Page 235 - Revista da Armada
P. 235

vida por um catre estreito e pobre. A  não muito longe, Leão XIII, no centro  jardineiros,  espalhados  por  aqui  e
            um canto erguia-se um lavatório de  de um grupo  numeroso, discutia vi-  por ali, cuidavam das flores e da lim-
            ferro,  sem espelho. tendo ao  lado o   vamente as encíclicas sociais, à luz   peza das aleias que se entrecruza-
            respectivo jarro de água, enodoado,  da experiência terrena das sucessi-  vamo
            aqui e ali, pela ferrugem dos séculos.   vas épocas em que cada um deles ti-  Duas  ou  três  vezes,  um  Rolls-
            Uma cadeira de pau, meio descon-   nha apostolado.                   -Royce escuro, sâira e entrara pela
            juntada, encostava-se, frágil, à pare-  Perto do convento, do outro lado   porta  principal, mas  tão  rápido que
            de do fundo. E só um Cristo de ma-  da estr.ada. erguia-se um palácio ma-  não descortinara quem nele seguia.
            deira  clara,  pregado  numa  cruz,  jestoso, envolvido por um jardim cui-  Reparou que, dos outros compa-
            branquejando  sobre  o  fundo  negro   dado, de frondosas árvores e cantei-  n'heiros,  indiferentes, nenhum  dava
            da  parede,  quebrava,  de  algum   ros policromos.                  sinais  exteriores  de  querer  saber
            modo, a solidão daquela cela.         O  Papa.  surpreso,  alongou  o  quem  seria  o  vizinho  cuja  riqueza
               O Papa sentiu a alma confranger-  olhar até lá, ainda na curiosidade hu-  contrastava tão abissalmente com a
            -se-lhe, mesmo liberto, como estava,   mana de saber quem o habitaria. Via   simplicidade  conventual  do  seu  vi-
            do  invólucro  humano, sempre  mais  que criados. pressurosos, entravam  ver.
            exigente das comodidades terrenas.  e  saiam  das  dependências, e  que   Na  noite seguinte, quando já te-
            Só há pouco deixara os esplendores
            do  Vaticano,  com  o  seu  mobiliário
            sumptuoso. as  tapeçarias  ricas, os
            lustres  deslumbrantes.  E  aquela
            transição.  tão  repentina,  chocava-o
            profundamente.
               Despiu-se  lentamente.  Arrumou
            devagar. com método, as vestes que
            trouxera, na pobre cadeira de pau. E.
            antes de ir experimentar a incomodi-
            dade  do  catre,  que  o  aguardava,
            ajoelhou  nas  lajes  duras  da  cela,
            para orar a Deus, que. agora, ali  no
            Céu. sentia mais perto do que nunca.
               Adormeceu  rápido  -  sono  bre-
            ve, afinal, porque  interrompido pelo
            sino do convento, logo pela manhãzi-
            nha.
               Feitas as abluções matinais, en-
            caminhou-se para o refeitório. onde
            uma pequena multidão de Papas to-
            mavajá. em silêncio, um pequeno al-
            moço frugal.
               Dali  foram  para  a  igreja  anexa.
            onde  Pedro,  entre  coros  de  anjos,
            presidiu ao oficio divino.
               Depois. todos se espalharam ao
            longo do parque que envolvia o mos-
            teiro.
               Devagar, ainda não relacionado,
            solitário, caminhou  largo  tempo, no
            contacto curioso com o que O espe-
            rava  pela  eternidade  fora.  Nâo  en·
            contrara, ainda. os dois ou  três  Pa-
            pas que o tinham antecedido e que
            conhecia. Reconheceu, no  entanto,
            na  recordação presente de  pinturas
            do Vaticano, os Papas Júlio, Clemen-
            te e os dois Paulos, contemporâneos
            de Miguel Ângelo, relembrando jun-
            tos,  numa  evocação  saudosa,  as
            obras primas do artista. Mais adian-
            te, num banco de pedra, sozinho, en-
            simesmado, Gregório  revia  mental-
            mente a ideia de um novo calendário   Em fim do almoço relactOnadocom actiVidades da ~ Rfmsta da Armada .. o aulor leu esle
                                                 contO para OS Circunstantes: presente. O fafJIs de Sousa Machado flKOU-o aSSim
            definitivo, na  certeza amarga de ja-
            mais o poder pôr em vigor. E ao lado.

                                                                                                              17
   230   231   232   233   234   235   236   237   238   239   240