Page 80 - Revista da Armada
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                                               O AMOR





                               DO  MARINHEI~O





                             PELO  SEU  NAVIO






              \..                                                                                            ~




           Há cerca de 22 anos largou do Tejo para uma comis-   «De  longe  tenho  acompanhado  pelas  notícias  dos
           são  no  Extremo  Oriente  o  aviso  «João  de  Lisboa».   jornais vários acontecimentos ligados a esse passa-
           O  Comandante de  então  recebeu  do grumete  mais   do - desde o regresso do navio à sua recente venda.
           novo da guarnição do navio a carta que a seguir se   Meus fi lhos,  três  rapazes  de 11,  10 e 3 anos,  ainda
           transcreve  na  íntegra,  não  eliminando  pormenores   não  percebem  porque  a  simples  notícia  da  venda
           de  natureza  pessoal  para  não  quebrar  o  ritmo  de   de  um  navio  pode  fazer  chorar  o  pai.  Mas  outras
           que vem  animada, na sua forma tão simples e emo-    dores já vivemos,  desde a  perda do  Sr.  Engenheiro
           cionante:                                            ao  incêndio do Instituto que o Sr.  Comandante aca-
                                                                bava  de  deixar.  São  acontecimentos  dum  mundo
                                        «18 de Agosto de 1970   só meu, em que eles não entraram~ .
                                                                «Ao  mesmo tempo que me  recomendo  à  esposa  de
                                                                V.  Exa.,  que  tão  carinhosamente  me  foi  visitar  ao
            «Exmo.SenhorCom~ndante:
                                                                Hospital da Marinha após o  meu  regresso,  permito-
            «Com  os  mais  respeitosos  cumprimentos  venho  à
                                                                -me pedir que se nalgum passeio vierem  para os  la-
            presença  de  V.  Exa.,  aproveitando  um  interregno
                                                                dos do Cartaxo eu  seria muito feliz e honrado rece-
            por motivo de férias nas minhas ocupações profissio-
                                                                bendo  em  minha  casa  a  v:)ssa  visita,  pois  habito
            nais, satisfazendo uma dívida moral e uma saudade,
                                                                numa aldeia a 15  minutos de  carro  da Vila do  Car-
           que  só  os  marinheiros  poderão  explicar,  saudade
                                                                taxo.
            esta que vem datando de 1949,
                                                                «Trabalho  também  relativamente  próximo  numa
            «Sem  pretender ofender a memória de V.  Exa.  peço
                                                                fábrica  de  molas como chefe do serviço de abaste-
            licença  para  recordar  quem  sou,  pois  que  tantos
                                                                cimentos  . .
            e tantos  marinheiros o  meu  Comandante  conheceu
                                                                 «Subscrevo-me com os  maiores votos de muita saú-
            não poderá tê-los a todos de  lembrança.  Era o gru-
                                                                de e felicidades para V.  Exas.
            mete  mais  novo  do  «João  de  Lisboa»,  na  viagem
            que teve início em Março de 1949, e que em Outubro
                                                                                               ({ Respeitosamente
            do fllesmo ano regressei a Lisboa, doente.
                                                                                                    M. Gonçalves.»
            « Em  1953, já tratado, tive· o prazer de trabalhar com
           o  tão  estimado  e  inteligente  irmão de V.  ,Exa.  este
            já  pela  lei  da vida uma eterna saudade  - na cons-
            trução  da Refinaria Sacor,  onde os  seus  invulgares   «Meus filhos ...  ainda não perceberam porque a sim-
            dotes de engenheiro marcaram a realização de trans-  ples  notícia da venda de  um  navio  pode fazer  cho-
            portes  e  montagens  à  data  ímpares  em  Portugal.   rar o pai.»
            «Fiquei  assim  ligado  nestas  facetas  da  minha vida
            ao  nome da ilustre e boa família de V.  Exa. pelo que   Esta  frase -também  fez  chegar  aos  olhos  do  hoje
            espero  seja  compreendido  nas  minhas  razões  de   já  velho  e  encanecido  Comandante  de  então  uma
            coração que me  levaram  a pegar na pena e assina-   lágrima saudosa.
            lar uma presença amiga um respeitoso cumprimento     É  assim  que  os  marinheiros  amam  o  seu  navio.
            do miúdo que o  Sr.  Comandante  levou  ao  Extremo-
           -Oriente.                                                                                      R.  Rosa

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