Page 338 - Revista da Armada
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Um dicionário de números
Um dicionário de números
odos nós sabemos que um dicionário é um livro indispen- ocupa. Tão depressa é extremamente adulado porque enriquece
sável no nosso dia a dia. Nele se encontram, por ordem os seus companheiros, como é completamente ignorado mesmo
T alfabética, as palavras de um idioma com os seus signifi- despresado, passando a ser um verdadeiro zero à esquerda.
cados ou a tradução noutra língua.
Todavia, se as palavras têm, como vimos, lugar próprio num 1
dicionário, o mesmo não sucede com os números. E estes, não
são menos importantes pois, de facto, não é possível viver sem A unidade pode não ser, não é mesmo, um grande número,
eles. Com eles se conta e se mede. Com eles se faz o cálculo do mas é sem dúvida o mais usado, o mais frequente. Início de todos
edifício onde vivemos ou da ponte que, com toda a segurança, (ou quase todos) os sistemas de contagem, tem honras especiais
atravessamos. Sem eles, queremos dizer, sem os números, as ciên- no palanque do nosso quotidiano. De facto, quem é que não luta,
cias não teriam progredido, as indústrias estariam no nível do pas- não atropela para alcançar o seu lugar? E uma vez instalado,
sado longínquo e, se tudo isso quem o quer abandonar?
acontecesse, não poderíamos Este apetecido número tem,
desfrutar os benefícios que todavia, uma característica que
hoje experimentamos. lhe confere a maior respeitabi-
Toda esta arenga para lem- lidade. Ao contrário de todos
brar que, se não faltam dicio- os outros, é íntegro, incorruptí-
nários convencionais, isto é, de vel. Não se divide. Quando,
palavras, o mesmo não sucede porém, a isso é forçado, frac-
com os dicionários de núme- ciona-se e morre ao abandonar
ros, que não há. Que não ha- o mundo dos dígitos - R.I.P.
via. Há alguns anos atrás, foi (“Requiescat in pace”).
publicado um dicionário deste
tipo, onde vêm ordenados, em 1.61803 39887 49894
ordem crescente do seu valor, 84820 45868 34365
os mais importantes ou cu-
riosos números da imensidão Este não é um número ter-
existente. reno. É conhecido pela divina
Os números têm uma faceta proporção. O seu valor, que
que gostaríamos de realçar. corresponde a 5+1 ,foi usado
2
Ao contrário das palavras não pelos geómetras e pintores do
admitem sinónimos. Têm só passado. Euclides (c.300 AC)
uma face. Poderíamos dizer: refere-se à divina proporção,
uma só palavra. Todavia, mas no célebre papiro Rhind,
quanto ao antónimo, admiti- de 1500 AC, já chama sagrada
mos que poderá ter, em nu- a esta proporção. A sua mais
merologia, uma figura equi- notável aplicação aparece-nos
valente: o inverso, que corres- nas duas maiores pirâmides de
ponde a 1/n. Gizé: Quéops e Quéfren,
O dicionário que temos na onde aquele valor é pratica-
nossa frente, da autoria de mente igual à relação entre a
David Wells, foi publicado, altura de cada uma das faces e
em 1986, por Penguin Books, a metade da largura da base.
e tem por título Dictionary of
curious and interesting num- 2
bers. Dele vamos extrair al-
guns exemplos, onde salienta- Este número, que deu
remos as características mais origem ao sistema binário
interessantes, procurando usar inventado pelo matemático
uma linguagem leve, pois temos perfeita consciência que os nú- Leibniz (1646-1716) e que associava o 1 a Deus e o zero ao
meros só são atractivos quando correspondem a uma cifra cho- nada. Todavia, sabe-se que este sistema já tinha sido referido
ruda na nossa conta de banco. pelos chineses (o que é que estes orientais não descobriram no
passado?).
ZERO A sua consagração deve-se, porém, ao uso nos computadores,
onde 87=1010111. O que nos indigna é que no sistema de base
Começamos mal! Será que o zero é um número? Ou é apenas 2 este número nunca aparece. Mas surge com toda a força na
a sua ausência? Não vamos entrar nesta controvérsia mas apenas fórmula física mais terrível que existe. Referimo-nos, natural-
2
chamar a atenção do leitor para o facto do zero ser um jovem mente, à fórmula E=mc , que Albert Einstein (1879-1955)
imberbe, pelo menos em relação a todos os dígitos, e por isso deduziu e que esteve na base das duas maiores destruições pro-
merece toda a nossa maior simpatia. Efectivamente, nasceu em duzidas pelo homem (neste caso, homem não merece H).
parte incerta, falou árabe, mas só entrou na Europa quando um
tal Leonardo de Pisa (c.1170-depois 1240) escreveu e divulgou o 3.14159 26535 89793 23846 26433 83279
seu Liber Abaci, nos primeiros anos do século XIII.
Mas para além de imberbe, o zero tem uma vida amargurada, é, sem qualquer dúvida, o mais famoso de todos os
uma dolorosa existência. O seu valor depende do lugar que números. É a relação entre o perímetro da circunferência e o seu
12 NOVEMBRO 98 • REVISTA DA ARMADA