Page 308 - Revista da Armada
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projecto que sempre defendeu o governador do distrito de Mo-
com entusiasmo, já que parte do çambique agradece-lhe as provas
princípio que uma Marinha forte de discernimento, capacidade e dedi-
é indispensável para Portugal po- cação pelo serviço público mais uma
der exercer eficazmente a sua so- vez demonstrado, nos estudos hidro-
berania. Na época de perturbada gráficos da costa de Moçambique.
situação politica os ministros dura- Após sete meses no exercício das
vam pouco e assim Jacinto Cândido funções de ajudante de ordens do
exerceu funções cerca de um ano, Major – General da Armada, con-
tendo louvado o seu ajudante pelos selheiro Carlos Eugénio Correia da
bons e leais serviços prestados. Silva, conde de Paço d’Arcos, car-
Não haja dúvida, Leotte do go que lhe permite fazer o ponto
Rego no mar ou em terra era da situação da Marinha, retorna a
um oficial distinto, com Antó- Moçambique para novo coman-
nio Enes tinha-se inteirado do do, o da canhonei ra “Bengo”.
governo em África, junto de Ja- Serão seis meses de apoio à na-
cinto Cândido da administração vegação costeira, de trabalhos hi-
superior da Marinha e dos pro- Grupo de personalidades em Moçambique, vendo-se ao centro António Ennes e Leotte drográficos e dos correspondentes
blemas inerentes à sua actualiza- do Rego. À esquerda João Coutinho. e merecidos louvores.
ção. Em síntese, ainda 1º tenente De regresso a Lisboa, por desi-
já tinha ideias muito claras sobre o que devia área politica então se vivia fossem o motivo gnação do próprio rei D. Carlos, é nomeado
ser a Marinha portuguesa, designadamente da elevada rotatividade do pessoal. oficial às ordens de importantes individuali-
a sua esquadra em águas europeias e africa- Entretanto a Liga Naval Portuguesa, me- dades estrangeiras de visita a Portugal.
nas. Na sequência dos saberes adquiridos foi ritória instituição que pugnava pela grande e A promoção a capitão-tenente acontece em
nomeado, em fins de 1896, adjunto do che- patriótica obra de restauração da marinha de guer- Junho de 1906 quando é instrutor da Escola
fe da Missão Naval que no porto francês do ra, da marinha mercante e da efectivação da sua Naval. Faz então a sua entrada na política,
Havre fiscalizava a construção dos cruzado- divisa que é a synthese de todo o seu programa: filia-se no Partido Franquista e é eleito depu-
res “S. Gabriel” e “ S. Rafael”. “O Futuro de Portugal está no Mar,” organiza, tado por Moçambique tendo-se estreado em
Mas o mar chama-o e assim em 1898 tem em Lisboa, o Congresso Marítimo Nacional S. Bento na sessão de 21 de Fevereiro de 1907,
inicialmente o comando do vapor “Baptista de 1902 e Leotte do Rego apresenta uma me- na qual apresenta uma série de requerimentos
de Andrade” e posteriormente o do “Neves mória intitulada “Protecção ao pessoal da Ma- solicitando informações sobre a Marinha, nome-
Ferreira”, ambos integrados na Divisão Na- rinha Mercante – sua utilização para a cons- adamente os projectos para aquisição de sub-
val da África Oriental, reatando os estudos tituição de uma reserva naval”. Interessante marinos, de que será um acérrimo defensor e
hidrográficos nas costas da terra da sua elei- estudo em que propõe adoptar uma série de outros relativamente a Moçambique propondo
ção -Moçambique. medidas no sentido de se conceder à marinha uma remodelação da máquina administrativa
Após uma breve estadia em Lisboa assu- mercante a protecção a que tem direito, com van- do território. A sua acção política terá sempre
me, em fins de 1899, o seu quinto coman- tagens incontestáveis para o Estado. duas prioridades: o engrandecimento da Mari-
do, o da canhoneira “Mandovy” de que já Os problemas de âmbito abrangente, como nha e o desenvolvimento de Moçambique.
tinha sido imediato. Entra o novo século em os relacionados com a gestão do pessoal, já A convite da Liga Naval Portuguesa, em 14
serviço de estação em Cabo Verde largando eram objecto do seu estudo. Desde cedo foi de Maio de 1907, profere uma conferência que
no Outono do ano seguinte rumo à Estação uma das suas características - preocupar-se intitula “ O Culto da Bandeira” onde chama
Naval da Índia, mas por limitado período com as grandes questões e secundarizar os a atenção para o facto dos símbolos nacionais,
pois será nomeado instrutor da Escola Prá- pequenos assuntos conjunturais. nomeadamente a bandeira como representação
tica de Artilharia Naval, então instalada na Em fins de 1902 volta ao comando da do país que se ama e do país que se serve deve ser
fragata “D. Fernando II e Glória”. “Mandovy” e logo em Fevereiro do ano respeitada e glorificada e incentiva os portu-
Um dos aspectos da carreira de Leotte do seguinte navega para Moçambique. Está gueses a que precedam desse modo, nunca
Rego é que os seus cargos, quer no mar quer novamente na sua terra! Durante um breve deixando esquecer que o Culto da Bandeira da
em terra, são normalmente de pequena du- espaço de oito meses continuará os seus tra- Pátria deve potenciar sempre a educação cívica do
ração. Será devido ao seu gosto de andar no balhos hidrográficos a partir dos quais publi- cidadão. Nesse memorável discurso declara: Os
mar e daí estar sempre disponível para o em- ca, em 1904, o “Guia de Navegação da Costa nossos grandes defeitos vêem de falta de instrução e
barque? Ou por força das suas notáveis qua- de Moçambique” que ainda hoje constitui o peor vício do nosso carácter nacional é a descrença.
lidades os seus serviços são por muitos de- uma obra de referência particularmente no Esta afirmação é digna de profunda reflexão.
sejados? Talvez os tempos instáveis que na que respeita a dados históricos. Na ocasião Passou um século e parece que nada mudou.
Vapor “Auxiliar”. Canhoneira “Bengo”.
18 SETEMBRO/OUTUBRO 2004 U REVISTA DA ARMADA