Page 193 - Revista da Armada
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aconteceu pelo menos em duas circuns- obrigatória com a carta que o monarca
tâncias específicas, como já se viu. dirige ao vice-rei da Índia com data de
O terceiro volume é no essencial o 31 de Janeiro de 1614 (2), por outro acei-
copiador de D. António. Nele ficaram ta-se que um navio possa sair antes da
registados vários documentos que lhe armada se estivesse aprestado e as cir-
diziam respeito, mormente os relativos ao cunstâncias o exigissem (3).
seu comando da armada da costa e das A insistência dos ataques aos navios
medidas que tomou, incluindo a criação que faziam a Rota do Cabo, sobretudo a
do primeiro corpo de infantaria de mari- partir dos inícios do século XVII, justifi-
nha e o documento de nomeação como cou que neste caso se tomassem pre-
capitão-geral da armada da coroa de cauções especiais, patentes na severidade
Portugal. das penas para quem não as cumpria.
O regimento da armada da costa de Intenções claras mas não definitivas:
1618 é um dos poucos conhecidos do chamados em 1635 a opinar junto do
género, mas o “Regimento que dei aos Conselho da Fazenda sobre a navegação
cappitaes da Armada” é mais raro ainda: para a Índia, dois experimentados pilotos
trata das instruções que D. António trans- da Carreira foram de parecer que as naus
mitiu por escrito aos capitães dos navios deviam evitar escalar Angola, Santa
da armada da costa que comandou em Helena, Brasil e Ilhas (4), o que quer
1618. Não deixa de ser curioso que sub- dizer que o regresso em rota batida não
sistam tão poucos documentos deste tipo se impusera definitivamente.
(há mais dois nas Curiosidades de Um dos responsáveis pelas medidas
Gonçalo de Sousa), uma vez que tudo tomadas foi D. António de Ataíde, que
leva a crer que a prática era vulgar, em 1611 levou a incumbência de anali-
nomeadamente desde o momento em sar o regimento dado na Carreira e suge-
que as armadas começaram a navegar em rir alterações. Resultou daí um par de
conserva (hoje dir-se-ia em comboio) documentos preciosos chegados até nós:
para prevenir com mais eficácia os um é a versão integral do regimento que
ataques inimigos. lhe foi dado em 1611, o outro é uma Filipe IV de Espanha (III de Portugal). Velasquez, Museu
As vantagens da navegação em conser- cópia parcial, densamente anotada pelo do Prado.
va estão consignadas desde os primórdios seu punho. Um caso único, o de um regi-
da carreira da Índia, cujos procedimentos mento da Carreira anotado pelo capitão- dades registadas em Harvard, dado os ele-
de navegação se conhecem melhor; -mor aconselhando o rei quanto às mentos de identificação providenciados
primeiro foi a segurança da navegação a mudanças que era necessário fazer (5). A por Boxer já estarem desactualizados. Ao
justificar a directiva em causa, depois nosso ver, este foi um dos pareceres em fim de quase dois anos de porfiados
passou a ser a segurança militar, moti- que o monarca se baseou para determi- esforços a cópia dos códices chegou final-
vando aliás soluções muito díspares para nar que a viagem de regresso se passasse mente a Lisboa, e pudémos então con-
resolver o mesmo problema: por um lado a fazer sem escalas. sultá-los, como têm feito depois outros
a torna-viagem em rota batida torna-se Estes documentos não pertencem aos có- investigadores. A Biblioteca viu aumentar
dices a que nos referimos, mas assim o importante núcleo de cópias de
ajudam a perceber a extraor- documentos que tem obtido de diversos
dinária importância de que se arquivos e bibliotecas estrangeiras, que
reveste o arquivo de D. António, muito facilitam a pesquisa dos interessa-
e não apenas para o estudo da dos na História da Marinha Portuguesa, já
arqueologia naval portuguesa. que, como bem se sabe, muita infor-
Esperamos tê-lo deixado pa- mação documental que lhe diz respeito
tente por este breve apon- não se guarda já no nosso país.
tamento, embora fosse preciso
muito mais para sequer fazer
um resumo de todos os mate- Doutor Francisco Contente Domingues
riais. Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Academia de Marinha
O facto de estarem há longos
anos fora de Portugal justifica
em boa parte o seu desconheci- Notas
mento, e só há pouco tempo a
Biblioteca Central da Marinha (1) Temos este documento em estudo para publi-
adquiriu uma cópia integral dos cação a curto prazo.
(2) Documentos Remettidos da India…, dir. R. A.
três códices. Esta aquisição foi Bulhão Pato, Tomo III, Lisboa, Typographia da
possível graças ao empenho do Academia Real das Sciencias, 1885, pp. 32-34.
Senhor Almirante Vítor Crespo, (3) Maria Emília Madeira Santos, O problema da
Director da Biblioteca na altura segurança das rotas e a concorrência luso-holandesa
em que sugerimos que aquela antes de 1620, Lisboa, IICT, 1984, pp. 15-16.
(4) V. Alberto Iria, Da Navegação Portuguesa no
instituição procedesse à compra Índico no Século XVII, Lisboa, CEHU, 1963, p. 55.
de uma fotocópia dos códices (5) Estes documentos foram publicados por
dado o evidente interesse dos Francisco Contente Domingues e Inácio Guerreiro,
materiais aí contidos. O Director “D. António de Ataíde, capitão-mor da armada da
da Biblioteca não só acedeu de Índia de 1611”, in A Abertura do Mundo. Estudos de
História dos Descobrimentos Europeus em
Folha do códice de D. António de Ataíde, onde consta um orçamento imediato como não desistiu de a Homenagem a Luís de Albuquerque, vol. II, Lisboa,
de despesas para a esquadra de 1621. concretizar, apesar das dificul- Presença, 1987, pp. 51-72.
REVISTA DA ARMADA • JUNHO 2001 11