Page 188 - Revista da Armada
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civil está preocupantemente asfixiado em toda a escala vertical de De facto, é antes a constatação da realidade objectiva feita por uma
categorias onde faltam mais de 500 funcionários, desde as áreas técni- Marinha que, estoicamente, pretende continuar a servir o seu País,
co-científicas às dos trabalhadores menos qualificados. De facto, tanto desempenhar as missões que dela se espera, apesar de a componente
corremos o risco de continuar a exaurir a equipa de cientistas do mar do seu orçamento para funcionamento, ter decrescido, desde 1993, a
como de continuar a parar salva-vidas por falta de tripulantes. É preços constantes desse ano, 28% e de o seu orçamento global ter
uma situação que classifico de muito séria e para a qual espero as diminuído 16%.
soluções, que tenho, repetidas vezes, solicitado. São valores dramáticamente altos e serão ainda mais incompreen-
Não se situam, contudo, apenas em aspectos quantitativos as difi- síveis se se considerar que, no mesmo período de tempo, a despesa
culdades na área dos recursos humanos. Há também que ter em pública do País subiu 44%, também a valores constantes de 1993!
linha de conta a capacidade para atrair para a Marinha pessoas com Entendemos as dificuldades das finanças públicas e por isso nos
qualidade intrínseca e para as reter depois de as formar. E isso está a compete uma quota parte de esforços de rentabilização do sector
ser cada vez mais difícil com fortes culpas para a instituição Estado estatal, que não engeitamos. São disso prova os indicadores de gestão
que esquece, frequentemente, a justiça e a equidade que deve aos disponíveis, assim como é inequívoca a vontade de colaborar na
seus servidores e a atenção que tem de prestar, com oportunidade, rentabilização dos recursos nacionais, colocando ao dispor do País as
aos que a ele, como os militares, se dedicam, até com o compromisso capacidades da Marinha na área do serviço público.
de chegar à situação extrema do sacrifício da vida. Essa compreen- É nessa linha que temos vindo a propugnar pela clarificação do
são, se existe, não tem sido traduzida, na prática, em recompensa Sistema de Autoridade Marítima, preenchido por um conjunto coe-
material, pelo menos equilibrada em termos relativos, nem em medi- rente de competências, essencialmente na área da salvaguarda de
das regulamentares de agilidade compatível com a dinâmica das vida humana no mar e da preservação dos recursos, vivos, inertes,
questões de carreira quer se trate de militares, de militarizados ou de culturais e ambientais do mar e da faixa terrestre do domínio público
civis. Esperemos que a situação se altere sem provocar mais danos marítimo. O sistema tem tradições ininterruptas na Marinha com
morais nem introduzir indesejáveis fermentos na massa humana. origem distante de séculos, suporta-se na sua capacidade técnica e
O problema mais importante da Marinha de hoje e do futuro é o logística e enriquece-se na vocação, competência e saber dos seus
envelhecimento da sua Esquadra. E como não há marinha sem marinheiros.
navios, onde não houver renovação, o zero naval aparecerá. Em Tem a racionalidade da aproximação sistémica às questões maríti-
Portugal, nos últimos 26 anos, deu-se, para esse fim, um contributo mas, consideradas independentemente de se situarem no mar ou na
negativo muito forte ao adquirir-se, apenas, de significativo, 3 navios faixa ribeirinha, usando navios oceânicos e costeiros ou meios das
novos – as fragatas “Vasco da Gama”. Por isso, não é de estranhar capitanias.
que a esmagadora maioria das unidades navais necessite substitui- É certamente por estas vantagens funcionais e, sobretudo finan-
ção, por limite de idade ultrapassado. O interesse nacional exige a ceiras, que marinhas europeias sem essa tradição se têm estado a
existência de forças armadas com uma Marinha constituída por envolver neste tipo de serviço público, para além daquelas que, tradi-
núcleos de capacidades de dimensão adequada à do País. Conse- cionalmente, lhe dão continuidade.
quentemente, não se pode perder mais tempo na sua renovação, que Por isso, tenho dificuldade em entender que haja quem procure
considero já perigosamente adiada. soluções diferentes desta, com grandes acréscimos de custos finan-
A capacidade submarina tem demorado anos demasiado ceiros e de pessoal, numa altura em que tanto se fala na redução da
numerosos para ser possível garantir continuidade entre a actual despesa pública.
esquadrilha e a futura. Esperemos pois que as nossas vozes sejam ouvidas.
A capacidade de projecção de força que terá como sustentáculo
principal o navio polivalente logístico com valências anfíbias, teve, no Senhor Ministro da Defesa Nacional,
despacho conjunto de autorização para a negociação com estaleiros
nacionais do seu contrato de construção, um factor de avanço signi- Renovo os agradecimentos da Marinha pela presença de V. Exª na
ficativo. É preciso que os recursos financeiros não falhem no momen- sua cerimónia mais emblemática e reafirmo, publicamente, que pode
to da concretização. o Governo contar com a inquestionável vontade da Marinha em con-
A sua falta tem sido bem sentida em vários empenhamentos de tinuar a servir o País de forma determinada e persistente, embora
forças nacionais no estrangeiro, assim como nos impede de ser apenas com a capacidade dos meios e recursos, que lhe forem
aceites na “European Amphibious Initiative”, constituída por meios atribuídos. A cultura que nos é própria resulta do saber acumulado
anfíbios do Reino Unido, França, Espanha, Holanda e Itália. ao longo de séculos, endurece-se na forja do mar e tem a espontanei-
A componente naval para o exercício da autoridade do Estado nas dade que este nos ensinou. Por isso, nos entregamos de espírito aber-
nossas águas jurisdicionais e para a busca e salvamento nas áreas de to e franco a todas a missões que procuramos cumprir com a com-
responsabilidade nacional deverá, primordialmente, ser objecto de petência de que somos capazes. Esta é postura que tem caracterizado
um contrato-programa, visando a construção dos 12 navios os homens e as mulheres militares, militarizados e civis que neste
necessários – 10 patrulhas oceânicos, um navio de combate à Ramo das Forças Armadas servem a Nação donde emanam. E ainda
poluição e um navio balizador. Com estes meios substituir-se-ão as bem que a sociedade civil assim nos entende, como transparece, por
10 velhas corvetas, os 10 patrulhas “Cacine” e o balizador “Schultz exemplo, num artigo recente de António Barreto que, parcialmente,
Xavier”, garantir-se-á uma eficácia acrescida na execução das missões cito:
de interesse público e reduzir-se-á, em cerca de 800 homens, os efec- “O acidente de Castelo de Paiva revelou-me algo que não estou perto de
tivos necessários ao preenchimento das guarnições. esquecer: um corpo de marinheiros e mergulhadores que não cessou de provo-
A autorização para negociar o contrato dos dois primeiros navios car a minha admiração. E a de muitos compatriotas, creio. Nem saberei dis-
já foi dada e a Marinha espera ansiosamente que as fontes de finan- tinguir o que mais impressionou, se a coragem, o esforço, a reserva, a
ciamento tenham expressão real e visem a totalidade do programa, já seriedade ou o aprumo. Aqueles marinheiros, mostraram, sem exibição, uma
que se trata de meios não abrangidos pela Lei da Programação dedicação a toda a prova. E um profissionalismo de excepção, aliado a uma
Militar, por opção governamental. humanidade sem mácula”.
A Esquadra para operar e ser mantida precisa, obviamente, de
apoios de terra e de recursos financeiros. Estes têm sido, sobretudo Finalizo, exortando todos os que no início deste milénium servem
nos últimos anos, de uma escassez asfixiante. Acresce tratar-se de na Marinha a seguirem o exemplo dos nossos antepassados que a
uma componente orçamental disponibilizada de forma irregular e meio do milénium passado deram novos mundos ao Mundo.
agravada por retenções às vezes até contrárias às directivas supe-
riores recebidas. E não se pense que esta referência traduz um qual- Se assim for, de novo conquistaremos a distância dos nossos
quer pessimismo institucional. objectivos.
6 JUNHO 2001 • REVISTA DA ARMADA