Page 232 - Revista da Armada
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os Descobrimentos Portugueses. Porém, com todos eles dicarmo-nos às nossas próprias coisas, serão os estran-
desaparecidos, a Marinha encontra-se actualmente num geiros que o irão fazer no seu interesse. Actualmente, só
profundo vazio que interessa denunciar, na esperança conhecemos uma excepção. Referimo-nos a Kenneth
de que alguns dos seus elementos possam vir a dedicar- Gordon Mclntyre que prova no seu livro The Secret Dis-
-se aos estudos desta apaixonante problemática, rece- covery of Austrá/ia('), que foram os portugueses os pri-
bendo assim o "testemunho» que aqueles outros não meiros a chegar àquele longínquo quinto continente.
conseguiram entregar. E, antes de terminar, não queremos deixar de men-
Utilize-se a vocação, como aconteceu com Teixeira cionar a louvável iniciativa que a Academia de Marinha I
da Mota que, tendo escolhido para tema da sua memória está a promover, no sentido de constituir prémios em ho-
de guarda-marinha a viagem de Fernão de Magalhães, menagem a Sarmento Rodrigues e Teixeirada Mota, aos
teve o privilégio de a ver distinguida com uma longa e elo- quais devemos, respectivamente, o Centro de Estudos
giosa apreciação de Gago Coutinho('). Ou, então, estu- de Marinha e aquela Academia, e que, acima de tudo, fo-
de-se o tema dos Descobrimentos como um «hobby», ram prestigiosos académicos. Estamos certos de que
para que um dia, ao soar o inexorável toque.da "reser- estes prémios, destinados a galardoar todos aqueles
va», se possa continuar a fazer um trabalho útil para a que se distingam na produção de estudos sobre a temáti-
Marinha e para o País. De facto, sem querer tirar o ex- ca das Descobertas, constituem uma medida extrema-
traordinário mérito a tantos historiadores que nos deixa- mente importante e oportuna, à parte representarem um
ram tão importantes obras, parece-nos que ninguém po- estímulo para os inves1igadores e o público reconheci-
derá aperceber-se profundamente dos problemas que mento das suas obras.
se passaram no mar, há meio milénio, sem ter com ele
um longo contacto e um permanente diálogo. A. Estácio dos Reis,
Na realidade, se não formos nós, portugueses, a de- cap.·m.-g.
(') Ediçáoda Souvenir Press. Lda .. Austrália. 1977. Mclntyre, anti-
(') A n;'emória, apresentada em 19·13. tem o titulo «O Regimento go profesS(Jr da Universidade de Melbourne, lá foidlslmguido pelO Go-
da Altura Leste-Oeste de Rui FalmfO - Subsídios para o Estudo Náuti- verno português com a comenda da Ordem do Infante D. Henrique.
co e Geográfico da Viagem de Fernão de Magalfláes~ e vai em breve E membro da Sociedade de Geografia de Lisboa e da Academia de
ser editada pela Marinha. I Marinha.
A TRAVESSIA DE ÁFRICA POR CAPELO E IVENS
No rescaldo dum centenário,
a rectificação de uma data
Completaram-se recentemente 100 anos sobre a dar-se o dia 24 de Junho (sempre de 1885) como o da
data da triunfante conclusão da travessia de África entrada no rio Cuácuá. Diz textualmente o referido li-
pelos comandantes Hermenegildo Capelo e Roberto vro, a três parágrafos do fim·
Ivens, dois marinheiros que no ultimo quartel do sé-
Demorámo-nos apenas o tempo necessário para
culo passado tão brilhantemente acrescentaram o
arranjar embarcações. entramos a 24 de Junho no rio
palmarés de realizações com que a Marinha incessan-
Cuácuá, e a 26, pejas quatro horas da tarde, apôs uma
temente tem enriquecido a história pátria. Da tor-
navegação por lameiros, avistámos Ouelimane, as-
mentosa viagem de 14 meses, verdadeira escalada de sente na margem esquerda, e numerosas embarca-
sacrifícios, sofrimentos e perigos, e sobretudo de an-
ções fundeadas.
gustiados receios de não conseguir termina-la, de-
Ninguém nos reconhecera ao desembarcar, pois,
ram-nos os dois exploradores conta na obra em dois
tisnados do sol, com os fatos enxovalhados e rotos, a
volumes lIDe Angola à Contra-Costa>', que só não é longa barba, e uns farrapos brancos enrolados à cabe-
um autêntico livro de aventuras, devido ao rigor cien-
ça, mais pareciamos mouros de Zanzwar, que compa-
tifico com que foi cumprida a missão proposta.
triotasdaqueles quelá residiam.
Terminadas as comemorações que, durante al-
Augusto de Castilho, o governador-geral da pro-
guns meses, trouxeram à recordação dos portugue-
vincia, achava-se casualmente ali, de volta de uma
ses o brilhante feito dos seus compatriotas, e ao pas-
das suas primeiras excursões ao delta do rio, e rece-
sar a ultima folha do relato da portentosa viagem no
bendo-nos de braços abertos, saudou-nos em nome
livro por eles publicado, depara-se-nos a data de 26
do pais.
de Junho como a da chegada dos dois heróis a Queli-
mane. Curiosamente, esta data está manifestamente Desprezando conjecturas aleatórias acerca dos
errada, e não se trata de simples gralha de composi- motivos que teriam provocado este intrigante desvio
ção, pois o erro é reiterado imediatamente antes, ao da verdade histórica, atentemos antes nas razões
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