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REVISTA DA ARMADA | 576

          ESTÓRIAS                                                                                          82



          OS ÚLTIMOS NATAIS DA GUERRA


          I – GUINÉ 1972


























         Autor: 2TEN TSN-ARQ Paulo Guedes












            io Cacheu. Manhã da véspera de Natal de 1972. A mensagem   Dirigi-me então ao seu encontro, perto do helicóptero em que
         Racabada de chegar informava que SEXA o Ministro da Marinha   tinha chegado, e de uma forma bastante simpática como era o seu
          iria  visitar  o  Destacamento  de  Fuzileiros  sedeado  na  base  de   costume, o senhor ministro disse-me que teria muito gosto em ir
          Ganturé.  Informei  o  oficial  imediato  e  disse-lhe  que  queria o   ao meu navio, mas como estava atrasado não o podia fazer, pelo
          pessoal  devidamente  uniformizado  porque  vinha  aí  o  senhor   que me pedia para transmitir à minha guarnição os seus votos de
          ministro e devia querer vir também ao nosso navio.  bom Natal. De seguida virou-se para o oficial que o acompanhava
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           O navio  era o NRP Orion, uma LFG  que tinha como missão   como  seu  ajudante-de-campo  e  perguntou-lhe  se  ainda  tinha
          efetuar o patrulhamento  do  troço  do  rio  Cacheu  entre a base   algum dinheiro na pasta que aquele transportava. Perante a sua
          dos fuzileiros de Ganturé e Binta, onde estava aquartelada uma   resposta afirmativa, disse-lhe: Então dê aí cem escudos ao senhor
          companhia  do  Exército.  Era  a  zona  utilizada  pelo  inimigo  para   comandante para ele pagar umas cervejas à sua guarnição.
          fazer as cambanças, nome dado às travessias dos rios, de pessoal   Aceitei  educadamente  a  nota  de  cem  escudos,  regressei  ao
          e material para o seu santuário na impenetrável mata do Morés,   navio, mandei formar a guarnição e disse-lhes: O senhor ministro
          a sul do Cacheu, pois era ali a distância mais curta para as bases   gostava muito de vir ao nosso navio, mas foi-lhe completamente
          que possuíam junto à fronteira com o Senegal.       impossível.  Pediu-me  para  vos  desejar  um  bom  Natal  e  que
           Aquela missão atribuída às LFG’s era inglória porque naquele   podem ir à cantina beber umas cervejas, que ele paga.
          troço o rio era bastante estreito, as cambanças eram realizadas de   As  cervejas  custavam  na  altura  cerca  de  cinco  escudos  cada
          noite e o ruído dos motores ou apenas dos geradores, que tinham   uma e a guarnição tinha aproximadamente trinta elementos. O
          de estar sempre em funcionamento, denunciava a aproximação   restante foi pago por alguém…
          dos navios com bastante antecedência. Por outro lado, as clareiras
          da  margem  sul,  território  dominado  pelo  inimigo,  constituíam
          locais  privilegiados  para  emboscadas  ou  simples  flagelamento                         Luís Pereira Vale
          das unidades navais ou dos botes dos fuzileiros, o que ocorria                                 CALM REF
          com bastante frequência.
           Sabia-se que o senhor ministro iria chegar por volta do meio-  N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico.
          dia e efetivamente a essa hora o helicóptero que o transportava
          aterrou no improvisado campo de futebol situado a cerca de 100
          metros do local onde o navio estava atracado, levantando uma   Notas
          enorme nuvem de poeira. Mantive-me a bordo aguardando o que   1   Único navio que ali se encontrava em missão.
          se seguiria e passado algum tempo veio um fuzileiro em passo de   2   Acrónimo para Lancha de Fiscalização Grande.
          corrida dizer-me que o senhor ministro queria falar comigo.


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