Page 231 - Revista da Armada
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Aos jovens Marinheiros
de Portugal
Todas nôs sabemos como se encontram vulneráveis comércio e, também, dos outros que conseguiram aper-
os objectos que constituem o património histôrico e cultu- ceber-se do regime dos ventos, que permitiu efectuar
ral de um país. De facto, além de poderem ser um dia da- viagens, de facto mais longas, no que respeita ao cami-
nificados, parcial ou mesmo lotalmente, pelo fogo, van- nho p~rcorrido, mas mais curtas em tempo e mais segu-
dalismo ou incúria dos homens, as peças de valor ainda ras e cómodas para o pessoal embarcado. Também na
estão sujeitas à cobiça daqueles que pensam que, rou- arte náutica ficámos a dever aos cosmógrafos, matemá-
bando-as podem conseguir fácil e rápida fortuna. ticos, cartógrafos e pilotos, os métodos simples de nave·
Para fazer face a estas agressões, os museus prote- gação que podiam ser utilizados a bordo e a adaptação
gem-se como podem, usando pessoal qualificado e sis- do astrolábio planisférico em astrolábio náutico que foi,
lemas sofisticados de alarme contra incêndio e contra sem qualquer dúvida, o instrumento mais importante
roubo além de outras medidas preventivas. São riscos para, na época, se calcular a altura dos astros e com ela
calculados, que têm que ser meticulosamente pondera- se determinar o ponto do navio. Não queremos ser
dos, por quem lem de colocar em dois praIas da balança, exaustivos, mas não se pode deixar passar em claro o
de um lado as vantagens que há em divulgar uma deter· extraordinário monumento que é a cartografia portugue-
minada obra de arte ou um documento valioso e, no ou- sa que, apesar de constituir um valor inestimável, é ape-
tro, o interesse que eles despertam quando se encon- nas um modesto exemplo do que teria sido a produção
tram atraentemente iluminados na vitrina de um museu. de cartas náuticas que foram sendo desenhadas ao lon-
Há, porém, um outro património também histórico e go dos tempos, com a perícia e arte dos nossos cartógra-
cultural, que não é constituído por objectos, mas que re- fos e os elementos que lhes iam sendo trazidos pelos
presentando a memória do povo e da nação não pode pilotos.
igualmente ser esquecida ou alienado. Infelizmente, Com estas valiosas inovações tecnológicas e com
quanto a este, não há engenho nem tecnologia que o enormes doses de audácia e de aventura, os portugue-
consiga proteger. Referimo-nos ao mundo das ideias e ses cruzaram os mares, assinalando as terras descober-
à luta constante que é indispensável travar para que os tas com padrões que outros, que nos seguiram, foram
feitos e os factos, sejam a todo o !ranse preservados sistemática e propositadamente destruindo.
como glória do passado e respeito pelos que foram seus O rol das descobertas portuguesas é infindável e, na
responsáveis e, até por vezes, sacrificaram generosa· quase totalidade, bem conhecido e incontroverso. No en-
mente as suas vidas. tanto, é absolutamente necessário estar atento e não
É curioso notar que, se este património não se encon- nos deixarmos atrasar nos indispensáveis estudos de
tra em perigo de incêndio, de abalo de terra ou de qual- actualização com base nos elementos que vão surgindo,
quer outra catástrofe semelhante, à parte uma passivei devido ao aparecimento de novos documentos, ou ain-
perda de documentação comprovativa, o mesmo não se da, em virtude da exploração arqueológica do fundo dos
pode dizer do risco que permanentemente se corre por mares que, neste fim do século, está a atingir um desen-
convir a um outro pais, para não falar de alguém do pró- volvimentoespectacular.
prio pais, chamar a si os louros de uma façanha que ja- O interesse que actualmente se verifica noutros paí-
mais cometeu. O mundo está cheio destes exemplos e ses pelo nosso período das Descobertas, talvez o maior
basta reflectir um pouco sobre a história da humanidade dos contributos da XVII Exposição Europeia que há dOIS
para facilmente os encontrar. Nada faz parar aqueles anos se realizou em Portugal, é um aviso claro e oportu-
que põem acima de tudo um exacerbado interesse políti- no para nos mantermos prontos e enfrentar a defesa das
co, as vantagens financeiras ou, simplesmente, asua im- nossas posições face às novas hipóteses e teorias que,
parável e desmedida vaidade. certamente, irão surgir. Assim, não nos admiremos se
Tudo Isto vem a propósito para chamar a atenção do amanhã aparecer a nolicia de não ter SIdo Pedro Álvares
IMor para um período da nossa história que, como ne- Cabral a chegar pela primeira vez às terras de Santa
nhum outro, teve as mais extraordinárias consequências Cruz, ou que um nome, agora desconhecido, se tenha
e gUindou o nosso pais a um nivel que nunca antes, nem antecipado a Bartolomeu Dias, na mais extraordinana fa-
depoIS, foi alcançado. Referimo-nos, evidentemente, çanha da história da naveQação, que foi, precisamente.
aos Descobrimentos, em que os portugueses atingiram a abertura do caminho marítimo para a [ndia.
um notável grau de conhecimentos que lhes permitiu Tem sido tradição na Marinha o estudo e a defesa
realizar longas viagens, enfrentando constantemente o deste importante património hIstórico. Hennque Lopes
permanente risco do desconhecido. Não podemos dei- de Mendonça, Quirino da Fonseca, Gago Coutinho. Fon-
xar de recordar o esplendoroso trabalho de lodos aque- loura da Costa, Teixeira da Mota. são nomes bem conhe-
les que desenvolveram a construção naval, produzindo cidos que nos deixaram Importantes trabalhos que ainda
navios adequados à Descoberta e às longas viagens de hOJe constituem o que de malar valia se escreveu sobre
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