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A última exposição
                                  A última exposição

              da Comissão dos Descobrimentos
              da Comissão dos Descobrimentos




            Outro mundo novo vimos,
            Per nossa gente se achar,
            E o nosso nauegar
            Tam grande, que descobrimos
            Cinco mil leguas per mar

               ersos da Miscelânea de Garcia de Resende, e variedade de
               histórias, costumes, casos e cousas que em seu tempo acontecerão,
         Vde onde saiu o tão sugestivo título da exposição apresen-
         tada no Museu Nacional de Arte Antiga, pela Comissão Nacional
         para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, de 21 de Julho
         a 4 de Novembro do passado ano de 2001. Foi concerteza a sua última
         grande realização e merece realce, não só pela forma como foi conce-
         bida, como pela riqueza dos objectos que conseguiu reunir. A sala de
         exposições temporárias do Museu de Arte Antiga é propícia à exi-
         bição deste tipo de material, e a distribuição dos diferentes núcleos
         permitiu uma leitura global do processo dos Descobrimentos
         Portugueses. Ali estava o “outro mundo novo...” que viram os por-
         tugueses do século XV e XVI, depois de terem navegado “cinco mil
         léguas” por mar, de terem explorado a costa ocidental africana, de
         terem chegado à Índia, a Malaca, às ilhas das especiarias e à China, de
         terem encontrado a América do Sul e de, em todos estes locais, terem
         conhecido novas gentes, novos costumes e novas riquezas.
           Descendo a escadaria que dá acesso ao piso inferior – onde está a
         sala de exposições temporárias – deparamo-nos com uma magnífica
         tapeçaria de lã e seda, com fio de ouro e prata, feita em Bruxelas por
         alturas de 1530, representando Júpiter e Juno – o rei e a rainha dos  A Terra protegida por Júpiter e Juno - G. Wezeler - Real Monasterio del Escorial.
         céus, na mitologia latina – protegendo toda a terra, com um gesto
         carinhoso da mão. Mas, neste caso, as figuras dos dois deuses são,  gens da recuperação psicológica e retoma, quer no Norte de África,
         também, D. João III e D. Catarina, rei e raínha de Portugal, no auge  quer no Oceano Atlântico: a tapeçaria que representa a ocupação de
         da Expansão Portuguesa. Estamos, pois, perante a representação  Tânger, a carta de Pedro Reinel, com a costa africana até à foz do
         simbólica de um império resplandecente, numa tapeçaria riquíssima,  Zaire, e o padrão de S.to Agostinho, colocado por Diogo Cão, em
         que marca o princípio da exposição. Por aí se entra numa sala ampla,  1482, a sul da actual Benguela. (*)
         onde se mostram antigas edições (raras) dos principais textos que  O segundo núcleo segue para a esquerda da antecâmara anterior-
         relatam a gesta portuguesa quinhentista (Camões, Fernão Mendes  mente referida, e é nesse sentido que vai desenrolar-se todo o resto
         Pinto, Barros, Castanheda, etc.), enquadrados por duas magníficas  da exposição. Tem como título, As Gentes, e evoca alguns dos prota-
         tapeçarias de lã e seda, representando – a primeira - a chegada de  gonistas da Expansão. Talvez não se possa contar dentro das me-
         Vasco da Gama à Índia e as negociações com o Samorim de Calecut,  lhores partes da exposição (e digo isto porque há, de facto, núcleos de
         e – a segunda – o  descerco de Diu, de 1546 (esta última pertence ao  grande valor artístico e histórico), parecendo-me haver algum dese-
         Kunsthistorisches Museum de Viena). Na mesma sala estão ainda  quilíbrio, com uma predominância de ícones ligados à Índia. Mesmo
         duas imagens do século XVI, representando anjos protectores de  assim podemos ver as referências a D. Pedro e D. Duarte de Meneses
         Portugal, uma em calcário e outra em madeira policromada. É a par-  (através dos brasões da sala de Sintra), figuras chave da expansão no
         tir daqui que se desenrolará a exposição dividida em seis núcleos,  Norte de África; uma evocação de João Gonçalves Zarco; um retrato
         que apresentam o processo da Expansão Portuguesa, à maneira de  de D. Sebastião (que não deixa de estar relacionado com o Oriente,
         Fernand Braudel (como salienta o comissário, Prof. Romero de  como todos os reis daquele tempo); e o universal Damião de Góis, no
         Magalhães), definindo e apresentando os componentes do sistema  célebre desenho a lápis de Albrecht Dürer.
         múltiplo, onde os factores são interdependentes, mas podem ser  Vêm depois Os Espaços da Expansão, apresentados na sala
         observados separadamente, para que melhor se entenda a sua  seguinte, através de representações cartográficas, qual delas a mais
         dimensão e o seu papel no conjunto da acção.         significativa e preciosa, mas com exemplares dignos de grande noto-
           A primeira sala à direita apresenta o primeiro núcleo – Onde  riedade. Parte-se da visão medieval da terra, representada nos mapas
         tudo começou – cujo tema é, naturalmente o Portugal do final do  esquemáticos conhecidos por “T – O”, com a terra cercada pelo
         século XIV e princípio do XV. Aí temos a imagem de D. João I, que  “grande” oceano (o “O”) e cruzada pelo Mediterrâneo, onde vão
         nos sugere a afirmação da dinastia de Avis e a conquista de Ceuta –  desaguar o Nilo e o Don (dois grandes rios que formam o “T”), para
         ou seja – a afirmação de uma certa forma de ser português e o início  os Portulanos Mediterrânicos (a partir do século XIV) e para as repre-
         da expansão ultramarina. Depois, vem o tríptico do Infante Santo,  sentações do final do século XV e XVI, onde vão sendo incluídas as
         ícone do desastre de Tânger e do trágico sacrifício do ínclito infante,  informações que provêm das navegações portuguesas. São exemplo
         em face um projecto que se queria continuar. Os incontornáveis  destes últimos o globo de Martim Behaim (ou Martinho da Boémia,
         painéis de S. Vicente, verdadeiro auto mudo que, por si só, encerram  como ficou conhecido em Portugal), os atlas de Lázaro Luís, Fernão
         quase todos os elementos presentes no resto da exposição. E as ima-  Vaz Dourado e Miller, bem como a representação de Ortelius, de

         6 JULHO 2002 • REVISTA DA ARMADA
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