Page 195 - Revista da Armada
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tinham fugido da cidade e que, entre- Lopo Soares, sempre excessivamente Índico continuava, incontestavelmente.
tanto, seriam postos sub-repticiamente cauteloso, mandou pôr fogo à cidade a pertencer-nos.
em terra. com receio de que os nossos soldados se Mas mais importante ainda terá sido
O que efectivamente aconteceu foi tresmalhassem com o saque e pudessem o efeito psicológico provocado pela
que os batéis conseguiram incendiar as ser vítimas dum contra-ataque do expedição de Lopo Soares de Alberga-
naus e o galeão. que arderam até à linha inimigo. ria ao Mar Vermelho. Nos começos do
de água, regressando à armada sem A partir do ataque a Zeila, a nossa sec. XVI, a Europa ainda vivia dominada
novidade. Mas, quanto a encravar a armada começou a desintegrar-se. Mui- pelo terror dos Turcos que se encontra-
artilharia inimiga, como seria de esperar, tos capitães, vendo que o governador não vam a curta distância de Viena e infes-
o golpe de mão não resultou. era capaz de resolver o problema dos tavam o Mediterrâneo com as suas
Perante isso, Lopo Soares, no dia mantimentos e que todos os dias lhes annadas. Para os Europeus, Meca, a
seguinte, reuniu os capitães e comuni- morria mais gente, dirigiram-se por sua cidade santa dos Muçulmanos, era qual-
cou-lhes a sua intenção de desistir do conta e risco a diversos portos da Ará- quer coisa de inacessível situada nas pro-
assalto à cidade. Mostrou-lhes as ordens bia e da África na esperança de encon· fundidades do território dum inimigo que
do rei que o mandavam expressamente trar qualquer coisa que pudessem tomar lhes parecia imensamente poderoso e
combater os Rumes no mar e não em ou comprar para matar a fome às suas quase invencfvel. Nestas condições,
terra, para poupar vidas, e afirmou-lhes guarnições. Lopo Soares dirigiu-se a poderá imaginar-se o efeito produzido
que, apesar disso, não deixaria fugir a Adém, acompanhado dum pequeno pela notícia de que os navios do Rei de
oportunidade de queimar as galés do sul- número de navios. Mas o xeque, sabedor Portugal, depois de terem contornado a
tão se visse que tinha alguma probabili- do que se passara em Judá e vendo a África por caminhos só deles conheci-
dade de êxito. mas que, dada a posição nossa annada destroçada, esqueceu as dos, tinham tido a audácia de ir desafiar
da artilharia inimiga em relação ao canal promessas de vassalagem anteriormente a annada do sultão do Cairo, MESMO
de acesso ao porto interior e dada a sua feitas e forneceu-Lhe poucos mantimen- ÀS PORTAS DE MECA! Parecia uma
potência, lhe parecia impossível efectuar tos. Cada vez mais irritado com tudo e coisa fantástica; um feito prodigioso mais
o desembarque sem sofrer baixas terr(- com todos, Lopo Soares de Albergaria próprio dum romance de cavalaria do
veis; que, nessas circunstâncias, tentar pensou em ir buscá-los a Berbera. Mas, que um acontecimento real! E é com mal
o assalto seria expor-se a um desastre de depois de lutar durante vários dias contra disfarçado orgulho que Gil Vicente, no
grandes proporções que poderia deitar a ventos desfavoráveis, mudou de ideias e, seu _Auto da índia,., diz ao Mundo:
índia a perder. sem fazer qualquer sinal ou por qualquer Fomos ao rio de Meca,l Pelejámos
Dividiram-se as opiniões dos capi- outra forma dar conhecimento das suas e roubámos,! E muitos riscos passámos
tães, mas a maioria acabou por concor- intenções aos capitães que o seguiam I à vela, e árvore seca.
dar que aquilo que se poderia ganhar não meteu rumo a Ormuz!
compensava o que se poderia perder. E A armada portuguesa era agora uma
a operação foi anulada. Quando se soube sombra da que tão orgulhosamente par-
na armada que o ataque a Judá não teria tira da Índia em Fevereiro. Para cima de
lugar levantou-se uma onda de protestos oitocentos homens tinham morrido de
por parte dos fidalgos , dos soldados e sede, de fome e de doença. Os que res-
dos marinheiros que insultavam abena- tavam mal se podiam ter de pé. Quanto
mente o governador. Mas este a nada se aos navios, na sua maior parte, encon-
moveu e, levantando ferro , fez rumo ao travam-se dispersos pelas costas da
Sul. Arábia e da África, lutando pela sobre-
Começou então a parte trágica da vivência e procurando, isoladamente,
viagem. Devido à falta deàgua e de man- alcançar Ormuz, Goa ou Melinde.
timentos. morreram de sede e de doença Em relação a esta infeliz campanha,
muitos homens, particulannente remado- não oferece dúvidas que Lopo Soares de
res que eram os mais mal alimentados. Albergaria pode ser asperamente criti-
Chegada finalmente a armada à ilha de cado pela forma altiva e distante como
Camarão. em fins de Maio, ficou por exerceu o comando e pelo desprezo que
resolver o problema da aguada. Mas con- manifestou pelas vidas e pelos sofrimen- Satumino Monteiro,
cap.·m.·g.
tinuou por resolver o problema da falta tos dos seus homens. Mas já será mais
de mantimentos. Tentou Lopo Soares diffcil criticá-lo pelas decisões de ordem
obtê-los em Dalaca, onde mandou estratégica que tomou não aceitando a
Bibliografia: ~História dos DucobrirMnlM e Con·
algumas caravelas, mas nada conseguiu. entrega de Adém e desistindo do ataque quisUl da India pelos Ponug_s~ IÚ Femdo Lopu
Suportando grandes privações e conti- a Judá. de Castanhedo; "Dkodas~ dt lodo dt Barros;
nuando a perder muita gente por doença, Seja como fôr, a expedição de 1517 ~úndm da INiio. dt (;arpar Corrtia; .,Crónico
do Felidssimo Rti D.Marru&o dt DmniiJo de Goes:
a nossa armada conservou-se em Cama- ao Mar Vermelho não deixou de ter
.,Omas paro t/·rti D.Manutl 1. de Afonso de
rão até ao fim de Julho, aproveitando o algumas vantagens. Por um lado, para- Albuquerque.
tempo para arrazar a fortaleza dos !izou por completo a navegação das
turcos. Nessa altura, partiu com destino .. naus de Meca,. durante esse ano; por ;'uM 15/7 _ a armada de Lopo Soares de
Albergorio diante da Cidade. Estampo das "ú,,'
a Zeila que foi tomada de assalto e outro lado, uma vez que a annada do sul-
das da Inditl,. de (;arpar Carreia. (JOIO da Biblio-
saqueada. Porém, antes que tivesse tão não se atreveu a combater com a
ttea Ct"'rol de Marinha)
havido tempo de recolher todos os man- portuguesa, constituiu uma clara de-
timentos, que tão necessários eram, monstração de que o domínio do Oceano ••••••••••••••••••••
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