Page 272 - Revista da Armada
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Da Terminologia naval
conteceu que no dia 20 de Dezembro de 1988
deparei num jornal diário, lisboeta, com uma notI-
A cia, 'oc1,Jpando toda uma págma, sobre a eventual -
recuperação da fragata_«D. Fernando II e Glória».
O facto, para mim, não se revestiu de novidade
porquanto no dia 16 de Março daquele ano já ouvira aquela
noticia, na rádio. da boca do capitão-de-fragata Serra
Brandão, à data presidente da Comissão para as Comemo-
rações dos 500 anos dos Descobrimentos Portugueses.
O que me chamou a atenção foram as inexactidões
contidas no referido artigo do jornal.
Evidentemente que a terminologia naval é algo muito
especifico e até compreendo que nem todas as pessoas
que escrevem num jornal de grande informação tenham
a obrigação de a dominar, mas então, acho que deveriam
fazer rever os seus artigos por alguém que esteja dentro
do assunto, ou pelo menos darem-se ao trabalho de
consultar um dicionálio da especialidade, no caso concreto
um dicionário de Marinha, para não propalarem inexacti·
dões que contribuam para abastardar, ainda mais, a pobre
língua portuguesa.
As pessoas que escrevem têm grandes responsabili-
dades no grau de conhecimentos e no grau da cultura dos
individuas que os lêem; devem ensinar e não desensinar,
devem informar e não desinformar e nunca devem perder
de vista que uma falsidade ou inexactidão muitas vezes
repetida acaba por adquirir foros de verdade. ... t'-- . 1
Quero deixar bem claro que pertenço ao número \ iJ"!.-
daqueles que não gostariam de morrer sem antes terem , ,-
tido o prazer de ver a fragata «O. Fernando II e Glória»
recuperada e devolvida à sua traça inicial, funcionando
como museu, e deste modo concordo com muito daquilo
que a articulista escreve mas não posso concordar com
o epíteto de glOriOSO que figura logo no titulo do artigo PiJis
aquele navio teve uma vida muito longa e muito útil mas
também muito apagada, nunca tendo entrado em combate
nem nada de parecido, pelo que, segundo a minha óptica, Na foto vêem·se a maia·nau de um nalOO (a fragata .comandante RobertCJ
não lhe pode ser aplicado aquele adjectivo. Concordo, sim, /venso) e duas ambarcaçOOs - uma atracada ao portaló e OUIl8 içada
nos tur(X}S (foto do arquIVO da .RA~).
que se lhe chame, por exemplo, majestoso, que o foi,
enquanto navegou.
Recordo-me de, nos tempos do liceu, válias vezes, ter executar pelo insigne coleccionador que foi Henrique
atravessado o Tejo, num cacilheiro (o preço da passagem Maufroy de Seixas, para a sua colecção particular. que.
era então de setenta centavos) só para poder observar de por sua morte, legou àquele museu.
perto a velha fragata «O. Fernando », como o povo de No citado artigo do jornal existe um parágrafo que
Lisboa se habituara a chamar-lhe abreviada e carinho- começa assim: - «( ... ) Constituída por 50 peças - 28 na
samente. bateria e 22 no convés - , a fragata foi no entanto alvo
Encontrava-se então já muito desfeada, pois o seu de acesa polémica nos meios navais( ... )>>. Estou convencido
elegante aparelho primitivo fora profundamente alterado que uma grande maioria de quem tal leu não entendeu
e era então um navio feio, de mastros amputados, aspecto o que se pretendia dizer. A cinco pessoas, leigas em
que manteve até encontrar a morte em consequência do . assuntos navais, a quem perguntei responderam-me estar
incêndio que a seu bordo deflagrou no dia 3 de Abril de convencidas que se tratava do número de peças de
1963. madeira que constitulam o casco e o convés da fragata.
A quem tiver a curiosidade de saber o navio esbelto Ficaram depois muito admiradas quando lhes expllquei
que ela foi, quando operacional, recomenda·se uma visita que o que a articulista queria dizer era que o armamento
ao Museu de Marinha de Lisboa onde poderá admirar um previsto para a fragata «D. Fernando!! era constituldo por
belo modelo, primoroso de ligar e de pormenor, mandado cinquenta peças de artilharia, vinte e oito montadas na
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