Page 6 - Revista da Armada
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PONTO AO MEIO-DIA
Ética Militar
Os imperativos da obediência
obediência é uma virtude mili- O imperativo técnico da obediência Como aproximação aos imperativos
tar suprema, essencial ao assumiu especial relevância desde que legais da obediência, pode referir-se
A cumprimento pronto e efi- as tecnologias de telecomunicações que os militares só devem acatar
ciente das ordens legais dos legítimos permitiram a intervenção, permanen- ordens que impliquem actos legais,
superiores hierárquicos. Todavia, para temente e em tempo real, do decisor emanados de autoridades legiti-
permitir desempenhos de carácter político no campo de batalha. Nem mamente instituídas. Nem sempre é
nacional, deve ser fundada num ideal sempre o político resiste à tentação de fácil ou possível actuar desta forma.
de competência profissional, materia- invadir a esfera de competência técni- Primeiro, porque há acções que, sendo
lizado nas tradições e no espírito de ca do militar, querendo dirigir as legais à luz do direito interno, quando
serviço público, factores unificadores operações e, até, por vezes, as acções praticadas no estrangeiro perdem esse
e motivadores das Forças Armadas. tácticas elementares. Tal atitude repre- carácter; outras vezes, as acções estão
Por isso, a obediência não pode senta uma violação e uma adulteração feridas de inconstitucionalidade no
depender dos gostos ou das dos padrões profissionais do militar, próprio país. Quando surgem dúvidas
afinidades sociais, económicas, políti- podendo originar um conflito entre a é sempre prudente ouvir a opinião de
cas ou religiosas de cada indivíduo; obediência devida ao político e a com- juristas. Se a urgência da acção não
deve resultar de um padrão comum e petência técnica ameaçada pelo políti- permite, ou se a isenção dos juristas é
coerente de atitudes, valores e visões co. Para evitar os graves inconve- questionável, cabe ao militar decidir
que fazem parte da ética militar. nientes desta situação, o político deve em consciência com a interpretação
preocupar-se com os objectivos e as que faz da lei.
A obediência dos militares está modalidades de acção, para que o mi-
sujeita a imperativos de ordem políti- litar possa conduzir a acção armada A obediência moral do militar é
ca, técnica, doutrinária, legal, moral e tirando pleno partido da sua com- exactamente igual à de qualquer outro
operacional. No início de um novo petência especializada. cidadão. Assume grande relevância
século, durante o qual os Estados, em situações de conflito e está pro-
grandes e pequenos, ricos e pobres, No campo doutrinário a obediência fusamente ilustrada por massacres de
continuarão a empenhar as suas rígida e inflexível impede que surjam população civil em territórios ocupa-
Forças Armadas em operações de paz, novas ideias e torna os militares dos. O Kosovo e Timor são exemplos
onde se verificam complexas inter- muito conservadores ao nível dos muito recentes onde os militares
acções com os decisores políticos e as conceitos estratégicos. Como afirmou devem ser responsabilizados pelos
populações civis, é importante perce- Liddel Hart "só há uma coisa mais seus actos, não podendo confundi-los
ber esses imperativos, porque regulam difícil do que pôr na cabeça de um ou justificá-los com base em ordens
o relacionamento profissional dos militar uma ideia nova, é tirar a anti- dos seus superiores, ou invocando as
militares entre si e com os que não são. ga". Por vezes, a autoridade dos ofici- chamadas razões de Estado. Naquelas
ais hierarquicamente superiores não circunstâncias, embora o militar deva
Ao militar cumpre operacionalizar a reflecte maiores conhecimentos teóri- obediência como soldado, como Homem
política do Estado, através do cos. Este desequilíbrio é especial- cumpre-lhe desobedecer.
emprego da força armada, o que deve mente visível nos estados-maiores e
ser feito colocando a competência nos estabelecimentos militares de Do ponto de vista operacional a obe-
especializada adquirida com a for- ensino superior, com responsabili- diência é essencial para se alcançarem
mação, o treino e a experiência profis- dades na produção e na difusão de os objectivos militares superiormente
sional, ao serviço de uma absoluta doutrina, onde oficiais de diferentes definidos. Os comandantes devem ser
neutralidade política. Este dogma da postos participam na actividade competentes, o que não impede os
obediência militar, em democracia sig- reflexiva e formativa. Quando se veri- erros inerentes às decisões de qual-
nifica servir com independência os ficam estas condições, por vezes que- quer ser humano. No entanto, normal-
fins do Estado: informando as autori- bra-se a obediência hierárquica. mente, a obediência pronta às suas
dades políticas sobre os meios Porém, antes que isto aconteça, o su- ordens evita consequências mais
necessários para garantir a segurança bordinado deve ajuizar cuidadosa- gravosas que as decorrentes dos even-
nacional; analisando e relatando as mente a oportunidade de apresen- tuais erros. Por isso, a obediência
implicações militares das diferentes tação das suas teses doutrinárias, operacional nunca deve ser posta em
linhas de acção política adoptadas avaliando se o que se ganha em efi- causa por disputas de competência.
para o Estado; e operacionalizando as ciência na instituição militar é superior
decisões políticas sobre segurança aos prejuízos que decorrem das per-
militar, mesmo quando não se concor- turbações que provoca na cadeia de António Silva Ribeiro
da com a opção escolhida. comando. CFR
4 JANEIRO 2001 • REVISTA DA ARMADA