Page 88 - Revista da Armada
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O Colégio Militar e a Marinha
             O Colégio Militar e a Marinha


                    Oficiais ex-alunos e o seu contributo para a Nação

                                            (1ª Parte – Continuação)

           4 – No final do ano de 1894 foi Lourenço  foi decidida por António Enes, contra a  chumbo fundido em projécteis é necessário
         Marques atacado por hordas de indígenas  opinião técnica da hierarquia naval da época.  para matar um homem. O pobre “Baca-
         em revolta. A defesa da cidade estava,  Diz o comissário régio, referindo-se ao  marte”, coitado, nunca tinha fendas nas
         então, confiada a uma pequena força de  assunto:                      caldeiras, ou juntas abertas, ou falta de para-
         polícia europeia e a umas tantas praças  Também o Almirantado não queria responsa-  fusos na máquina, que o impedissem de
         moçambicanas.                      bilidades!                         fazer serviço, porque o comandante transmi-
                                              O comandante da canhoneira “Rio  tira a sua têmpera de aço frio a toda a
           Valeu à população, na emergência, a pre-  Lima”, esse já antes me mandara dizer que  guarnição. Só quatro marinheiros atendiam
         sença no porto da força da estação naval,  não tomava a responsabilidade de com-  ao motor, às bocas de fogo, ao leme, às espin-
         composta pela corveta “Rainha de Portugal”,  boiar os barcos. Que remédio, pois, senão  gardas, e até à cozinha, onde um deles ia
         canhoneira “Quanza” e duas pequenas lan-  tomar eu as responsabilidades, já que  fritar ovos ou passar bifes no intervalo de
         chas. O primeiro ataque a 24 de Setembro foi  ninguém as queria?...   duas descargas de canhão-revólver; mas
         repelido por uma força de desembarque da  Nem o Almirantado, nem o Chefe da  estes quatro bravos nunca faziam objecções,
         corveta, força que era comandada pelo então  Divisão Naval, nem o comandante da “Rio  nunca se remanchavam, e pagavam-se  dos
         2º tenente Victor Leite de Sepúlveda, tendo  Lima”, nem todos eles juntos, queriam mais  perigos e das canseiras só com a alegria
         como subalternos os guardas-marinhas  do coração aos tripulantes das lanchas do  ufana de mostrar na cidade as balas e os
         Pedro Pinto Cardoso e Carlos Freitas da  que eu, que estimo o tenente Ivens Ferraz  zagalotes que tinham apanhado no convés.
         Silva. Novos ataques se sucedem generali-  como filho... Ivens Ferraz já era, apesar da  Pela sua acção em campanha foi Vieira da
         zando-se o pânico entre a população branca.  sua juventude, um dos melhores mari-  Rocha agraciado com a Comenda da Torre e
         Só nos primeiros dias de Janeiro de 1895 os  nheiros da Armada Portuguesa, a um tempo  Espada numa honrosa excepção, dado o seu
         ataques, que entretanto haviam feito já  intrépido e reflectido, e tinha a vantagem de  posto de 2º tenente.
         vários mortos, entre os quais o comandante  conhecer a palmos a costa inteira...
         de uma lancha, são repelidos pelo reduzido  Ivens Ferraz seria distinguido com o grau  5 - Na campanha dos Namarrais que se
         núcleo de tropa europeia que havia entre-  de cavaleiro da Torre e Espada.  seguiria, distinguem-se sob as ordens de
         tanto chegado à província, sob o comando  Mas é ao jovem Filipe Trajano Vieira da  Mouzinho, o 1º tenente Coriolano da Costa,
         do major Caldas Xavier.            Rocha, segundo-tenente de falas baixas e  o 2º tenente Flávio da Fonseca e os guardas-
           Foi, assim, a Marinha que aguentou a  feitio reservado e ao seu navio “O Baca-  -marinhas Silva Casqueiro e Sousa Gentil.
         primeira investida. Seguem-se, então, as  marte” que o Alto Comissário mais vezes se  Em 1897, na segunda campanha de Gaza,
         campanhas contra os vátuas e os namar-  refere no seu relato. Ouçamos António Enes:  o 1º tenente Coriolano da Costa comanda a
         rais nos anos seguintes, que permitem a  O “Bacamarte” fora comprado em segun-  companhia de marinha no combate de
         consolidação definitiva da soberania em  da-mão para serviço da capitania do porto.  Macontene.
         Moçambique.                        Nem rebocador era, por a máquina ter pouca  Em 1902, na coluna de operações de Barué,
           É nesta conjuntura que se distingue sobre-  força. Não passava de um escaler grande.  distinguem-se igualmente os 2ºs tenentes
         maneira um numeroso grupo de jovens ofi-  Mal cabia dentro uma guarnição de quatro  Boaventura Mendes de Almeida, Jaime
         ciais, primeiro sob a chefia de António Enes e  homens. Todavia, a necessidade arvorou-o  Pedroso de Lima e Hugo Bivar de Sousa.
         depois de Mouzinho. Nestas campanhas, deu  em canhoneira; pregaram-lhe na borda umas  Na campanha de Angoche em 1903, que
         a Armada uma valiosa colaboração às forças  chapas de ferro que fingiam proteger os tri-  se salda na ocupação de Boila e Songa, dis-
         expedicionárias do Exército, tanto em desem-  pulantes, ajoujaram-no com um canhão-  tinguem-se o capitão-de-fragata José Tavares
         barques em terra como na batalha dos rios –  -revólver e uma metralhadora Nordenfeldt,  de Almeida Carvalho, como Comandante da
         Incomáti, Limpopo e Inharrime – em que os  deram-lhe um primeiro-tenente para coman-  Divisão Naval do Índico, e o 1º tenente
         navios, penetrando nos sertões africanos,  dante, içaram-lhe à ré uma bandeira , maior  Joaquim Botelho da Costa que seria o
         muito contribuíram para os sucessos de  do que ele, e... ala para o Incomáti, a afrontar  comandante da companhia de desembarque
         Marracuene, Magul, Coolela e, finalmente,  a fuzilaria dos revoltosos, emboscados no  dos navios.
         para a jornada de Chaimite.        mangal denso das margens! Ele foi, tornou a  Nas restantes províncias ultramarinas, após
           Dessa epopeia naval nos dá conta António  ir e a curto trecho voltou com a bandeira a  a Conferência de Berlim e até à primeira guer-
         Enes no seu livro “A Guerra de África em  meio pau, trazendo o comandante morto. –  ra mundial, continuam as campanhas de ocu-
         1895”, que é um verdadeiro hino à acção da  Há para aí outro louco que se sujeite a go-  pação em que a Armada toma parte activa,
         Armada. Na plêiade desses jovens tenentes  vernar este esquife? – Sujeitou-se o segundo-  tanto em acções navais como de desembarque.
         que guarneciam os navios e alguns foram  -tenente Vieira da Rocha, rapaz de pouco  Em Angola, na expedição ao Cuamato em
         seus comandantes, contam-se Sepúlveda,  mais de vinte anos, rosado e loiro como uma  1907, sob o comando de Alves Roçadas, é
         Ivens Ferraz, Vieira da Rocha, Coriolano da  virgem de procissão, de falas baixas, de  integrada uma força de marinha comandada
         Costa, Filipe Dias de Carvalho, Magalhães  aspecto tímido; e o novo comandante tornou  pelo 1º tenente Victor de Sepúlveda.
         Corrêa, Augusto Metzener, Ladislau Parreira  para o rio, roçando o costado do chaveco  Pela sua acção recebe o oficialato da Torre
         e muitos outros.                   pelas brenhas de onde rompera a bala que  e Espada.
           Guilherme Ivens Ferraz era o comandante  matara Filipe Nunes, e subiu-o e desceu-o  Nesta campanha tem também acção de
         da lancha “Sabre”, que com a “Carabina” do  por entre linhas de fogo traiçoeiro, aparecen-  relevo o 2º tenente Jaime Teodorico da Silva
         comando de outro jovem tenente, fizera  do no porto, no fim de cada viagem, com  Nunes que, estando a comandar a lancha
         arriscada viagem de Quelimane a Inham-  mais alguns buracos na chaminé, no casco  “Cunene” solicita que o autorizem a tomar
         bane. A viagem, que comportava grande  ou nas amuradas do barco, mas sempre  parte nas operações em terra. É, assim, que
         risco, dado o estado e tonelagem dos barcos,  pronto para ir experimentar que peso de  no combate de Mufilo com as metralhadoras

         14 MARÇO 2003 • REVISTA DA ARMADA
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