Page 37 - Revista da Armada
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Património Cultural da Marinha
Património Cultural da Marinha
Peças para Recordar
TE
34. UM LIVRO NOTÁVEL DO COM. BALDAQUE DA SILVA
“ESTADO ACTUAL DAS PESCAS EM PORTUGAL”
1892
Podemos, sem grande margem para dúvidas, considerar que a obra do Comandante e Engenheiro Hidrógrafo
Alberto Baldaque da Silva, publicada em 1892, como o suporte ao forte incremento que o sector das pescas sofreu a
partir dessa data, e que, consubstancia, de certa forma a ideia de recuperação do atraso existente em Portugal em
domínios como o conhecimento científico e técnico que incluia o das pescas, e que tardava em chegar ao país, após
a revolução industrial.
A obra legada pelo Comandante Baldaque da Silva, enquanto Oficial da Armada e Engenheiro Hidrógrafo é muito
diversa mas, salvo melhor entendimento, é no domínio das pescas que este oficial consegue obter a maior noto-
riedade, integrando nessa extensa obra, sob o título “Estado actual das pescas em Portugal”, de índole informativa e
descritiva de aspectos tão diferentes como a biologia, etologia e ecologia de muitas das espécies exploradas nas nos-
sas águas e no exterior pela frota portuguesa, bem como aspectos relacionados com a tecnologia de artes e métodos
de pesca, e ainda a tipificação das embarcações de pesca mais utilizadas, para além de notas importantes sobre a
sociologia e economia das pescas portuguesas.
Neste contexto, o autor da presente obra como membro da então Comissão Permanente das Pescarias, faz alarde
dos seus conhecimentos em inúmeros pareceres que terão seguramente contribuido para o desenvolvimento subse-
quente verificado no sector das pescas em Portugal. Outro aspecto de grande relevo é o facto desta análise exaustiva
ter, certamente, contribuído de forma decisiva para relançar o sector no século seguinte a esta informação.
A recolha exaustiva de dados ao longo da costa portuguesa durante uma década, permitiu também uma caracteriza-
ção das principais comunidades piscatórias, incluindo as estruturas de apoio como portos e varadores, tanto marítimos
como fluviais, levando a que a edição da obra em apreço, que ainda hoje é referência obrigatória, fosse ordenada
para publicação pelo então Ministro Conselheiro H. Barros Gomes.
A época em que é editada a presente obra coincide também com o interesse manifestado pela temática das pescas
e pela investigação oceanográfica do qual é o expoente máximo em Portugal na altura, o Rei D. Carlos e a sua equipa
de colaboradores, que colocam o seu saber, empenho e meios materiais, na recolha de dados e informações científi-
cas sobre alguns dos mais importantes recursos de pesca em Portugal, como era o atum na costa algarvia e ainda
experiências de pesca de arrasto de profundidade.
A obra em questão contempla um importante acervo das relações sociais da pesca, conjugadas com aspectos
antropológicos e etnográficos, associados às espécies exploradas e às técnicas, métodos e embarcações de pesca mais
utilizados. De realçar um importante conjunto de ilustrações de espécies, bem como de artes e embarcações de pesca
que constituem um espólio único de informação, sem o qual ter-se-ia perdido seguramente a noção da sua forma e
características funcionais. Para além destes, há ainda que destacar as descrições de grande rigor técnico de aspectos
hidrográficos da costa portuguesa, incluíndo rios, sistemas lagunares e lagoas costeiras, o que revela um elevado grau
profissional do autor neste domínio da sua especialidade. De igual forma, as informações relativas às espécies objecto
de exploração pesqueira são também muito interessantes e permitem traçar um quadro da situação à época, sendo de
destacar as descrições relativas à pesca do bacalhau onde são abordados técnicas e métodos de pesca então utiliza-
dos, bem como o cenário internacional que se vivia no nordeste atlântico.
Pena é que passados mais de cem anos não tenha existido ainda, no panorama nacional, obra semelhante, que per-
mitisse e fundamentasse decisões com base em informações técnico-científicas suficientemente amplas e multidiscipli-
nares, com particular relevo para a integração das componentes sociológica e económica, para além, obviamente, de
um actualizado conhecimento do estado dos recursos marinhos explorados e ainda um aprofundado conhecimento
da biologia das espécies existentes nas nossas águas.
Por tudo isto julgamos que seria muito oportuno que se promovesse uma profunda análise multidisciplinar e inter-
-disciplinar do sector das pescas em Portugal, a fim de ser equacionado com rigor os sucessivos períodos de crise ou
sucesso de segmentos sectoriais e perspectivar esta importante actividade socioeconómica, não esquecendo quanto é
deficitária a balança comercial de produtos do mar em Portugal, o que poderá justificar uma maior e melhor aposta
neste sector.
O “Estado Actual Das Pescas Em Portugal”, com a sua vasta informação, com os desenhos da actividade piscatória e
com mais de uma centena de reproduções de belíssimas aguarelas das espécies marítimas constitui ainda hoje uma
referência obrigatória no domínio das Ciências do Mar pelo que se recomenda vivamente a sua consulta na Biblioteca
Central da Marinha.
Biblioteca Central da Marinha
(Texto Professor Carlos de Sousa Reis -
- Faculdade de Ciências de Lisboa)