Page 229 - Revista da Armada
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ram  os  portugueses  constatar  que  os   Eis como as coisas se devem ter pas-  ao  fogo  da  sua  artilharia  e  dos  seus
         navios  inimigos  estavam  fortemente   sado. Por volta das duas da tarde, come-  espingardeiros, os portugueses entraram
         amarrados  entre  si  e  com  pranchas   çando a soprar a viração de  noroeste e   nelas de rompante e, em poucos minu-
         passadas duns para os outros, por fonna   estando  a  maré  a  encher,  os  navios   tos, varreram-nas da proa à popa, obri-
         a  poderem  auxiliar-se  mutuamente  se   portugueses  suspenderam.  É  evideme   gando  os  seus  tripulantes  que  não
         fossem  abordados.  numa  atitude clara-  que, nesta altura, não podiam deixar de   ficaram mortos nem feridos a saltar para
         mente defensivà, em nagrante contraste   estar  aproados  à  barra.  Logo  que  os   a  água,  onde  começaram  a  ser perse-
         com  a arrogância  com  que  tinham  ini-  ferros arrancaram, começaram natural-  guidos  à  lançada  pelos  nossos  batéis.
         ciado a batalha  na  véspera.     mente  a  abater  devido  à  corrente,  ao   Duas galés e duas galeotas foram toma-
            Nada  podendo  fazer  da  parte  da   mesmo  tempo  que  eram  forçados  a   das. As outras duas galeotas cortaram as
         manhã.  enquanto  soprava  o  terreal,   inverter a proa,  virando em roda.  Com   amarras e puseram-se em fuga  rio acima.
         D.  Lourenço limitou-se a mandar alguns   tudo  isto,  foram  perdendo  o  pouco   Entretanto, as naus de D.  Lourenço
         homens à cidade colher infonnaçàes. Por   barlavento  que  tinham  em  relação  aos   e  de  Pero  Barreto,  principalmente  a
         eles  soube  que  Mir-Hocem  estava   turcos.                        primeira, encontravam-se numa situação
         procurando protelar o combate enquanto   A  nau  de  D.  Lourenço,  mesmo   bastante  desconfortável.  Sendo  menos
         aguardava a chegada de Meliqueaz.   depois  de  ter  ganho  seguimento,  por   alterosas do que as naus turcas e estando
            Vendo que, da forma como se encon-  mais que o mestre a puxasse para a orça,   muito perto delas, encontravam-se sujei-
         travam  amarrados  uns  aos  outros,  os   não conseguiu alcançar a de Mir-Hocem,   tas  ao  tiro  mergulhante  dos  seus
         navios de Mir-Hocem  não  tinham  pos-  passando a uma escassa dezena de metros   frecheiros  sem  possibilidade  de  lhes
         sibilidade de se servirem dos canhões de  dela. Foi então que ocorreu o imprevisto.   responder eficazmente, uma vez que os
         maior  calibre,  o condestável  (chefe da   O  contramestre,  que  se  encomrava  a   nossos bombardeiros,  espingardeiros  e
         artiltiaria)  da  nau  de  D.  Lourenço  de   vante, vendo que a nau passava além do   besteiros  só tinham possibilidade de os
         Almeida, que era um alemão muito com-  navio que lhe competia abordar, julgou   alvejar  durante  os  cunos  instantes em
         petente no seu ofício, veio dizer-lhe que   proceder bem  mandando largar o ferro   que assomavam à borda.
         se comprometia a afundar a armada turca   para a aguentar. O resultado disso foi que   Nesta  altura,  o  condestável  terá
         a tiro de canhão, antes do cair da noite,   a nau estacou e, fazendo cabeça à resul-  voltado a insistir com D.  Lourenço para
         se as nossas naus fossem levadas para as   tante do vento e da correme, acabou por   o autorizar a afundar os navios de Mir-
         posições  por  ele  indicadas.  Mas,  nem   ficar atravessada na proa das naus turcas,   -Hocem  a  tiro  de canhão.  Mas  aquele
         D.  Lourenço,  nem  os  fidalgos  que   a curta distância  delas.    recusou de  novo.  Sobretudo depois que
         estavam com ele, aceitaram a sugestão.   D.  Lourenço,  quando se apercebeu   vira  a  facilidade  com  que  tinham  sido
         Pensavam  que se os  navios  dos  turcos   do que se tinha passado, ficou fora de si   desbaratados os navios de remo turcos,
         fossem  afundados  pela  artilharia  isso   e  foi  atrás do contramestre,  de  espada   não  se  resignava  a desistir  da  aborda-
         poderia ser interpretado como um sinal   nua,  para  o  matar,  de  tal  modo  que  o   gem.  E  continuava  a  dar  ordens  aos
         de  receio  de  os  combater cara  a cara.   desgraçado não teve outro remédio senão   batéis para que levassem a sua nau para
         Além  disso,  estavam  convencidos  que   alirar-se à água e fugir a nado para terra!   junto das inimigas, o que não era prati-
         seriam capazes de os vencer no combate   Na realidade, é provável que se não   cável, não s6 por causa da corrente mas
         à abordagem e já se viam  a entrar vito-  tivesse  sido  largado  o  ferro,  a  nau  de   também por causa dos frecheiros turcos.
         riosos em Cochim com as naus e as galés   D.  Lourenço,  embora  não  tivesse con-  Na  nau de  D.  Lourenço,  o número
         turcas a reboque, arrastando os pendões   seguido abordar a de Mir-Hocem, tivesse   de  feridos  aumentava.  Ele  mesmo  foi
         pela  água!                       podido abordar uma das seguintes ou o   ferido  duas  vezes.  Por  fim,  não  pôde
            Reunido  o  conselho  dos  capitães,   galeão. Nesse caso, a alteração do plano   deixar de dar ordem para afastar a sua
         ficou  assente que, logo que começasse  inicial  poderia não ter tido importância   nau  e a  de Pero  Barreto  das  inimigas.
         a  soprar  a  viração,  fossem  abordar  o  de maior.  Mas, tal como as coisas efec-  A partir daí,  os  ponugueses come-
         inimigo.  As  naus  de  D.  Lourenço e de   tivamente se passaram, a abordagem da   çaram  a  bombardear  os  navios  turcos
         Pero Barreto,  que  eram  as  que  tinham   annada  turca  ficou  irremediavelmente   com  a  sua  artilharia  provocando-Ihes
         mais gente, abordariam simultaneamente  comprometida, porquanto, a nau de Pero   muitas avarias no aparelho e nas supers-
         a nau de Mir-Hocem, a primeira a ré do   Barreto, que ia a seguir à de D. Louren-  troturas.  Um dos cestos de gávea duma
         mastro  grande,  a  segunda  a  vante;  a  ço,  não  tendo também possibilidade de   das naus de Mir-Hocem foi atingido por
         outra nau e as caravelas redondas abor-  abordar a capitânia turca, viu-se forçada   um  pelouro  que  matou  todos  os  seus
         dariam as restantes naus turcas, de modo   a arribar francamente para não abalroar   ocupantes, o que levou todos os frechei-
         a impedir que as respectivas guarnições  com aquela. A terceira nau e as carave-  ros turcos que guarneciam a mastreação
         fossem socorrer a sua capitânia; as galés   las redondas tiveram que fazer o mesmo   a descer para o convés. Mas, mesmo aí,
         e  as  caravelas  latinas  abordariam,  para se desviar dos navios que iam à sua   aguentaram-se pouco tempo, começando
         respectivamente,  as galés e as  galeotas  frente.  Deste  modo,  ficou  a  nossa   a  refugiar-se  no  interior  dos  navios.
         comrárias.                        armada fundeada numa linha oblíqua em   Pareceu  então  aos  portugueses  que  a
            Tal  plano,  aplicando correctamente  relação  à turca.           batalha estava ganha e que seria apenas
         o princípio da «concentração_  (concen-  Mais  felizes  foram  as  galés  e  as   uma questão de tempo tomar de assalto
         trar o máximo de forças  no  ponto deci-  caravelas  latinas.  As  primeiras,  graças   as  naus  inimigas.
         sivo) era exceleme e demonstra, da parte  aos remos e as segundas, graças às velas   Porém,  subitamente,  tudo  mudou,
         de D.  Lourenço e dos seus capitães um   latinas, não tiveram dificuldade de maior   quando começaram a despontar na barra
         apurado  sentido  táctico.  Mas,  ao  ser  em  alcançar os  navios que lhe estavam   as  fustas  de  Meliqueaz,  de  bandeiras
         posto  em  prática,  falhou  porque ...  no  destinados, ou seja,  as galés e as galeo-  desfraldadas,  tocando  trombetas  e
         mar  tudo é difícil!              tas  turcas.  Submetendo-as previameme   fazendo grande alarido! Os turcos, reco-

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