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PONTO AO MEIO-DIA




                              A Declaração Universal
                               A Declaração Universal

                                                        dos
                                                        dos


                                   Direitos do Homem
                                   Direitos do Homem


           J á tive ocasião de escrever, mais de  origem nacional, riqueza, nascimento ou  proliferação de democracias nos cinco
                                                                               continentes e a “autodeterminação” e a
                                             qualquer outra condição”. Curiosamente,
             uma vez, que considero o fim da
             Segunda Grande Guerra Mundial o  diga-se entre parêntesis e à boca pequena,  “libertação” dos povos colonizados.
          início de uma nova Era na História Uni-  este objectivo cria sérios embaraços aos  Mas não tenhamos ilusões: a saída dos
          versal. Ele constitui, sem dúvida, um dos  defensores dos regimes monárquicos.  colonizadores deu origem a outro tipo de
          mais importantes marcos na vida da  São por demais conhecidos os direitos  violações dos direitos humanos como a
          Humanidade.                        fundamentais à vida, à liberdade e à jus-  guerra civil, o genocídio, a tirania, a fome
            Foi a partir de 1945 que se verificaram  tiça. Sabe-se que ninguém pode ser sub-  e a pilhagem. Como se lê em recente edi-
          inovações assinaláveis ou consideráveis  metido a torturas e a tratamento desu-  torial do Diário de Notícias, há um cres-
          progressos na informação e nas comunica-  mano ou degradante. Ninguém pode ser  cente de sacrificados que se disporiam a
          ções, nas armas de destruição, na tecnolo-  arbitrariamente preso, detido ou exilado.  trocar a liberdade por uma refeição
          gia industrial, na medicina e na genética,  Também diz a Declaração que ninguém  decente.
          na metalurgia, na ecologia, na emancipa-  será sujeito a interferência na sua vida pri-  O Homem deixou para resolver no sé-
          ção da mulher e na desagregação da famí-  vada nem a ataques à sua honra. E há  culo XXI muitos problemas como a erradi-
          lia, na liberdade sexual, na autodetermina-  ainda os direitos à propriedade, à nacio-  cação da sida, o tráfico de droga e a des-
          ção dos povos e nas práticas terroristas, na  nalidade, ao matrimónio, ao trabalho, ao  poluição do ambiente. Mas deixou tam-
          difusão das drogas e na criminalidade  laser, à segurança social.    bém por resolver o cumprimento e a apli-
          organizada, na circulação de pessoas, mer-  A Declaração tem XXX artigos cuja  cação prática da Declaração Universal dos
          cadorias, capitais e ideias, nas orga-  leitura soa aos nossos ouvidos como  Direitos do Homem. Para isso muito po-
          nizações internacionais e regionais, nos há-  música celestial. São palavras bonitas com  derão contribuir uma maior sensibilização
          bitos de vida, na apropriação e na destrui-  escassa correspondência na vida real, mas  da opinião pública, o ensino dos Direitos
          ção dos oceanos, na exploração interpla-  que foram mesmo assim um passo  do Homem nas escolas e, sobretudo, a
          netária e, por último e não menos impor-  gigante na vida da humanidade. Pena é  instituição de um Tribunal Penal Interna-
          tante, na luta pelos Direitos do Homem.  que os artigos correspondam apenas aos  cional, em actuação permanente. Com ca-
            A 10 de Dezembro de 1948 a Assem-  padrões, aos hábitos e às práticas de meia  racterísticas e jurisdição diferentes do já
          bleia Geral das Nações Unidas, logo na  dúzia de países ocidentais socialmente  existente Tribunal Europeu dos Direitos
          sua III sessão ordinária, adoptou e procla-  mais evoluídos. A Declaração é, por  do Homem.
          mou a Declaração Universal dos Direitos  enquanto, tão-somente ou pouco mais do  Temos de reconhecer que a Amnistia
          do Homem, com a recomendação de o  que um projecto de vida, um ideal  Internacional tem desempenhado um im-
          seu texto ser “disseminado, mostrado,  comum a ser atingido por todos os povos  portante papel na denúncia e na inventa-
          lido e explicado, principalmente nas esco-  com o objectivo de cada indivíduo se  riação periódica das violações. Mas, como
          las e outras instituições educacionais, sem  esforçar por promover o respeito pelos  escreveu Medeiros Ferreira, não parece
          distinção nenhuma baseada na situação  direitos dos outros.          realista imaginar que a defesa da Declara-
          política dos países ou territórios”.  Infelizmente, não foram grandes os pro-  ção Universal dos Direitos do Homem po-
            A Declaração baseava-se no “reconheci-  gressos nos últimos cinquenta anos. Só em  de ficar entregue a  organizações não go-
          mento da dignidade inerente a todos os  guerras e perseguições raciais, religiosas  vernamentais sem o protagonismo dos
          membros da família humana e dos seus  ou políticas morreram nesse intervalo tan-  poderes públicos. Sem o empenhamento
          direitos iguais e inalienáveis”, como fun-  tos seres humanos como durante a Se-  dos Estados não há defesa efectiva dos
          damento da liberdade, da justiça e da paz  gunda Guerra Mundial. A pena de morte,  direitos humanos. A este respeito, dizia o
          no mundo.                          a tortura e os maus tratos físicos e morais  nosso Prémio Nobel de Literatura, aliás
            Segundo o seu preâmbulo, o desprezo e  ocorrem em todo o mundo, até no seio da  sem grande originalidade, duvido que os
          o desrespeito pelos direitos do homem ul-  família. Milhões de seres humanos mor-  governos façam, nesta matéria, nos próxi-
          trajam a consciência da humanidade, im-  rem de fome, de epidemias ou sem  mos cinquenta anos o que não puderam
          pondo-se que eles sejam protegidos pelo  assistência médica. Um pouco por toda a  ou não quiseram fazer nos cinquenta anos
          império da lei, “para que o homem seja  parte se encontram refugiados, desaloja-  que agora celebramos. E dizia ainda “é
          compelido, como último recurso, à rebe-  dos ou mutilados. A justiça ou é lenta ou  mais fácil ao homem chegar às pedras de
          lião contra a tirania e a opressão”.  precária ou não existe.        Marte do que chegar ao seu semelhante”.
            O objectivo principal da Declaração é  Em relação aos tempos anteriores à  Mas, apesar de todos os pessimismos, a
          criar a compreensão de que “todos os ho-  Declaração, houve uma forte melhoria na  Declaração Universal muito contribuiu
          mens nascem livres e iguais em dignidade  denúncia das violações e na sua conde-  para fazer do nosso século, como lhe cha-
          e direitos” (...) “sem distinção de qualquer  nação pela opinião pública internacional.  ma João Paulo II,  o século dos direitos
          espécie, seja do sexo, língua, religião,  Conseguiu-se uma acção notável das  humanos.
          opinião pública ou de outra natureza,  grandes organizações internacionais, uma        E. H. Serra Brandão

                                                                                       REVISTA DA ARMADA • FEVEREIRO 99  5
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