Page 375 - Revista da Armada
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e o mar, nas molezas cálidas do Ve-  mosamente, ainda resistia, numa úl-  quando o camarada de quem depen-
         rão,  repousava tranquilamente - , o   tima esperança, espreitando debai-  dia  a  salvação,  e  que,  um  pouco
         navio fundeou em Sagres. Arriavam-  xo da banheira, mergulhando a mão  atrás dele, num sorriso irónico, agar-
          -se já os escaleres e baleeiras, para   nos bolsos dos uniformes dispersos  rava  na mão,  bem firmes,  as folhas
          largar para terra,  quando o guarda-  aqui e  ali,  olhando o tecto do aloja-  dactilografadas da palestra.
         -marinha,  de  cabeça  perdida,  deu   mento como que, por milagre, a pa-  O  comandante  proferiu  uméb
         por falta da prosa do professor. Um   lestra pudesse cair do alto.   breves  palavras introdutórias,' antes
         tanto ·  descuidado,  arrumara-a  em   E quando, finalmente, se sentou  de dar a palavra ao guarda-marinha.
         qualquer canto, sem preocupações.   no escaler, ao lado dos camaradas,  E foi neste último momento que o ca-
          E agora, chegada a hora do embar-  repetiu  de  novo, ma.is  acabrunhado  marada,  adiantando-se,  lhe passou
         que,  não se recordava bem do sítio   do que nunca:                  discretamente para as mãos a alme-
         em que a deixara. Já esventrara to-   -  É o diabo!... Tenho que impro-  iadaprosa.
         das as gavetas, vasculhara por de-  visar!...                           Os nervos da face distenderam-
         baixo dos móveis,  mas  nada.  Inter-  O que ele Jgnorava, na altura, -  -se-lhe  num alívio. Já calmo, e com
         pelado  o  impedido  do  alojamento,   mas por pouco tempo -  era que um  voz bem timbrada,  discorreu então,
         este  nada  vira.  Vieram,  depois,  os   companheiro  de  atojamento,  dias  com brilho,  sobre as vicissitudes da
         outros guardas-marinhas que, solfci-  antes, ao ver a palestra abandonada,  epopeia  henriquina,  sem que tives-
         tos;  ajudaram  na  procura.  Revira-  a houvera escondido, com desígnios   se, desta vez ao menos, que recorrer
         ram-se  colchões,  perscrutaram-se   secretos.  E foi  ele que, quando de-  a improvisações imprevistas.
         armáríos,  devassaram-se  lençóis  e   sembarcou na praia, se distanciou a   De boa rndole, depressa perdoou
         cobertores.  Nada, mais uma vez.  O   correr e, de longe, erguendo o braço   a partidinha do camarada. E quando
         palestrante,  esmagado,  lamentava-  e chamando, exibia bem alto, inatin-  este, na noite daquele dia, regressou
         -se. Não tivera sequer a curiosidade   grvel, a palestra perdida. Logo se ini-  ao  alojamento,  depois  de  fazer  o
         de ler, uma s6 vez que fosse, otraba-  ciou  uma perseguição feroz,  com o  quarto da modorra, já o  palestrante
         lho do cunhado. E sobre o Infante, as   palestrante furioso no encalce do ou-  dormia  no beliche estreito. Mas era
         trivialidades  que  sabia  apenas  da-  tro que, lépido, não se deixou alcan-  um sono inquieto. Dava voltas sobre
         riam'para dois minutos de conversa.   çar.                           si  mesmo  e,  a  espaços,  numa afti-
         Num desabafo, enquanto continuava     Já a guarnição se encontrava no   ção,  soltava  sons ínarticulados, de-
         a  pesquisar  febrilmente  os  escani-  interior da fortaleza. b  comandante   certo  vitima  de  um  pesadelo  som-
         nhos do alojamento, clamava de vez   ocupara  uma posição central e, em   brio.
         em quando:                         volta, tinham-se disposto, na melhor   O  camarada que,  curioso, esta-
            - t o diabo!... Tenho que impro-  ordem, os oficiais, sargentos e  pra-  cara junto do beliche, não teve dúvi·
         visar!...                          ças. O orador situava-se junto do co-  das: ele estava, seguramente, a im-
            O contramestre assomou à porta   mandante, a indicação deste, em po-  provisar. ..
         do alojamento e avisou que, com o   sição  de  destaque.  Da  testa  ainda
         pessoal  já  embarcado,  os  oficiais   lhe escorria o suor da corrida inútil,
         aguardavam ao portaló os senhores  e a expressão torturada trafa bem o
         guardas-marinhas.                  embaraço de quem tem que improvi-
             Não havia remédio se não aban-  sar sobre matéria vaga. O olhar, an-                   Silva Braga,
         donar a procura.  Mas ele é que, tei-  sioso e súplice, procurava de vez em                      vlalm.



                Te  minolo  ia Naval








         •  PESODAONDA-Forçadaonda.                          •  PIÃO DO CABREST ANTE - eixo do cabrestante.

         •  PESO DO VENTO -Intensidade do vento.             •  PIAR  DO  MOCHO -   Em calão naval, o  brado das
                                                             sentinelas.
         •  PESTANAS-Unhasdaãncora.
                                                             •  PICA A VOGA! - Voz do patrão de uma embarcação
         •  PETIPÉ  -  Escala  desenhada  na  carta  de  nave-  a  remos  para  o  pessoal  passar  da  cadência  da  voga
         gação.                                              ordinária para a da voga picada.

         •  PETRECHOS  -    Toda  a  palamenta,  instrumentos   •  PICA CHOURiÇOS - Termo de calão naval aplicado
         e demais artigos necessários para aprontar uma embar-  aos  guardas-fiscais.  Idem  para  uma  pessoa  alta  e
         cação.                                              magra
                                                                                                     S. Elpídio.
         •  PIANO- Em gíria de bordo, a antiga mochila.                                                cap.-m.-g.

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