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REVISTA DA ARMADA | 573
SAÚDE PARA TODOS 96
RESISTÊNCIAS AOS ANTIBIÓTICOS
A descoberta dos antibióticos e a sua utilização no tratamento das infeções bacterianas representou um dos mais importantes avanços
da Medicina no século XX. Contudo, as próprias bactérias têm conseguido adquirir resistência aos antibióticos. A Organização Mundial
de Saúde já reconheceu a emergência e a propagação da resistência aos antibióticos como um problema grave a nível mundial que
afeta todos. E a solução está igualmente nas mãos de todos. O Grupo de Controlo de Infeções na Marinha (GCIM), criado pelo Despa-
cho do Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada, n.º 10/21, de 10 de fevereiro, está atento a esta problemática e reconhece que
existem várias lições a ter em conta. Nesse sentido, este mês contamos com a colaboração do CTEN MN Santos Henriques, membro do
GCIM, para nos explicar porque é que, além do uso criterioso dos antibióticos, prevenir é mesmo o melhor remédio.
AP – Começando pelo básico, o que é um antibiótico? e comportamentos relativos ao uso de antibióticos na Marinha.
SH – Um antibiótico é uma substância química, natural ou Este estudo foi, entretanto, apresentado no Congresso Internacional
sintética, que tem a capacidade de impedir a multiplicação de de Controlo de Infeção 2022 que se realizou no final de março de
bactérias ou de as destruir. O primeiro antibiótico – a penicilina – 2022. O estudo abrangeu 575 inquiridos e consistiu em avaliar o
foi descoberto pelo Dr. Fleming, em 1928, ao verificar inibição de grau de concordância para 22 afirmações. As duas afirmações em
uma cultura bacteriana de Staphylococcus pela ação de um fungo, que os participantes mais erraram na sua resposta mostram-se na
posteriormente identificado como sendo do género Penicillium. tabela seguinte:
Gostaria de salientar que os antibióticos são totalmente ineficazes
contra os vírus, logo, nos casos de gripe (causada por vírus) não se Discordo Discordo Não Concordo Concordo
discordo,
deve tomar qualquer antibiótico – lição número um. total- parcial- nem parcial- total-
mente mente mente mente
concordo
AP – E como é que as bactérias conseguem adquirir resistências “Se não tomar o
aos antibióticos? antibiótico todo
SH – Em boa verdade, muitas vezes as bactérias resistentes até já a resistência da 23,8% 8,2% 19,0% 16,9% 32,2%
bactéria pode
existem na natureza, mesmo antes de se utilizarem antibióticos. aumentar.”
Mas é o emprego intensivo dos antibióticos que favorece “Tomar um
a seleção das estirpes resistentes (sobreviventes) em detrimento antibiótico quando
das estripes sensíveis (que vão sendo eliminadas). Daqui resulta não é necessário 22,6% 1,2% 8,7% 7,1% 60,3%
a lição número dois – apenas se deve tomar antibiótico em pode aumentar
caso comprovado de infeção bacteriana e mediante prescrição a resistência da
bactéria.”
médica. Por outro lado, também é possível as bactérias
adquirirem resistência aos antibióticos através da modificação do Os resultados apresentados indicam haver oportunidades de
seu genoma (seja por mutação espontânea, seja por incorporação melhoria na literacia sobre antibióticos dos participantes.
de genes provenientes de outros microrganismos) passando essa
característica à sua descendência. AP – Mas, porventura, o melhor seria até nem ser necessário
utilizar os antibióticos?
AP – A utilização indevida de antibióticos favorece, portanto, SH – Ora aí está a lição número três! Devemos todos estar
a propagação de bactérias resistentes. Em Portugal ainda se comprometidos com a prevenção das infeções bacterianas.
consomem muitos antibióticos? Sabe-se que, ao reduzir as infeções, reduz-se também a prescrição
SH – Os últimos dados públicos indicam uma evolução favorável e o consumo de antibióticos e a consequente emergência de
nos anos marcados pela pandemia: redução de 23% no consumo resistências a estes medicamentos.
de antibióticos na comunidade (compra em farmácias) de 2019
para 2020, e redução de 4,5% de 2020 para 2021, conseguindo- AP – E como podemos ajudar?
-se que o consumo global deste tipo de fármacos ficasse abaixo SH – Começando pelo mais simples e básico, agora ainda mais
da média europeia (consumo de 13,7 DDD (dose definida diária) em voga à conta da pandemia: higiene das mãos! A literatura
por mil habitantes em Portugal face à média europeia de 15,0 científica comprova de forma irrefutável que a higiene adequada
DDD por mil habitantes). e frequente das mãos é a ação mais eficaz para impedir a
propagação da infeção. Previne até metade das infeções evitáveis
AP – A prevalência de resistências bacterianas também teve que ocorrem durante a prestação de cuidados de saúde e previne
uma evolução favorável? as infeções transmissíveis na comunidade. O contributo deve ser
SH – Sim, após a implementação do Programa de Prevenção individual, mas também organizacional: investir na higiene das
e Controlo de Infeções e a Resistências a Antimicrobianos pela mãos produz grandes retornos e ganhos em saúde na medida
Direção-Geral da Saúde em 2013, tem havido uma redução da em que a implementação de políticas de higiene das mãos pode
resistência aos antibióticos na maioria das bactérias, por vezes gerar uma poupança económica em média 16x superior ao custo
com valores expressivos (ex.: redução de 70% para 15% da da sua implementação. Nesse sentido o GCIM associa-se às
Acinetobacter na resistência aos carbapenemes). comemorações do Dia Mundial da Higiene das Mãos, promovido
anualmente pela Organização Mundial da Saúde, no dia 5 de
AP – Considera que a população da Marinha está sensibilizada maio, com o desenvolvimento de algumas iniciativas na Marinha.
para esta problemática? Estejam atentos e participem!
SH – O GCIM por ocasião das últimas comemorações do Dia
Europeu do Antibiótico – 18 de novembro, dinamizou um Ana Cristina Pratas
estudo com o objetivo de descrever os conhecimentos, atitudes CTEN MN
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