Page 58 - Revista da Armada
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Portugal. Talvez seja necessário distinguir  oficial pautou-se pelas instruções referidas  assim, com os seus marinheiros e por
         dois aspectos: o da legitimidade e o do  do Presidente do Conselho, sobre cujo  direito próprio, na legião dos servidores
         confronto.                         valor relativo deixei antes opinião.   que, em séculos de história, com pontos
           Quanto à legitimidade, a acção da  Não eram raros os servidores do ultra-  fortes e debilidades, decidiram que só
         União Indiana corresponde exactamente  mar que tinham esta vinculação aos va-  podiam cair de joelhos diante do altar da
         à acção da Indonésia em relação a Timor,  lores, e assegurei-lhe que em quaisquer  Pátria”.
         com a importante diferença de não ter  circunstâncias contaria com a total cober-
         cometido o genocídio pelo qual esta últi-  tura do Ministro do Ultramar. Como está  Seguiu-se a comunicação do Vice-
         ma é responsável. Nos dois casos, Gôa e  repetidamente dito, foi sua exclusiva e  -Almirante Mendes Rebelo, oficial mais
         Timor, os territórios estavam submetidos a  solitária decisão, nas circunstâncias que  antigo vivo da guarnição do A. A., que
         uma soberania diferente, a portuguesa,  enfrentou, o acto que lhe podia ter feito  dissertou sobre “A última missão do NRP
         daquela que se exercia no território dos  sofrer o massacre por parte dos ocu-  “Afonso de Albuquerque” – O combate
         invasores, o Reino Unido na Índia, a                                  naval em Goa em Dezembro de 1961”.
         Holanda na Indonésia.                                                   Apoiado em meios audio-visuais, que
           Em Gôa, à margem da guerrilha vinda                                 muito contribuíram para ilustrar a sua
         do exterior, também existiu a consciência                             exposição, o Vice-Almirante Mendes
         do risco da integração, contra a vontade e                            Rebelo, fez uma exaustiva descrição da
         sem consulta da população, pela União                                 acção do navio no referido combate
         Indiana, esta tendo um projecto que não                               naval, começando por passar em revista o
         incluiu o reconhecimento da identidade                                período de expectativa que, desde mea-
         separada de nenhum dos velhos Estados                                 dos de Novembro até ao dia do combate
         do subcontinente.                                                     naval, caracterizaram o ambiente então
           Por isso, nos dois casos, Gôa e Timor, a                            vivido.
         invasão foi um acto de agressão condena-                                O Aviso “Afonso de Albuquerque” que
         do pelo direito internacional, e recorde-se                           servira a Marinha perto de 30 anos, con-
         que foi à luz do direito internacional que o                          tinuando com a bandeira nacional orgu-
         Presidente Sukarno sempre declarou, antes                             lhosamente içada, acabava de cumprir
         de 1974, que não tinha pretensões ao ter-                             com Honra e Valentia a sua última mis-
         ritório de Timor, que não dependera da                                são: morrer em combate em 18 de De-
         soberania holandesa. Tal violação do direi-                           zembro de 1961 pela defesa de Goa
         to internacional foi nos dois casos seguido                           depois de esgotadas todas as suas capaci-
         de outras duas violações, a ocupação e a                              dades numa luta desigual sustentada con-
         integração na potência invasora.                                      tra uma poderosa Força Naval Indiana,
           É de sublinhar a benevolência interna-                              cerca de 450 anos depois da morte quase
         cional com que a acção da União Indiana                               no mesmo local de uma das figuras mais
         veio a contar, em comparação com o  Vice-Almirante Mendes Rebelo.     ilustres da História de Portugal cujo nome
         repúdio que finalmente venceu a                                       herdara e que se encontrava gravado no
         Indonésia, talvez justamente pela dife-  pantes, mas parece hoje difícil encontrar  seu costado, e referiu expressamente:
         rença de tratamento da sociedade civil  analistas que assumam e exprimam o  “Numa das mensagens dirigidas pelo
         pelas potências invasoras, e certamente  respeito e a homenagem a esta dedicação  Presidente do Conselho ao Governador-
         pelos interesses envolventes da Comu-  extrema e solitária a uma concepção de  -Geral, nas vésperas da invasão do Estado
         nidade Britânica em processo de revisão  honra e dos valores, que teve expressão  Português da Índia, podia ler-se a dada
         de conceito.                       no escrúpulo e risco com que salvou a  altura “ ... Não prevejo possibilidades de
                                            bandeira e a entregou ao Governador  tréguas nem de prisioneiros portugueses,
           “... Adianto a hipótese de que a  Geral de Angola, onde foi colocado.  como não haverá navios rendidos, pois
         agressão armada foi predominantemente,  A finalizar a sua brilhante comuni-  sinto que apenas pode haver soldados e
         ou exclusivamente, uma política do  cação, o Prof. Doutor Adriano Moreira  marinheiros vitoriosos ou mortos”.
         Ministro da Defesa da Índia, Krishna  afirmou:                          O Capitão-de-mar-e-guerra António da
         Menon, um personagem temível, conhe-                                  Cunha Aragão, Comandante do NRP
         cido pelas intervenções na ONU contra  “A loucura da honra e dos valores, que  “Afonso de Albuquerque” e o 2º Tenente
         Portugal, e pela sinuosa argumentação  ilumina a crónica de tantos responsáveis  Jorge Manuel Catalão Oliveira e Carmo,
         justificadora da intervenção em Caxemira,  pela missão histórica de Portugal no  Comandante do NRP “Vega”, oficiais de
         que desenvolveu no Conselho de     mundo, ficou porém documentada pela  gerações tão diferentes mas pertencendo
         Segurança. Com o feudo político em  acção desses homens cortados de comu-  à mesma Escola que os formou, não tive-
         Bombaim, e em declínio de prestígio,  nicação com o comando, entregues mais  ram a mínima dúvida de que, humana-
         encontrou talvez nessa violência um  uma vez a si próprios, que foram desig-  mente, face à flagrante desproporção com
         expediente de recuperação de influência  nadamente o Comandante Aragão, e  as forças que teriam de enfrentar, nunca
         local, desencadeando uma operação que  sobretudo o jovem e heróico 2º Tenente  poderiam ser vitoriosos. No seu íntimo
         foi ignorada por grande parte da popu-  Oliveira e Carmo e os marinheiros que  sabiam que a decisão de levar os seus
         lação da União Indiana. Mas que pelo  também morreram. Na solidão dessa  navios ao combate, que fatalmente se
         volume das forças envolvidas fazem  hora, lembraram-se do imperativo –  avizinhava, implicaria o sacrifício das
         acreditar que a União tinha uma per-  Honrai a Pátria, que a Pátria vos contem-  suas vidas e, mais doloroso, dos homens
         cepção errada da capacidade portuguesa  pla, e assumiram o risco. É razoável que a  que comandavam.
         de impor um preço à agressão.      emoção seja sobretudo suscitada pela  Não obstante terem vivido debaixo de
           Por tudo isto, está ligada a este fim de  lembrança desse jovem Tenente que  enorme tensão durante o período que pre-
         história a questão da avaliação do com-  avançou ciente para o sacrifício supremo,  cedeu o momento do combate, devido à
         portamento do Governador e suas forças  e aceitou morrer no mar salgado pelas  crescente e ameaçadora presença das
         militares no que respeita à resistência  lágrimas de Portugal, por causa dos va-  forças aero-navais indianas, no momento
         oferecida. Por este tempo, a linha mais  lores, do civismo e da honra. Ficando  da decisão não tiveram qualquer hesi-

         20 FEVEREIRO 2002 • REVISTA DA ARMADA
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