Page 14 - Revista da Armada
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JANIMAIS






                                                ABORDO




                                           ~
                                                                                         Pelo  VALM Silva Braga



           VII-((MondegoJJ







               «Mondego» era o cão da canho-  o convés. ou viesse ladrarS:popa se   em acçAo as dentuças na carniça do
           neira ((IboN.  Conheci-o em Setembro   algum navio passasse demasiada-  compincha,  sÓ  terminando  por
           de 1921. quando, terminado o curso   mente perto da canhoneira.  Tinha   intervenção  alheia.  Nenhum  dos
           da Escola Naval, fui destacado para   as  suas  noções  de  distAncia,  não   dois se dava por vencido,  fugindo
           o navio. Fiz-lhe as minhas despedi·   admitindo que os vapores de Caci·   com o rabo entre as pernas. Briga
           das em Janeiro de 1922, para em-   lhas, ou quaisquer outros, fizessem   brava,  séria, luta  dura!
           barcar noutro barco.               barbas ao navio  -  seu  centro de   Velha  cisma,  rivalidade,  cujos
               Simpatizei  com  o  bicho,  mas   interesse.                     motivos sÓ eles conheciam. Nem o
           nlio posso  asseverar que  tenha  a   Ao apitar para saltar na embar-  tampo nem os anos lhes abranda-
           simpatia  sido  Jogo.  de  principio,   cação -  a  gasolina ou a  remos  -  ram o  ódio,  pejo contrário! É bem
           reciproca.                         em qualquer ponto que «Mondego»   paSSiveI que tudo girasse em volta
               «Mondego/J,  descendente  um   se encontrasse, dormindo, Danando   de amores ou preferfmcias de algu·
            tanto falsificado de cão da sef Ta  da   ou em conversa com marujos. lépi-  ma das muitas cachorras galdérias
           Estrela,  tinha o ~Jo preto,  emara-  do se dirigia ao portalÓ, para ser o   que vadiavam pelo Arsenal à  cata
           nhado,  crespo.  Não  manifestava   primeiro a  embarcar,  Tinha  lugar  de osso para rilhar ou de cAo  em·
           especial predilecção pelos oficiais.   escolhido na  embarcação: à  proa,   barcadiço. Isto,  é  claro, não passa
            Vivia  na  proa  com  os  marujos,   atravessado. patas dianteiras sobre   de mera hipÓtese, talvez tendência
           pertencia-lhes.  entretinha-os,    uma borda, trazeiras sobre a outra.   para  querer imaginar demais.
           divertia-os  e  também  ajudava,   Rabo  erecto,  focinho  inquieto,    E  por falar  em  briga.'  «Monde·
           como adiante se verá. Raras vezes   atento! Se o gasolina do rrCinco de   go»,  num  dos  seus  momentos  de
           entrava na coberta e não constava   OutubrOIl passasse perto levando o   mau  humor,  ferrou  um  dia  uma
           que  tivesse.  alguma  vez,  ousado   rrN~ufragOJJ,  outro cachorro de luzi·   dentada num dos engenheiros do
           pisar a  câmara dos oficiais.      dia pálo preto, latiam os dois raivo-  Arsenal. Este quis imediatamente
              Bicho inteligente, bem manda-   sos, enfurecidos, a querer brigar. Ia   liquidar o cão, mas alguém o conse·
           do,  conhecia  os  toques do clarim,   a tal ponto a inimizade que uma vez   guiu dissuadir. Por causa das dúvi·
           apitos e até as horas que o sino de   atiraram·se à água, passando a vias   das,  rrMondegoll  foi  internado  no
           bordo badalava! Dificilmente «Mon-  de factol                        canil,  ficando  duas  semanas  em
           dego» ferrava a sua SOnE:tca para ré   Cães cheios de personalidade, o   observação, por precaução. Todo o
           do mastro grande. o que não que-   «Mondego»  e  o  «Náufragoll!  Ao   tempo que permaneceu nas grades
           ria dizer que não percorresse todo   toparem-se em terra logo entravam  a excelência foi muito visitada pela

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