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Poder Marítimo:
                                 Poder Marítimo:


                             Tradição e Ciência
                              Tradição e Ciência



         A TRADIÇÃO HISTÓRICA:
         O BINÓMIO COMÉRCIO/DEFESA

                passado marítimo de Portugal está tão dis-
                tante como a fundação da nacionalidade. As
         O análises a esse passado centram-se quase
         exclusivamente nos feitos militares, enfatizam as
         grandes armadas e os combates navais, e esquecem
         que o país nasceu e se afirmou no contexto interna-
         cional, devido ao poder resultante da ampla articu-
         lação de actividades políticas, económicas, sociais e
         militares ligadas ao mar.
           Apesar de as práticas política e estratégica
         nacional, nos reinados de D. Dinis e de D. João II,
         evidenciarem o claro entendimento deste facto, é só
         em meados do século XVI que Fernando Oliveira
         publica a “Arte da Guerra no Mar”, um importante
         tratado de estratégia marítima, que sistematiza e
         define os conceitos de uso e de controlo do mar. Na
         sua opinião a operacionalização destes conceitos
         requer capacidades de presença, de protecção e de
         projecção de força, para além de navios mercantes,
         de bases e de entrepostos comerciais. Desta forma
         simples e clara, Fernando Oliveira identificou os factores do  comanda o comércio mundial comanda as riquezas do mundo
         poder marítimo que estimularam a ascensão de Portugal como  e, consequentemente, o mundo”.
         potência mundial nos séculos XV e XVI.                Se, no passado, o poder marítimo centrado nos conceitos de
           Não haverá grandes dificuldades em admitir a semelhança  uso e de controlo do mar, viabilizou a prossecução de um leque
         entre a doutrina estratégica concebida por aquele grande estrate-  alargado de objectivos geopolíticos, estamos convictos que, no
         gista português, centrada nos conceitos de uso e de controlo do  futuro e numa perspectiva tradicional centrada nesses conceitos,
         mar, e a preconizada por Alfred T. Mahan no século XIX, que  moldará o destino dos Estados.
         levou os governos do Reino Unido, da Alemanha, do Japão e,  A título exemplificativo vejamos o caso do comércio maríti-
         mais tarde, dos Estados Unidos, a adoptar esses mesmos con-  mo. No passado, as nações que organizaram as suas economias
         ceitos, a reajustar as missões das suas marinhas e a estruturar os  em torno desta actividade dominaram o mundo. Presentemente,
         respectivos sistemas de força naval, muito antes de se  a generalidade dos cidadãos não entende a importância do
         envolverem em violentíssimas confrontações recíprocas. Na  comércio marítimo, devido ao distanciamento entre os portos e
         realidade, Fernando Oliveira e Mahan, cada um na sua época,  os centros urbanos, que torna a actividade marítima invisível ao
         não se limitaram a interpretar a história. Fizeram história! A par  cidadão comum. Este, só reconhece o significado do comércio
         desses dois vultos do pensamento estratégico marítimo mundial,  marítimo quando alguma perturbação de cariz sócio-profissional
         parece justo lembrar Sir Walter Raleigh, que em 1616 enfatizou  ou de segurança afecta o normal funcionamento do sistema de
         a importância do poder marítimo escrevendo:          transporte e de distribuição dos bens de consumo. Apesar da
           “Quem comanda o mar comanda o comércio mundial; quem  evidência deste alheamento, a globalização económica con-
                                                              tribuiu para que o comércio marítimo se intensificasse entre
                                                              todos os continentes, numa escala sem paralelo ao nível da efi-
                                                              ciência e da eficácia, sendo o custo do transporte virtualmente
                                                              negligível, facto que estimulou as afinidades e o desenvolvimen-
                                                              to dos litorais.
                                                               A globalização económica e o papel do transporte marítimo,
                                                              sobretudo no que se relaciona com os recursos estratégicos,
                                                              condicionam claramente a política mundial, em virtude de qual-
                                                              quer perturbação ter repercussões planetárias. O petróleo, con-
                                                              siderado indispensável nos dias de hoje, será apenas um dos
                                                              recursos vitais transportados por mar. Se tomarmos como válido
                                                              um certo sentido de continuidade dos grandes fenómenos políti-
                                                              co-estratégicos, afigura-se plausível considerar que as ameaças à
                                                              liberdade de circulação nos oceanos, existentes no passado, se
                                                              verificarão novamente no futuro. Por isso, só Estados cujas mari-
                                                              nhas militares mantenham as missões clássicas de presença, de
                                                              protecção e de projecção de força, necessárias ao uso e ao con-
                                                              trolo do mar, terão capacidade para satisfazer os anseios de
                                                              segurança, de progresso e de bem-estar dos seus cidadãos, isto
                                                              é, para promover um futuro melhor.

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