Page 354 - Revista da Armada
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Ora toma, disse com os meus botões; e procurando O Alexandre lá tinha as suas razões para lhe encon·
conter o riso perante tão delicada situação, olhei o jovem trar mais encantos que à sua própria terra natal, Bissau.
e recordei: tens razão, bajuda é que dá vida àgente .
•
• • De/mar Barreiros,
• cape/ào graduado em cap. ·frag .
CONTO
o fim da viagem
L;l1lçado numa corrida poss:mte. determinada. o com- tos dele. teimando em que osempregos de ambos, ela em-
boio viola a 4uietude en!'Õo]<trada dos cmnpos floridos. pregada comercial e ele :-;crralheiro civil. permitiam ;Iufc-
Serpeia decidido no selltrilho de ferro. C<1I1tando. mono- rira suficiente para um viver calmo. sem grandes aflições.
córdico. nas junta!'Õ: Iran. tran-tr:m. tran. O!'Õ CHmponese!'Õ e até davam para ir amealhando alguma coisa. E insistia
interromperam momentaneamente o seu essencial labor em garantir que o desafogo sugerido pelos regressados ti·
rotineiro. apoiam-!'Õe no enxadão de cabo comprido e dei- nha por base uma vida de bastantes s'lcrifícios e :tbdie:l-
xam o olhar perseguir a serpente met;ílica. vendo-a desa- ções. quantas vezes fruto de desempenho de trabalhos
parecer célere na frondosidade da vegetaçiio exuberante que bO:t parte deles recllsaria na sua terra. Contudo. nada
ou esconder-se entre os morros carecas. pardacentes e o demoveu da intençào de emigrar. E l;í foi. Tinha bem
c<l!'Õtanho!'Õ. aqui e ali penugento!'Õ de verdura. libertos no presente na memória o quase desespero da sua jovem mu-
esp'lçoo seu grito estridente e um fumo br;lnco-dnza. lher na hora da despedida. um mar de lágrimas a dar·lhe
O homem espreit;1 pela janela ampla a fuga adoidada ao rosto um ar tâo triste como nunca lhe vira atéentiio.
das ÚTvores e das casinhas térreas alinhadas ao longo da E os meses foram-se escoando na indiferente ampu-
vida. Embala-o um sonho renascido. O pensamento re- [heta do tempo. E os sonhos tão ardentemente acalerola-
cua no tempo. avança na dist."incia. e.leva-o até um;1 não dos ouúossim se foram desvanecendo na realidade dum.
muito longínqua primavera de perfumados odores em Nào que lhe houvesse fa ltado trabalho: simplesmente. a
4ue. de braço-dado. saíra da vetusta igrejinha da sua .11- remuneraçâo nâo era a que tinha imginado. Ainda por
deia perdida n;1 vertente monlanho!'Õa. mancha branca a cima caíra numa zona de autêntica exploração dos imi-
emergir do verde imenso dos pinhais. com a mais linda grantes. nos arredores p<J.fisienses. sumindo·se boa parte
noiva de toda a regiiio. Os 1{lbios do homem entreabrem- do ordenado em alojamento. alimentação e transportes.
-Sl' num:1 sugest<io de sorriso. no rememorar dos tempos impedindo o rápido acumular de reservas antevisto em
mHrllvilhosos. inesquecíveis. em que II casinha modest'l. tempo de miragem. E. nesse primeiro ano de ausênciil em
erguida na fímbria da Hldeia. se enchera de risos meigos França. acabou por passar o Natal onde estava. apesar
de mulher. E esse tempo de magias e encantos escorrera das muitas saudades da mulher. pouco disposto a regres·
pela face do amor sem sombnls nem máculas. ao ritmo sar com as m:ios a ab.lIlur. tantos meses volvidos. Tinha
pastoril da terra humilde imp!;mt;lda entre espaventosos prometido tanta coisa. incluindo o regresso de automó-
arroubos vicejantes da Natureza. ilté;lO retorno para fé- vel. que ii opçflo de ficar. embora penosa. lhe pareceu a
rias dos poucos conterr.ineos emigrados na «est ranja» .. mais certa. A mulher nflO se conformou. Quase di:lria-
Foi a aparcnte prosperidllde dos «franceses» que lhe mente passou a receber c'lrlas dela cheias de queixas e re-
acendeu no cérebro a luz verde da ambiÇ<io. Isso e o gosto criminações. com repetidas juras de que se nâo voltilsse
pl'las viagens. pela descobert:! de outr:!s gentes e outros depressa ela largaria tudo e demandaria as lonjuras fran-
modos de vid;1. desperwdo quando no cumprimento do cesas. Apesar disso. manteve-se inabalável na sua resolu-
seu tempo militar, na M'lrinha. fizera uma viagem algo çiio, proibindo-a até de sair da aldeia. basicamente assus-
pl'll]ollg;ld;, com vi!'Õita a alguns paíse~ beijados pelo mar tado com a falta de condições em que ambos teriam de vi-
do Norte. A chegada dos emignllltes ajoujados de pren· ver na terra estranha e por vezes hostil.
d'ls. ;,Iguns de automóvel. gargalhadas sih esquecendo E mais meses passaram. O descontentamento da mu-
agr:lvos. os olhos brilhando de riso e de saudade pc!;, ter· lher. as suspeitas postas uma e outra vez por ela de que
reoh, sinjela. acolhedora. muitas vezes ingrata no dO;lr de ele teri •• arranjado «companhia» francesa. o desencanto
benesses. mas que para eles significava o berço. o ninho. qU,llltO ao magro peclílio grangeado em tão longa ausên-
o amor. foi a chamazinha que nele acendeu labaredas. d;l. nada disso o demoveu do teimoso projecto de só re-
Nesses dias de um tempo veraniço. luminoso e cülido. gressar quando tivesse concretiza.do alguns dos seus in-
chegava-se ao!'Õ dr'l1lceses». escutava·lhcs as convcrSHS e tcntos ambiciosos. dos quais avultava a posse longamente
at~ lhes r .. zia perguntas. E. como escalf;lcho. a ideia de desejada de um bom automóvel. Porém. quando uma car-
emigrar foi crescendo. crescendo, até mio caber dentro ta de seus próprios p.,is lhe anunciou que a mulher estava
dele. Acabou por dar parte dos seus projeclOs;1 mulher. gravemente enferma. minada pelo desgosto. qualquer
Ante a !'Õua perplexidade ela desaprovou vigoros:11l1ente coisa lhe abalou bem o íntimo. misto de ansiedade. de
t;d propósito. Deteminada. contrariou todos os argumen- medo e de remorso. altl!rando num áp"ice a sua vont'lde
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