Page 277 - Revista da Armada
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como por exemplo, se constata nos planiférios de Diogo Seguiram~se as conferências de Roma (1883) e Washington
Ribeiro, desenhados entre 1525 e 1529, onde as longitudes (1884), em que foram apresentados, como alternativa a
são marcadas para leste e para oeste (3). Greenwich, outros meridianos como o de Paris, proposto pela
Mercator, em 1569, usou para o efeito as ilhas de Cabo França, o de Ferro, devido à sua tradição. e até os chamados
Verde, porque julgou que o meridiano que as cruzava, tinha neutrais, como os que passavam por Jerusalém ou pela
declinação magnética nula. Plancius, em 1612, preferiu os pirâmide de Keops. Foi muito acesa a discussão nestas
Açores para o mesmo fim . . reuniões. Na de Washington, perame a insistência na utilização
No século xvm, proliferaram os primeiros meridianos. de um primeiro meridiano absolutamente neutral, foi afirmado
Uma carta francesa de 1750, mostra, nada menos, do que seis que este era impraticável. Era poesia, era um mito. Após o
escalas de longitude, a partir de Paris, Londres. Lisard (4), debate, foi r!!jeitado por 21 votos contra um, com abstenções
Madeira, Tenerife e Ferro e, cartas com 4 escalas eram da França e do Brasil, o uso de um meridiano neutral,
frequentes (5). Na mesma época, os cartógrafos ingleses acabando por ser escolhido, como se impunha, o de
usavam como primeiro meridiano, Londres (Catedral de Greenwich.
S.Paulo), Lisard e Ferro. Greenwich parece ter sido usado Foi ainda necessário esperar 30 anos para que esta reso~
pela primeira vez numa carta editada em 1738, por Fearond lução fosse aceite oficialmente por todos os países. A data deste
Ejes. notável acontecimento - que não pode ser esquecida - foi
Com a evolução da ciência náutica, cada vez se tornava a de 1 de Janeiro de 1914. Todavia, a França, o grande
mais imperativo o estabelecimento de um primeiro meridiano opositor a Greenwich, já tinha aderido em 1911.
único. Os países, à semelhança do que aconteceu em Ingla~ Compreende agora o leitor, porque é que, nos primeiros
terra, usavam, de uma maneira geral, como meridiano zero, anos do século, ainda se publicavam cartas náuticas, tendo
o da longitude do observatório principal. Em Portugal, foi como primeiro meridiano o que passava pelo observatório da
utilizado o do observatório instalado no castelo de S. Jorge. cidade de Paris. E, compreende-se, também, o cuidado que
Apesar de não ter sido a primeira vez que o assunto era devem ter os navegadores solitários, e também os outros,
levantado, foi, no entanto, no Congresso Internacional de quando usarem cartas náuticas não actualizadas.
Geografia, em Antuérpia, no ano de 1871, que foi proposto
que se usasse o meridiano de Greenwich para referência de
contagem da longitude.
Esta preferência resultava do prestígio que tinha o observatório
naquele local instalado. devido não só à acção importantíssima
que desenvolveu no campo da navegação, como também pelo
facto das cartas e almanaques que então se publicavam,
fundamentalmente de origem inglesa, serem, na sua quase
totalidade, referidos a Greenwich. Admitia~se, na época, que
noventa por cento daqueles que andavam no mar usavam, nos
seus cálculos de navegação, este meridiano.
A importância de uma solução universal era tão premente
que o assunto nunca mais foi descurado. Do Congresso
Internacional de Ciências Geográficas, reunido em Veneza,
no ano de 1881, resultou um pedido às nações para que se
pronunciassem sobre o meridiano que, para o efeito, achassem
mais adequado. No ano seguinte,o nosso Ministério dos
Negócios Estrangeiros remetia o assunto para a Sociedade de
Geografia de Lisboa. Esta decidiu consultar catorze O(estabe~
lecimentos e associações de sábios., entre elas, é importante
que se diga, o Clube Militar Naval. De todas estas, dez
escolheram o meridiano de Greenwich, uma o da ilha de Ferro,
uma o da ilha do Pico e duas um meridiano a detenninar,
apesar de uma destas últimas apresentar ainda o do Pico, como
alternativa (6). Em face deste resultado, a Sociedade de
Geografia de Lisboa, em documento de 16 de Março de 1883
assinado por Luciano Cordeiro, seu secretário perpétuo, votou
pelo meridiano de Greenwich, como meridiano primário
universal (7).
(3) AnnlIndo Conf:s40 f: A. Teixeiro do MOla, Ponugaliae Monumf:nta
Canographica, Lisboa, 196(), 1 volume, PI. 37-40.
(4) UM cabo na costa SW do fngÚJ/erra, qUf:. rws vtlhos tempos do veÚJ,
era .usado p6ro fazer o ponto de panido nas viogetu paro Oes/e.
A Estácio dos Reis.
(5) W E May, A HislOry ofNovigo/ion, 1973, pdg. 156.
cDp.-rn.-g.
(6) A SocietWdf: de Gf:ogrofia e o Clube MiIi/ar Naval, escolJtf:ratn ambos
o meridiQfW de Greenwich.
m Boletim diJ SocietWde de Geografia de Lisboa. 4. °a Sirie -N. °1, 1885,
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