Page 226 - Revista da Armada
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«Vamos ouvi-los um Século depois»
«Vamos ouvi-los um Século depois»
Com um palmarés de 105 obras
compostas e 250 arranjos de
obras de outros autores, assen-
tou praça muito jovem (de fac-
to) e há muitos anos (o conceito
é relativo) que os seus méritos
foram, em boa hora, reconhe-
cidos. O que não (se) saberia é
que a sua saudável curiosidade
e natural empenho o levariam
a fazer incursões em área tão
diferente.
o primeiro andar do edifício da Ban-
da da Armada, na sala da Formação Um momento da entrevista.
NMusical, sentados frente a frente, o ram no repertório e na discografia da Banda. mente, já tinha isto em mente, prontamente
nosso encontro, com um agradável fundo so- A que dedicou à memória de Pedro Nunes acolheu a sugestão. Deste modo preparei um
noro que nos chegava de outra sala, girou em e teve estreia absoluta na Escola Naval foi esboço de comemorações que submeti à sua
torno de um dossier preto onde, em folhas-en- muito elogiada. aprovação e em que um dos vectores seria
velope de plástico, se guardavam fotos, foto- Como é que aparece envolvido nas come- a edição de um CD, meio de difusão fácil e
cópias e e-mails e outro material que, em cima morações do primeiro centenário do primei- que chega a muitas pessoas.
da mesa, íamos consultando. ro disco gravado em Portugal? Para melhor sustentar o nosso projecto
Revista da Armada (RA) - Senhor Jorge JS - Primeiro, gostaria de dizer que não sou foi-me então pedido que substanciasse a in-
Salgueiro, 1º Sargento Músico, isso vê-se, investigador. A génese de tudo isto foi a se- formação acerca do primeiro disco, da auto-
quando e como veio para a Armada e se guinte; há cerca de dois, três anos, vi numa ria do Sr. Alberto Cutileiro, proprietário do
tornou compositor? exposição de instrumentos antigos e de par- único exemplar conhecido, com, ao menos,
Jorge Salgueiro (JS) - Em 1987, ainda tinha tituras antigas, em Palmela, uma partitura, o de uma segunda fonte, a descobrir.
dezassete anos, quando fui admitido na Ban- «Petit Moniteur, Ouverture por Porphírio José RA - O Sr. Alberto Cutileiro cuja obra é
da, como trompetista. O gosto pela composi- da Cruz, Músico d’Armada - 1909» de quem sobejamente conhecida. Nomeadamente a
ção já o tinha. A Banda tocou pela 1ª vez uma nunca tinha ouvido falar. Através da organi- sua comunicação ao Centro de Estudos de
peça minha em 1992 e em 1993 tocou a minha zação consegui fotocopiar a partitura e falei Marinha, «Alguns subsídios para a história
primeira Sinfonia “A Voz dos Deuses”, dedi- com o Maestro Araújo Pereira. da Banda da Armada» (1).
cada à Banda, que mostrou claramente uma RA - E? Como foi descobrir outras fontes?
opção da minha parte e uma evolução como JS - Tínhamos que saber quem era este JS - O disco, de que temos fotografias, tem
autor. Foi um momento marcante como com- homem com obra feita e que se identificava lá gravado «Reproduced in Hanover» e, na es-
positor e em 2000 passei a desempenhar essa como Músico da Armada e, então, procurei perança de obter a matriz original do disco,
função a tempo inteiro. Mas a minha primeira nos sítios mais plausíveis se haveria mais al- contactei o Museu dessa cidade que não sendo
partitura escrevi-a aos catorze anos. guma coisa deste compositor. especializado na temática da música, apesar
RA - Magnífico! Algumas peças suas figu- Aqui mesmo, no nosso arquivo, descobri do movimento fonográfico ter, em parte, tido
uma partitura e, noutros locais, mais duas origem na Alemanha, nada nos adiantou.
obras e alguns factos da sua vida que nos Chegara entretanto à conclusão que, infeliz-
permitem perceber quem era. mente, em Portugal não existem estudos nes-
Foi ao trabalhar neste material que me ta área e naturalmente recorri à internet onde
apercebi que em 2003 se completariam 100 descobri uma empresa que vendia material
anos sobre o primeiro disco gravado em antigo, a «The City of London Phonograph and
Portugal, tocado pela, então, Banda dos Ma- Gramophone Society (CLPGS)», que dispunha
rinheiros da Armada como é sobejamente de um catálogo de discos de 1903, que adqui-
conhecido. Este facto é sempre referido na rimos mas que, verificámos, não fazia qual-
biografia da Banda mas seria importante, quer referência ao nosso disco. Com o andar
para a própria Banda, para a Armada e para do tempo já estávamos nos fins de 2002...
a Música em Portugal, celebrá-lo. Tratando- RA - Mas, ao que parece, não se ficou
-se de um evento histórico para a Música por aí ...
Portuguesa, de uma data tão catalisadora JS - Não. Aprofundei o conhecimento acer-
como é um centenário, seria uma boa opor- ca desta instituição e descobri que não era um
tunidade para divulgar a nossa Banda e simples entreposto comercial, que fazia inves-
projectar a imagem da Armada. tigação e que estava, como tal, devidamente
RA - Disso, não tenha dúvida! credenciada (2). Enviei logo, mas já em Janei-
Face do primeiro Disco que foi gravado em Portugal. JS - A Chefia da Banda que, natural- ro, um e-mail ao Sr. George Woolford, a pessoa
8 JULHO 2003 U REVISTA DA ARMADA