Page 372 - Revista da Armada
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RETROSPECTIVA (4)
Um dos que errou
,..,
avocaçao
A história da marinha uapé feita só de batalhas anos - divorciado e com uma filha - tenha sido a solu-
navais, viagens, encalhes, naufrágios .•• i feita ção ...
também de pequenas coisas, como estas. Salvils as devidas proporções, este José Maria faz-me
lembrar UTl' outro guarda-marinha, Manuel Maria , cele-
}1 i o saudoso amigo comandante Basto Carreira bridade na poesia nacional. que todos os portugueses, le-
quem nos ofereceu um maço de papéis já amareleci-
tradose analfabotosconhecem , Bocage.
dos pelo tempo, com versos de um camarada que, Porque têm sabor marinheiro, seleccionámos os ver-
pelo seu espírito mordaz echocarreiro, teve uma vida difí- sas que seguem dos muitos que temos, alguns escritos
cil e infeliz. pelo seu próprio punho.
Chamava-se José Maria Ferreira e assentou praça
como aspirante de marinha em 1920. Terminado o curso
COMBATE
da Escola Naval foi promovido a guarda-marinha em 1924
É noite detormema, nem um palmo
e a segundo-tenente em 1925. Faleceu neste posto em
Se vê à nossa frellte
1942. O mar que ainda há pouco
Os oficiais da sua geração contam coisas mirabolantes
Estava calmo
a seu respeito, pelas quais é fácil concluir ílue ele não foi
Começou de repente
fadado para a carreira militar e muito menos para a da Ar- Em convulsões de lou(o.
mada.
Basta ver que nos I7 meses em que foi guarda-mari- A escuridão é grande, a cada passo.
nha embarcou em ... 13 navios! Isto significa, como todos
Rebentam vagas fiOS albóis
nós sabemos, que nenhum comandanteoqueria a bordo. Unicamente a ill/mimlT o espaço
Por falta de carácter ou ser mau camarada? Nada dis-
A luz de dois faróis.
so! Apenas porque, tanto na Marinha como fora dela, le-
vava a vida a brincar e arranjava grandes sarilhos. Por
Pisca a Berlel/ga, dOllairosa, bela
isso, a sua folha de assentos averba alguns severos casti-
Ao Carvoeiro o olho descarado
gosdisciplinares.
E o prbrezinhocom inveja dela
Possuidor de assinalável veia poética, servia-se dela
Faz-seencamado.
para meter tudo e todos a ridículo, o que também lhe
acarretava dissabores. E, como gastava mais do que ga-
Perpassa pelo ar o cheiro da batalha
nhava. colaborava assiduamente no jornàl humorístico
Há olhos que no escuro pretendem veromar
«Sempre Fixe», aumentando assim os seus proventos. A Todos as naus estão prontas a vomitar
sua secçflo, em versos carregados de graça, versava assun- [melralha
tos do futebol de então e tinha grande audiência. É grandiosa a luta que os barcos vão travar.
Mesmo assim o dinheiro continUava a ser muito curto
c então teve esta ideia luminosa: quando estava completa-
mente depenado ... baixava ao Hospital da Marinha, por E eu vejo na floi/e escura
doença! A benevolência dos médicos e enfermeiros que A Polar franzindo a venta
;lli prestavam serviço, entre os quais disfrutava de muitas Por ver a gente à procura
!'>imp'llia!'>. fazia-lhe o jeito e dava-lhe quarto, comida e Do paralelo quareflla.
roupa lavada ... Numa das vezes em que adoeceu, chegou
ali cm tal estado de degradação física e moral que os en- Há luzes no horizollle
fermeiros se quotizaram para lhe comprar uns pijamas, O inimigo que vem!
dando-lhe previ.lmente uma autêntica barrela! Um artilheiro que aponta!
E as estadias eram tantas e tão frequentes que lhe de- Mas que não mata ninguém!
ram ensejo a fundar um jornal de caserna - «O Penso»
- no qual colaboravam alguns enfermeiros, mas de que Um liro parti/tI pum catapum!
ele em tudo-director, editor, redactor, colaborador ... E atrás deste primeiro foi segundo
Como resultado da vida desregrada que levava, o futu- Mais tiros! artilheiros! só mais um!
ro apresentava-se-Ihe muito negro e talvez a morte aos 40 Lá vai o inimigo para o fundo.
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