Page 297 - Revista da Armada
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deveria seguir viagem. Escolheram, para choram-se num aperto tão violento que os Eslado: se não mos/ra préstimo poro algu-
o efei/o, apds longas indecis&s, o brigue ossos de ambos rangeram como se fossem ma coisa ponho-ao meia ração.
.,Pedro. Nunes", regressado de um cmui- submelidos à acção trituradora de um lar· - Não é peixe que se fique quedo na
ro na Africa Ocidttn/al e que para Id vaI/a- no mecânico. água.
vo den/ro em pouco. - Com cem cardumes de .fardinhas! - Oxa16 "ão te queime as barbas ...
Esse airoso vaso de guerra esculpiu Parecia-me que os dedos tinham ficado - Ele pord as suas de molho, só ime-
nos anais da armada traços impereclveis entafados no recuo de uma caronada mal diato.
do denodo e da compelência das suas COII' peada! - exclamou o contramestre. - Antes isso do que eu ter de malldar
seculivas guarnições. Navegaram a seu - É a primeira vez que em lugar de pôr de molho algum macarrão da fndia
baNia nwrinfleiros como o mais lorde almi· uma palma calosa encontro uma torquês para o consolar ...
rante Baptista de Andrade, Craveiro Lo· deferro-confessouJosédo Telhado. Breve as barras do cabrestanle emra·
pes, conde de Paço de Arcos, infante D. Na manhã seguinte uma escolta de ma- ram nas aberturas respeclivas do chapéu e
Luis, depois rei, Celestino Soares, uma in· rinheiros conduziu para bordo do .,Pedro a amarra começou o enrolar-se na saia. O
finidade de peritos oficiais de catavemo. Nunes,. o antigo qlladrilheiro. Apresema- ., Pedro Nunes» levanlou ferro e, com as
Nas viagens da costa de Africa em puse· do na ponte ao imedia/o do navio, que vi- velas pandas, baleadas por uma favorável
guição dos negreiros, nas refregas com os giava a baldeação, este ordenou: e fresco brisa de uSle, no rasio alvinitente
indlgenas, na caça dos pira/as do mar da - Ponham-lhe ferros aos pis e pren- de um mamo de arminhos roçagando as
China, nas monomocaias de Moçambique dam-no a um pé de carneiro. águas remançosas, singrou direito à barra
ou nos tufMs emre Cantão e Xangai cum· Um cabo levou José do Telhado para com a majestade de uma rainha afastando·
prira sempre o seu dever de barco obedien· o porão do navio, enfio!l-Ihe as duas ani· -se impollellte lia IrOIlO. Braceou o palio e
te ao leme, de bom pé no aguemar do ven· lhas nos tornozelos, de " • .Ido a deixar en- oriental! o leme pelo rumo do Norte de
to, bolinando como uma gaivota, mais ve· tre as duas pernas um pilar, supor/e da co° Africa. Determinavam as suas instruç&s
leiro do que um ia/e de regatas, de costado berta superior. Nesta posição não podia que antes de vibrar os derradeiros golpes
duro a qualquer choque de fraguedo 011 arredar-se dali e sósentar·seou deitar-se. no infame tráfico do escravatura nas re·
bala. A sua mastreação inclinava·se garri- Quando se uilimavam os derradeiros gi6es intertropicais, mostrasse a bal/deira
damenle d ré, a desafiar a brisa que lhe en· aprestos poro o barco levamar ferro, o aos ninhos de piratas que marginam o
fU/lasse as velas. Quando largava todo o .,Fateixa» acercou-se do imediato e disse- Atldmico no cairel do impirio de M(lrro·
seu pano, assemelhava-se ao nevadissimo -lhe: CDS. Quebrado a audácia dos mouros dr
albalroz, das revoadas que adejam a mui- - Sô imediaro, queria pedir-lhe umfa- trora, ousados até irem alocar as po
las milhas 00 largo do cabo da Boa Espe· vor. çÕts ribeirinhas do Algarve, aproveitavam
rança. - Que queres, .,Fateixa,.? -inquire o agora as aparoU/idades de, quando os pes-
No perlodo em que José do Telhado oficial com voz dspera, por mais branda cadores portugueses e espanhóis se acerca-
esteve no pomdo encon/rou um contra- quea quisesse tornar. vam do litoral marroquino, os acometer,
mestre de manobra que ali esperava em- - Que V. S.· desse ordem para sol/ar roubar e com frequlncia ferir e matar.
barque, rude de aspecto, mas bondoso de o José do Telhado do pi de carneiro e que - Se não fosse termos de andar o fazer
fundo, de nome Bento Machado, mais co- lhe fosse permitido vir d proa respirar um de mexeriqueira, metendo o bedelho em
nhecido pelo .,Fateixa,., alcunha adquiri- pouco de arlivre. todo a parte, afigura-se-me que far(amos
da pelas suas mãos de ferro. Onde dei/asse -Sabes o que pedes, .Fateixa»? uma viagem excepcional - comentou o
as unhas preava com mais pega do que um - Sei, sim, só imediato; felizmeme, imediato para ocomandante.
arpéu de abordaxem 011 11m craque de ainda conservo de cabeço rodo o código de -As instruções são claras; como o brio
atracação. Natural da Póvoa de Varzim, sinais. O homem assim, ao lado do poiol gue é veleiro e demando pouco dgua que·
conhecendo a vida do an/igo bandoleiro, do bolacha e dos mantimentos, morre an- rem que ele ande a fazer visitas por essa
e tendo recebido um grande favor dele, tes do carneirada (disenteria) de Angola costa abaixo cómo as damas que não sa'
afeiçoara·se·lhe na desgraça a que o vira dar cabo dele. bem em que entreter o tempo - responde
reduzido. Ins/ruído pelas viagens qlle fiu· -Interessas-te pareie, "Faleixa,.? o capitão'lenente, que ludo ali mandava
ra, possuia alguns livros. De boa votl/ade - Conheço·o há muitos anos e pres- abaixo de Deus.
os emprestara ao degredado. ESle, natu- tou-me um serviço que não se esquece, e
ralmente inteligente, assimilava com extre- quando ... eu menos o esperava ... .'.
ma facilidade quanto lia. - É um grande criminoso.
- Vamos passar hoje ou amanhã para - Mas com tall/a alma que até merecia
bordo do brigue . Pedro Nunes,. - partici- ser marinheiro. - O imediato cumpriu a suo palavra;
pou o .,Fa/eixa,.. - E seele se deita ao maroufoge? acaba de me autorizar a tingd-lo e o içd-Io
- Vossemecê também vai? - in/erro- - A minha palavra fica de refém à sua 14 para cimo - declara o contramestre
gou José do Telhado. condU/a. ., Fateixa,. ao José do Telhado apenas o ter-
- Também; se hei-de estar aqui a na- O imediato, contrariado, soltou uma rase perdeu de visla.
dar no mesmo s(tio, porque Oll/ra coisa praga e quedou·se um instante o reflecrir. - Obrigado! 16 era tempo! Quase me
não é eStar fundeado, pedi para fazer parte O "Fateixa», oficial marinheiro de valor, ia /ransformando em roupeiro d força de
da guarnição do "Pedro Nunes». gozava da incOl/dicional estima dos supe- viver ta"to rempo debaixo do chão.
- Bem se vêque Deus não me abando· riores. Todos apreciavam a sua valemia - De dgua é que vossemecê quer dizer
n,. nos combates, o sua serenidade nos lem- - replicou veloz o., Fateixa,..
- Não apite a Deus se não quando a parais, o seu cuidado na navegação, a sua José do Telhado desentorpeceu os
rascada CUSlar a safar! De mais, sabia·me perlcia na manobra, o bondade e infamili- membros e subiu com pouco vulgar agili.
a boca a alcatrão e não ao tabaco que mas· dade da sua alma, por baixo da sua quase dade pela escorilha de vante.
cava quando cismava que vossemect iria intratável rudez. - Para magala não vai mal; era capaz.
para bordo do brigue. na sua /riste situa- - Em atenção o que não és muito a/rei- com o. hdbito, de se fazer um bom mari-
çdo de corroia sem socorro, e que 16 o tra- to a pedidos, logo que abiquemos d barra, nheiro! Para rato não tem vossemect jeito!
rariam pior que um lUbarão a espadanar o degredado poderá vircá acima um boca- Viveu tontos dias no meio deles e não se
sangue no convés. do; previne-o de que, se deita a ponta do sentiu com alma de roer uma quarta de bo-
- Obrigado, senhor Machado; esren· nariz que seja fora da bordo, o mando chi- lacha- comenta o velho lobo do mar.
der-lhe-ia o minha mão se os meus crimes batar Olé lhe arrancar a pele das costas - Apenas respirar ar livre e possa fa-
a ndo tivessem infamado. - Descanse, SÓ imediato. zer alguma coisa, verd que engordo mais
- Estavam limpas como água em fun- - Outra recomendação ... do que um dos tais ratos denlro de 11m
do claro quando vossemecê me salvou da- - Diga, só imediato. queijo - retorqlliu José do Telhado, satis-
queleabalroamento ... - Vai-lhe ensinando a fazer alguma feito com a sua relativa liberdade.
- Não fale nisso, senhor Machado, coisa; a viagem t longa, porque vamos - Ainda bem que falou nisso; o só
peço-lhe. meter o pau da giba em vários portos por imediaro deu-me a entender que não quer
As mdos dos dois em:omraram-se e fe- a( abaixo, e não quero a bordo cavalos do gente a bordo a mastigar de graça; lUdo
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