Page 234 - Revista da Armada
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HISTÓRIAS DE MARINHEIROS
73-Razão de peso
Aqui hâ uns quantos anos, uma Acredite-se que, ao contá-Ia, os não punham quaisquer limites geo-
história correu célere pelas câma- camaradas italianos não pensassem gráficos à generalização universal
ras de oficiais dos navios de guerra em alargar o êonceito malévolo, que da conclusâo final a que chegavam.
italianos, logo apôs a morte do Papa ela encerrava, para além das suas Na dúvida, deixo ao leitor atento
que, na altura, presidia aos destinos próprias fronteiras nacionais. O certo a responsabilidade de concluir, por
da cristandade. é que, lal como narravam o evento si, se a moral da história deverá ser
extensiva, ou não, à Marinha deste
país ...
Pois contava-se , então, que
quando a morte chegou ao Vaticano,
logo a alma do Pontifice voou rápida
ao Céu, sem hesitações. Uma vida
santa, isenta de pecado, jamais es-
curecida por maus pensamentos,
palavras e obras, garantira ao extinto
um acesso directo à bem-aventuran-
ça, sem passagem pelos fogos bran-
dos do purgatôrio regenerador.
A morte ocorrera de madrugada,
e o Papa, ao bater à porta celestial,
fizera-o mansamente, no cuidado de
não perturbar, com ruidos fortes, o
sossego das almas eleitas, decerto
descansando àquelas horas mortas.
Sê passados uns largos minutos
a porta rangeu nos gonzos enferruja-
dos por falta de uso - tão raros são
os que ascendem, nestes nossos
tempos, à paz divina do Senhor.
S. Pedro, um tanto sonolento,
deu o abraço fraterno de boas vindas
ao sucessor dessa cadeira que tam-
bém ocupara tantos séculso atrás. E
logo. na pressa de ir retomar o sono
interrompido. rodou, rápiçio, nas san-
dálias gastas, tomando a dianteira
para indicar o alojamento que desti-
nara ao recém·vindo.
Pouco tempo caminharam, pois
bem perto erguia-se uma longa
construção, toda caiada de fresco, a
alvejar nos reflexos do manso luar
que fazia naquela noite.
Uma vez dentro do edificio, que
mais não era, afinal, de que um grano
de convento a albergar os Papas su-
cessivos que tinham passado pela
Terra, depressa chegaram à cela nu-
merada destinada ao novo locatário.
Uma breve saudação de Pedro,
em despedida, e o Papa pôde, à luz
débil de uma candeia de azeite, con-
siderar, lentamente, a modéstia da
sua nova morada. Eram quatro pare-
des frias de pedra, a enquadrar um
espaço escasso, quase lodo absor-
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