Page 355 - Revista da Armada
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de  continuar.  Cresceu-lhe  nesse  dia  ttma  saudade  tflo
          grande  da  mulher  louç:i  e  simples  como  nunca  julgara
          possível.  Despediu-se do emprego, ilrrumou  as suas coi-
          sas.  enviou  te1egramil  ii  prevenir da  próxima chegad ••  c
          meteu-se no comboio. uma flnsia enorme de tomar a mu·
          Iher nos bmços, relegild ••  para segundo plano a  ~.mbiçflo
          incontrolada.
             Agora ati ia  no apressado comboio que. ainda assim.
          nflO marchav •• t<'lo  nípido quanto a sua impaciénciu. escu·
          t<U1do o  estribilho  monótono:  tmn. tr.nH ran.  tfa n.  E ••
          saudade.  a  tal  saud •• de  do  enc.nUo  virgem  da  vivénci,.
          to gr:lve. E a recordaç:io dos passeios dominicais pela bei- --
          tranquila com a SUil mulher li libertar inocência e singelc·
          za,:I verrumilr-Ihe o corpo e ..  alma." acender nele o re-
          ceio incipiente de que ii doença dela fosse  realmente mui-

          ra do regato de ãguas cristalinas que se precipitava da p<lr-
          tc mais alta do monte sobranceiro ü •• Ideia. quando o sol
          desenhava rútilos esplendores no folhcdo ribeirinho. er<l
          outro espinho a ferir a frustrada presunç:iodo rãpido enri-
          carque o atirara paril t.io longe de. tudo quanto amava.
             C'lnsado de espreitar  ii  paisagem agora  muito  igual.
          .irida.  algo inóspitil. deu em observar os seus oCilsionais
          companheiros  de  viilgem,  na  maiori ..  espanhóis.  que  o
          comboio hã  muito se entranhara em terras de Espanha.
          Apreciou embevecido o rosto adormecido de um bebé. ilO
          colo da mãe. bonita morena de olhos e cabelos pretos. As
          sucessivas mir:ldas ao rosto do bebé  fizeram-no  mergu-
          lhar de  novo em sonhos de  futura  felicidade.  Um  filho!
          Um filho. pois! Um fi lho seria o elo que o iria prender ilin-
          dil  mais forteme nte  ilquela que  cscolhera como compa-
          nheira da sua  terrenu caminhada. J;'l  ia  sendo tempo de
          pensarem nisso muito a sério. De resto. conseguiriil. ape-
          sar de tudo. juntar algum dinheiro e tinha como garantido
          o seu antigo emprego de serralheiro mi  fãbrica de têxteis.
          única unidade industrial da aldeia. Um filho cria respon·   apenas seu, aquele sorriso unico do verdadeiro amorcon-
          sabilidades. sem dlivida. mas ele senti •• -se material e espi-  sumado.
          ritualmente capaz de as ussumir.  E de nov('l o seu pcnS'I·   . Sentiu-se estranh.lmente fraco. sem forças. O cérebro
          menta  ultrapassou a potente múquina. suada Oe esforço.   ordenava  que  o  corpo  se  1110vimentasse.  mas  estc  mio
          e correu a abrigar·se na aldeia diSlanle. Reviu o corpo for·   obede0'!, O que  lhe. ~~corria pela facc seria a água doira-
          moso da mulher. o rosto meigo. os I:íbio~ cheios. os grano   da pelo sol da ribeira que lavava ii aldeia? E a mão peque-
          des olhos caslanhos. o jeito acriançildo de fular. o  temor   nina. de bebé, que se 'lgitava junto ft sua. seria a que lhe
          da primeira entrega e o sorriso confiante da simbiose per·   'lfilgava os Cilbelos quando o  luar os surpreendia, a ele c
          feila. Sorriu eternecido c saudoso.                 i'l mulher. sentados junto rI janela d.l sml casa virada p:tra
             De subito. dos rodados lustrosos do comboio subiu o   o vale verdejante? O vermelho q ue o invadira  foi-se tor-
          grito ilfli tivo de metal fe rindo metal.  A inesperada trava-  nando negro.  negro.  negro.  Ainda  logrou entender que
          gem sacudiu os P'lss'lgeiros. derrubou-os.  O  homem en-  chegara ao fim dil viagem ...
          rodilhou·se. alarm'ldo. no momento eXHcto em que o em·
          b,lIe das duas compo~ições ferroviúrias atimva para o es-
          paço os sons fant.ísticos de metal. madeint e carne rasgiln·
          do·se. sofrendo. Viu a p,lrede do compartimento crescer
          rilpidamente  P;1T:1  ele.  Sentiu a sua própria carne esma·
          gar-se.  Longas serpel1(inas vermelhils ~e soltaram do seu
          corpo malferido. pingando por entre os ferros e mildeiras
          torcidas.  Umil  nuvem  CSCilrlate  lhe  tomou os olhos.  os
          ~entidos. os sonhos. Reconheceu o seu sol beir<'lo a doirilr
          as se:lras e  a  tingir o céu azul de oiro.  ro:.a  e vermelho.
          Ouviu as melodias matinais das aves amando-se nos :.ilve-
          dos que bordavam a ribeir.!'  E viu-a. viu a sua mulher lin·
          da c  pura.  Viu·lhe o  rosto  inundado de  lúgrimas de ale·                         A. S,wfO.<õCOl'fllro.
          gria.  lãgrimas  de  chegada.  Viu  aquele  sorriso  especial,                              ,·;,p··,,·u. SF
          uqucle sorriso só dele. por tão intimo.  Não. nenhum ou-
          tro  homem  poderia jamais ver  ilquele sorriso!  Era :.eu.   •  •••••••••••••••••••••••••••••

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