       É fácil pois imaginar o espanto com que o Governador do Maranhão
      terá encarado o desembarque dos passageiros do navio Nª Srª da
      Conceição e Sª Ana, de que era capitão Marcos do Amaral, ido de Lis-
      boa na frota do ano de 1734, em especial dos 7 frades e leigos anto-
      nianos que para lá se dirigiam com o objectivo de constituírem uma
      missão, e isso porque um dos irmãos leigos, na circunstância frei José
      de Jesus Maria era, nem mais nem menos, do que monsieur Rochet
      que, em carta dirigida para o Reino o Governador afirmava ser  “um
      dos mais abalizados corsários de St. Malo na guerra passada“ o qual,
      sendo  piloto  de  profissão,  havia  sido  represado  anteriormente  na
      Baía, sob suspeita de pirataria.
       Tendo o Governador insistido junto ao superior da missão, frei Fran-
      cisco da Rosa, para que mantivesse o indivíduo em causa sob vigi-
      lância por forma a que este não se apercebesse “do desamparo da
      defesa daquela cidade” e que, logo que os navios estivessem prontos
      para o regresso, o enviasse de volta para o Reino, este ter-lhe-á re-
      torquido que nada faria nesse sentido pois a ida da missão havia sido
      autorizada pela Coroa, conforme constava aliás do respectivo passa-
      porte, o qual, diga-se em abono da verdade, somente identificava o
      personagem pelo nome que havia adoptado (José de Jesus Maria).
      Acrescentava ainda o superior que só tomaria qualquer acção em
      conformidade com a decisão que fosse transmitida pela Coroa, o que
      iria demorar vários meses.
       Na carta atrás referida, datada de Agosto de 1735, o Governador,
      queixando-se da desobediência do superior da missão e da sua falta
      de respeito, expunha a situação manifestando o temor de que o in-
      divíduo em causa ser um espião dos franceses, indivíduo esse que já
      havia sido preso há 12 anos atrás por contrabando.
       O Conselho Ultramarino, a quem a carta do Governador fora en-
      viada para parecer, propunha que o tal frei José de Jesus Maria fosse
      enviado para o Reino no primeiro navio.
       Não foi possível conhecer qual o desfecho do caso, não sendo por isso
      possível conhecer se o cargo que o tal monsieur Rochet iria exercer na
      missão, o de cozinheiro, mais não seria de um expediente ou, se pelo
      contrário, se tratava de um acto de verdadeira humildade religiosa.

      Fonte: AHU doc. 1636 Pará

      N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico.


                                                 Cdmt E. Gomes
          30  FEVEREIRO 2022
   25   26   27   28   29   30   31   32   33   34   35