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D. João de Castro, Navegador e Cientista
            D. João de Castro, Navegador e Cientista


                              Uma comemoração que ficou por fazer


               ciclo de comemorações, que agora se  uma biografia actualizada, arquitectada em  Quinhentista do Segundo Cerco de Diu,
               encerra, sobre os Descobrimentos  moldes científicos, do grande navegador e  redigida por Leonardo Nunes; ou ainda a Vida
         OPortugueses, constou dum vasto pro-  cientista, modelo perfeito de homem re-  de D. João de Castro, IV Vizo-Rei da Índia, de
         grama de edições, de exposições, de congres-  nascentista. A Marinha, através de alguns dos  Jacinto Freire de Andrada, escrita em meados
         sos e encontros científicos, merecendo tais ini-  seus oficiais, tem uma longa tradição, com  do Século XVII.
         ciativas um aplauso unânime. No entanto, de  carácter pioneiro, no estudo da vida e da obra  D. João de Castro era um elemento da mais
         entre as figuras históricas que deveriam ter sido  de D. João de Castro. Brilham com grande  alta nobreza, com uma habilidade fora do
         alvo de atenção especial, destaca-se pelo  intensidade os trabalhos eruditos do  comum para o tratamento e estudo das
         esquecimento a que foi votada:                                                 matérias navais. Dominava bem
         D.João de Castro. (1) Se é certo                                               o raciocínio matemático e gozava
         que existe alguma discussão                                                    de um sentido prático pouco vul-
         quanto à data do nascimento                                                    gar, no seio do grupo social onde
         deste exímio navegador, não é                                                  se integrava. No tempo em que
         menos verdade que é possível                                                   viveu, as exigências técnicas cres-
         inferir com um certo grau de                                                   ciam, sobretudo para um império
         certeza o período em que poderá                                                ultramarino que desejava domi-
         ter nascido.                                                                   nar as fontes de abastecimento e
           Damião de Góis, Pedro Nunes                                                  distribuição das especiarias orien-
         ou o rei D. João de III, entre ou-                                             tais na Europa Ocidental. O
         tros vultos insignes  foram alvo de                                            pequeno reino de Portugal cen-
         atenção especial, e D. João de                                                 tralizava em Lisboa todas as estru-
         Castro? De facto, passou desper-                                               turas, políticas e económicas, que
         cebido um dos maiores génios                                                   controlavam o comércio a longa
         das navegações portuguesas, o                                                  distância, procurando a todo o
         que não deixa de ser uma lacuna                                                custo o desenvolvimento tecno-
         no ambiente comemorativo que                                                   lógico, com o qual esperava ali-
         se viveu ao longo de uma década                                                cerçar o seu poder naval e militar.
         inteira.                                                                         A formação da maior parte dos
           Para o Professor Vitorino Ma-                                                saberes que circulavam junto dos
         galhães Godinho, os aniversários                                               grupos sociais com interesse no
         e centenários só podem ser úteis                                               comércio, na administração e na
         se constituírem ensejo para estu-                                              navegação, estavam estreitamente
         dar problemas, meditar direc-                                                  ligados ao mar; é o mar que está
         trizes, criticar certezas dogmá-                                               na origem da inovação técnica e
         ticas; caso contrário, mumificam                                               da mudança mental na altura ve-
         os vivos, sem ressuscitar os mor-                                              rificada, pelas novidades que pro-
         tos. Em relação a D.João de                                                    porciona, pelas matérias que
         Castro desperdiçou-se uma exce-                                                fornece para reflexão, pelo tipo
         lente ocasião para reeditar as suas                                            de ensino que exige. É precisa-
         obras completas, há muito esgo-                                                mente ao longo do século XVI
         tadas, num formato mais fácil de                                               que vultos como Pedro Nunes,
         manejar, logo mais acessível; teria                                            João de Barros, Damião de Góis,
         sido, igualmente, uma boa inicia-  D. João de Castro – Livro de Lisuarte de Abreu.  Garcia de Orta, Fernão de
         tiva percorrer os locais onde este                                             Oliveira e D. João de Castro se
         ilustre humanista português fez as suas expe-  Comandante Fontoura da Costa e os estudos  debruçam sobre os problemas mais prementes
         riências, e com esse propósito reproduzir os  do Almirante Teixeira da Mota, hoje em dia  que preocupam o meio náutico português.
         seus estudos e divulgá-los internacionalmente,  peças incontornáveis para qualquer estudioso  Quer seja a construção naval, a geografia físi-
         afinal D. João de Castro é uma das figuras, dos  daquela figura.      ca, a farmacopeia ultramarina, a marinharia
         Descobrimentos Portugueses, que mais tem  As fontes que dispomos para abordar a vida  ou a gestão dos espaços de além-mar.
         gerado interesse no estrangeiro. Poderia ainda  de Castro, além das citadas obras - nomeada-
         ter havido um conjunto de incentivos ao estu-  mente os célebres roteiros e a inúmera cor-  OS PRIMEIROS TEMPOS
         do da sua vida e obra, com o intuito de se  respondência -, provêm essencialmente de
         perceber um dos percursos mais brilhantes do  cronistas, que se preocuparam em realçar os  Cientista notável, soldado aguerrido, sábio
         Renascimento Português.            seus feitos militares  no Oriente, produzindo  navegador, décimo terceiro Governador da
           É necessário lembrar que o tratamento críti-  assim textos de feição apologética, não se  Índia e seu quarto Vice–Rei, D. João de Castro
         co exaustivo e a publicação das obras comple-  coibindo  de distorcer a realidade  e até falsi-  é um dos vultos mais brilhantes do
         tas de D. João de Castro (2), foram efectuados  ficar testemunhos. Encontram-se nestas  «Humanismo Renascentista» português, pro-
         entre os fins da década de 60 e o princípio dos  circunstâncias, A Crónica dos Valorosos e  duto de uma geração de ouro  da cultura por-
         anos 80 do século XX. Porém, essa massa  Insignes Feitos  no Governo da Índia do Vizo-  tuguesa.
         densa de documentos ainda não foi alvo de  -Rei D. João de Castro, da autoria de um neto  Supõe-se que D. João de Castro nasceu em
         um estudo abrangente. Nem sequer existe  seu, D. Fernando de Castro; a Crónica  Lisboa no ano de 1500, a 27 de Fevereiro,

         18 MARÇO 2003 • REVISTA DA ARMADA
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