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PORQUE SERÁ?
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              orque será que Marrocos ocupou militarmente o ilhéu de  militares marroquinos não retiraram, a Espanha reforçou o dis-
              Perejil/Leila com seis militares e Espanha repôs a sua  positivo naval em Ceuta e Melilla com as fragatas “Numancia”
         P soberania com recurso a uma força naval que integrava,  e “Navarra”, com as corvetas “Infanta Elena” e “Cazadora”, e 1
         entre outros meios, fragatas, corvetas e um submarino?  submarino. Para além disso, manteve em alerta aviões F/A 18
           O episódio, que à primeira vista parece bizarro, envolve  Hornet.
         complexidades políticas internacionais que importa analisar  Apesar do envolvimento de forças militares, nenhum dos
         para, a partir delas, se extraírem as lições de natureza militar.  governos ameaçou com a guerra. Madrid terá ponderado a
         Obviamente que salientaremos com mais profundidade o con-  suspensão do acordo de cooperação e amizade assinado com
         texto militar, servindo a manobra diplomática para enquadrar  Rabat em 1991, e tirou partido dos efeitos devastadores que as
         o esforço estratégico que Marrocos e Espanha desenvolvem de  eventuais sanções da UE teriam na débil e euro dependente
         forma crescente desde meados de 2001. Assim, esperamos con-  economia marroquina.
         tribuir para evidenciar a necessidade de Portugal manter a sua
         Marinha de Guerra com capacidade de projecção de força, à  O CATALIZADOR DO DESAFIO
         qual os submarinos são um instrumento indispensável.
                                                               Porque razão Marrocos desafiou a Espanha sabendo que a
         ANTECEDENTES                                         reacção seria pronta e decisiva?
                                                               Rabat tinha de responder à pressão externa desencadeada
           A tensão entre Espanha e Marrocos agravou-se em Outubro  por Madrid, com a concessão da licença de exploração de
         de 2001, quando Rabat retirou o seu embaixador em Madrid,  petróleo no mar das Canárias, e com as exigências relativas ao
         na sequência de o governo de José Maria Aznar ter concedido  controlo da imigração clandestina, à importação de produtos
         uma licença de prospecção de petróleo à Repsol, numa zona  agrícolas e às licenças de pesca. Tinha, igualmente, de aliviar a
         marítima próxima das Canárias, que Marrocos considera sob  pressão interna resultante da cooperação com os EUA na guer-
         sua jurisdição. Para além desta disputa, os dois países mantêm  ra global contra o terrorismo, que levara à prisão de membros
         diferendos sobre imigração clandestina, importação de produ-  da Al Qaeda, mas degradara a popularidade do rei
         tos agrícolas e licenças de pesca.                   Mohammad VI.
           Em Abril de 2002 o presidente George W. Bush anunciou a  Por outro lado, Marrocos estava seguro que a resposta
         intenção de estabelecer um acordo de comércio livre com  espanhola não seria materializada por uma ofensiva militar.
         Marrocos. Esta atitude invulgar dos EUA, que apenas mantêm  Um pequeno rochedo deserto, do tamanho de um campo de
         tais acordos com o Canadá, México, Israel e a Jordânia, visou  futebol e ocupado por seis militares, não justificaria tal atitude.
         recompensar Marrocos pela aliança de mais de duas décadas,  Foi neste contexto que o governo de Rabat decidiu desen-
         consolidada por uma postura activa na guerra global contra o  cadear uma crise político-militar internacional. Externamente,
         terrorismo. Em Maio, a polícia marroquina prendeu três saudi-  não passou de um gesto simbólico da sua determinação de
         tas membros da Al Qaeda que, supostamente, planeavam  continuar a desafiar Espanha, na expectativa de, pouco a
         atacar navios da NATO no estreito de Gibraltar. Porém, as  pouco, conquistar parcelas de soberania em Ceuta e Melilla, e
         autoridades de Rabat informaram que os atentados estavam a  contrapartidas económicas na UE. Internamente, contribuiu
         ser planeados em Ceuta e Melilla.                    para desviar as atenções da oposição ao regime.
           Esta ligação dos terroristas aos enclaves espanhóis em
         Marrocos é pouco credível. Com uma costa marroquina tão  AS LIÇÕES MILITARES
         extensa e deficientemente vigiada, porque razão haveriam os
         membros da Al Qaeda de preparar ataques contra interesses  A disputa pelo ilhéu, associada à exploração de recursos
         ocidentais em dois territórios sujeitos a um rigoroso controlo  petrolíferos nas imediações das Canárias, comprova que as
         de fronteiras? Restam poucas dúvidas que terá sido um argu-  actividades económicas desenvolvidas no mar continuarão a
         mento da pressão política internacional que Rabat desenvolve  ser objecto de permanentes manifestações dos interesses
         para obter a devolução de Ceuta e Melilla.           nacionais dos países ribeirinhos. Por isso, requerem o emprego
                                                              de um poder militar especializado – as Marinhas de Guerra –
         A MANOBRA DIPLOMÁTICA E MILITAR                      que constituem, muitas vezes, a única forma de defender o ter-
                                                              ritório nacional das ameaças contrárias.
           No quadro desta pressão, em 11 de Julho, Marrocos ocupou  No caso vertente, a Marinha de Guerra espanhola foi
         o pequeno ilhéu de Perejil/Leila com seis militares, que acam-  empregue em apoio da política externa, sem utilização real da
         param e içaram a bandeira do seu país. O acto foi justificado  força, mas demonstrando a possibilidade de exercício da vio-
         com a necessidade de controlar a imigração ilegal e combater o  lência, de forma a credibilizar, a dar confiança e segurança ao
         terrorismo. Do ponto de vista diplomático o governo de  desenvolvimento da manobra diplomática do governo de
         Marrocos sabia que, embora as suas relações com Washington  Madrid na condução da crise. Porém, Marrocos só lançou o
         fossem muito boas, os EUA não adoptariam uma posição des-  desafio usando meios militares, porque o dispositivo naval
         favorável a Espanha. Restou-lhe, por isso, o apoio claro da Liga  espanhol nos enclaves de Ceuta e Melilla, naquela ocasião, não
         Árabe, organização cujas capacidades económicas, militares e  era suficientemente dissuasor desse tipo de protagonismos
         políticas são muito inferiores às da UE.             estratégicos.
           A Espanha reagiu prontamente. No campo diplomático  Num primeiro momento, quando foram enviadas para a área
         obteve o apoio da UE, que solicitou a Marrocos a retirada ime-  as lanchas de fiscalização da Guarda Civil e da Marinha de
         diata dos seus militares, sob pena de sofrer sanções económi-  Guerra, a atitude do governo espanhol foi de pronta contes-
         cas. No campo militar e, segundo a imprensa, enviou imediata-  tação da atitude marroquina, através da constituição de um
         mente para a área 4 lanchas de fiscalização da Guarda Civil e  posicionamento operacional específico, com visibilidade, mas
         outras tantas da Marinha de Guerra. Posteriormente, como os  flexível, para não fazer subir o nível da crise antes de com-
                                                                                REVISTA DA ARMADA • SETEMBRO/OUTUBRO 2002  5
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