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Um dicionário de números
                         Um dicionário de números


              odos nós sabemos que um dicionário é um livro indispen-  ocupa. Tão depressa é extremamente adulado porque enriquece
              sável no nosso dia a dia. Nele se encontram, por ordem  os seus companheiros, como é completamente ignorado mesmo
         T alfabética, as palavras de um idioma com os seus signifi-  despresado, passando a ser um verdadeiro zero à esquerda.
         cados ou a tradução noutra língua.
           Todavia, se as palavras têm, como vimos, lugar próprio num  1
         dicionário, o mesmo não sucede com os números. E estes, não
         são menos importantes pois, de facto, não é possível viver sem  A unidade pode não ser, não é mesmo, um grande número,
         eles. Com eles se conta e se mede. Com eles se faz o cálculo do  mas é sem dúvida o mais usado, o mais frequente. Início de todos
         edifício onde vivemos ou da ponte que, com toda a segurança,  (ou quase todos) os sistemas de contagem, tem honras especiais
         atravessamos. Sem eles, queremos dizer, sem os números, as ciên-  no palanque do nosso quotidiano. De facto, quem é que não luta,
         cias não teriam progredido, as indústrias estariam no nível do pas-  não atropela para alcançar o seu lugar? E uma vez instalado,
         sado longínquo e, se tudo isso                                                 quem o quer abandonar?
         acontecesse, não poderíamos                                                      Este apetecido número tem,
         desfrutar os benefícios que                                                    todavia, uma característica que
         hoje experimentamos.                                                           lhe confere a maior respeitabi-
           Toda esta arenga para lem-                                                   lidade. Ao contrário de todos
         brar que, se não faltam dicio-                                                 os outros, é íntegro, incorruptí-
         nários convencionais, isto é, de                                               vel. Não se divide. Quando,
         palavras, o mesmo não sucede                                                   porém, a isso é forçado, frac-
         com os dicionários de núme-                                                    ciona-se e morre ao abandonar
         ros, que não há. Que não ha-                                                   o mundo dos dígitos - R.I.P.
         via. Há alguns anos atrás, foi                                                 (“Requiescat in pace”).
         publicado um dicionário deste
         tipo, onde vêm ordenados, em                                                   1.61803 39887 49894
         ordem crescente do seu valor,                                                  84820 45868 34365
         os mais importantes ou cu-
         riosos números da imensidão                                                      Este não é um número ter-
         existente.                                                                     reno. É conhecido pela divina
           Os números têm uma faceta                                                    proporção. O seu valor, que
         que gostaríamos de realçar.                                                    corresponde a   5+1  ,foi usado
                                                                                                     2
         Ao contrário das palavras não                                                  pelos geómetras e pintores do
         admitem sinónimos. Têm só                                                      passado. Euclides (c.300 AC)
         uma face. Poderíamos dizer:                                                    refere-se à divina proporção,
         uma só palavra. Todavia,                                                       mas no célebre papiro Rhind,
         quanto ao antónimo, admiti-                                                    de 1500 AC, já chama sagrada
         mos que poderá ter, em nu-                                                     a esta proporção. A sua mais
         merologia, uma figura equi-                                                    notável aplicação aparece-nos
         valente: o inverso, que corres-                                                nas duas maiores pirâmides de
         ponde a 1/n.                                                                   Gizé: Quéops e Quéfren,
           O dicionário que temos na                                                    onde aquele valor é pratica-
         nossa frente, da autoria de                                                    mente igual à relação entre a
         David Wells, foi publicado,                                                    altura de cada uma das faces e
         em 1986, por Penguin Books,                                                    a metade da largura da base.
         e tem por título Dictionary of
         curious and interesting num-                                                   2
         bers. Dele vamos extrair al-
         guns exemplos, onde salienta-                                                    Este número, que deu
         remos as características mais                                                  origem ao sistema binário
         interessantes, procurando usar                                                 inventado pelo matemático
         uma linguagem leve, pois temos perfeita consciência que os nú-  Leibniz (1646-1716) e que associava o 1 a Deus e o zero ao
         meros só são atractivos quando correspondem a uma cifra cho-  nada. Todavia, sabe-se que este sistema já tinha sido referido
         ruda na nossa conta de banco.                        pelos chineses (o que é que estes orientais não descobriram no
                                                              passado?).
         ZERO                                                  A sua consagração deve-se, porém, ao uso nos computadores,
                                                              onde 87=1010111. O que nos indigna é que no sistema de base
           Começamos mal! Será que o zero é um número? Ou é apenas  2 este número nunca aparece. Mas surge com toda a força na
         a sua ausência? Não vamos entrar nesta controvérsia mas apenas  fórmula física mais terrível que existe. Referimo-nos, natural-
                                                                                  2
         chamar a atenção do leitor para o facto do zero ser um jovem  mente, à fórmula E=mc , que Albert Einstein (1879-1955)
         imberbe, pelo menos em relação a todos os dígitos, e por isso  deduziu e que esteve na base das duas maiores destruições pro-
         merece toda a nossa maior simpatia. Efectivamente, nasceu em  duzidas pelo homem (neste caso, homem não merece H).
         parte incerta, falou árabe, mas só entrou na Europa quando um
         tal Leonardo de Pisa (c.1170-depois 1240) escreveu e divulgou o  3.14159 26535 89793 23846 26433 83279
         seu Liber Abaci, nos primeiros anos do século XIII.
           Mas para além de imberbe, o zero tem uma vida amargurada,   é, sem qualquer dúvida, o mais famoso de todos os
         uma dolorosa existência. O seu valor depende do lugar que  números. É a relação entre o perímetro da circunferência e o seu

         12 NOVEMBRO 98 • REVISTA DA ARMADA
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