Page 222 - Revista da Armada
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PONTO AO MEIO-DIA
A Consciência
Estratégica dos Oceanos
o passado os oceanos foram direitos de navegação desencadearam Hoje, tal como no passado, a consciên-
associados à abundância de complexas disputas, o vertiginoso apro- cia estratégica dos oceanos tem como
N recursos, isto é, como sistemas fundamento das interacções globais instrumentos decisivos a investigação
capazes de resistir a todos os regimes de ocorrido nas últimas décadas e a cres- científica e a coacção militar. A investi-
exploração. Em simultâneo, afirmou-se o cente importância do mar como factor gação científica actua como potenciador
conceito de liberdade dos mares, basea- determinante do desenvolvimento sus- do conhecimento e da tecnologia. Por
do no exercício do direito de navegação. tentado, levou a que a consciência isso, é essencial para se encontrarem as
Porém, o uso intensivo do mar praticado estratégica dos oceanos agregasse outras soluções e os recursos adequados aos
a partir do século XV, tornou evidente duas vertentes fundamentais: a segu- jogos de interesses marítimos dos
que, na exploração dos recursos e na rança económica e a preservação am- Estados. A coacção militar é viabilizada
navegação, não se poderiam acomodar biental. pelo facto de 85% dos Estados ter litoral
todos os interesses da Humanidade. A segurança económica nos oceanos e pela existência de cerca de 150 mari-
Como consequência da progressiva depende da capacidade de os Estados nhas de guerra em todo o mundo, desde
redução das condições de abundância e costeiros conterem os efeitos das activi- os EUA, num extremo do espectro, até às
de liberdade, emergiu a consciência dades criminosas e resistirem às formas forças residuais de fiscalização costeira
estratégica dos oceanos. de coacção que fazem uso do mar. As de alguns países. Entre estes dois pólos
Na actualidade verifica-se que diver- actividades criminosas incluem o tráfico verifica-se uma considerável variedade
sos Estados, tendo reclamado para si de drogas, o contrabando de armas, a de capacidades. Salienta-se, contudo, que
direitos de soberania sobre vastos pesca ilícita e a pirataria. A coacção eco- as marinhas de média dimensão conti-
espaços marítimos, não demonstram nómica pode ser materializada pela nuam a aumentar em número. As peque-
capacidade para garantir a utilização imposição de restrições à circulação nas marinhas, apesar de limitadas em
racional desses espaços. Por isso, outros marítima do petróleo, dos bens alimenta- meios, podem lançar desafios sérios,
revelam um crescente desejo para ampli- res e das matérias-primas essenciais. Os especialmente no contexto das operações
ar as suas competências: pretendem Governos têm cada vez mais dificuldade de baixa intensidade. Como a maioria
alargar a autoridade económica sobre o em preservar a ordem pública em terra, das acções se desenrola no litoral, navios
solo e subsolo marinhos até às 350 mi- quando são incapazes de garantir a segu- rápidos e armados com mísseis dificul-
lhas da costa, de forma a garantir a rança económica nos oceanos. Porém, tam o uso do mar. Se forem apoiados por
exclusividade da exploração dos recur- como esta não pode ser conseguida à submarinos, a manutenção de um ade-
sos naturais; ou tentam estender a juris- custa de mais restrições à liberdade de quado controlo do mar torna-se muito
dição territorial aos espaços marítimos navegação, torna-se necessário reforçar mais complexo para o opositor.
adjacentes, condicionando assim a liber- as acções de vigilância e de dissuasão no Embora a resolução dos problemas
dade de navegação nos mares litorais. mar. decorrentes das disputas pelo uso do
Como sempre aconteceu nas disputas A preservação ambiental dos oceanos mar se situe, preferencialmente, nos cam-
sobre fronteiras marítimas, os países determinará, em larga medida, o futuro pos jurídico e diplomático, não dispensa
mais desenvolvidos provocam alte- da vida no planeta. Apesar da evidência nem a investigação científica, nem os
rações do Direito Internacional, de for- deste facto, o Homem continua a poluí- instrumentos de força que sustentam e
ma a evitar que as restrições à explora- -los deliberadamente com produtos credibilizam os processos judiciais e
ção dos recursos e à liberdade de nave- extremamente perigosos, que destroem negociais. Neste contexto, a única forma
gação prejudique os seus interesses. os ecossistemas marinhos. A ciência e a de um pequeno país como Portugal
Invariavelmente preconizam que essas tecnologia permitem reduzir os impactes preservar os seus interesses, implica a
mudanças são um acto político com das actividades humanas. Todavia, satisfação de três requisitos essenciais:
consequências económicas, e não um serão necessários mecanismos interna- capacidade científica efectiva para a in-
acto deliberado que tem como objectivo cionais de coacção, que assegurem o vestigação no mar, que sustente com
alcançar benefícios económicos. Em cumprimento das regras ambientais. No credibilidade as nossas reivindicações
consequência, a regulamentação do uso curto prazo não se passará das dis- sobre a plataforma; capacidade de con-
do mar continuará a ser feita à margem cussões e críticas nos fora internacionais. tenção de actividades criminosas e lesi-
da solidariedade na exploração dos No futuro, quando os actuais processos vas do ambiente e dos recursos naturais,
recursos e sem equidade na liberdade industriais não condicionarem o pro- quer no litoral quer na ZEE; capacidade
de navegação. gresso dos países ricos, estes preconi- militar que garanta a protecção e a dis-
O conceito de consciência estratégica é zarão sanções económicas e utilizarão as suasão contra formas de coacção que
essencial para percebermos que o mar é suas forças navais para eliminar os focos tirem partido do mar.
um campo de batalha onde se esgrimem de degradação ambiental existentes nos
as vontades políticas dos Estados. Se, no países com menores índices de desen- António Silva Ribeiro
passado, os regimes de exploração e os volvimento. CFR
4 JULHO 2002 • REVISTA DA ARMADA