Page 125 - Revista da Armada
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e conseguiu resgatar, sem ser visto, o galo
         que os enxovalhara. Este só foi recuperado
         em Inglaterra, quando o comandante do Tae-
         ping, reconhecendo a clara superioridade do                                                             Arquivo Museu de Marinha
         adversário, o devolveu ao Captain Kemball.
         Efectivamente, o regresso do Thermopylae a
         Inglaterra, com seu o primeiro carregamento
         de chá, foi feito em apenas 90 dias...
           Embora vários autores tenham defendido
         que o Thermopylae era essencialmente um
         navio rápido com ventos fracos, encontra-
         se registada uma singradura de 358 milhas,
         no período em que praticou a rota do chá
         (1869-1878).
           No entanto, o Thermopylae nasceu numa
         época em que dois grandes acontecimentos
         iriam condicionar, definitivamente, toda a na-
         vegação. Por um lado, o desenvolvimento dos
         navios a vapor, ainda que pouco fiáveis nos

                 Ficha do Thermopylae       O navio-escola Pedro Nunes com a bandeira do Reino de Portugal içada no galope da mezena.
          - Comprimento fora-a-fora   88,4 metros  Deixando de ser rentável no transporte  a rota da lã e o Thermopylae foi vendido ao
          - Boca                 11,7 metros  do chá, o Thermopylae praticou esta rota,  armador canadiano William Ross & Co.. Sem
          - Pontal                6,8 metros  pela última vez, em 1878. Refira-se que,  rotas rentáveis onde operar, este acabou por
          - Altura do mastro grande   52 metros  nos últimos anos, quando os veleiros che-  ceder o navio, no ano seguinte, por 5.000 li-
          - Deslocamento          1.300 tons
                                            gavam à China, já os navios-vapor haviam  bras, ao seu sócio Robert Reford, presidente
                                            carregado o melhor chá, ao melhor preço,  da Mount Royal Milling Company, com sede
         primeiros anos. Por outro, a abertura do ca-  e iniciado a viagem de regresso.  em Vitória, no estado de British Columbia.
         nal de Suez, em 1869. Este último terá sido o                           Doravante, as suas viagens seriam feitas
         factor mais decisivo, na medida em que ape-  Dias de viagem entre a China e a Inglaterra  no Pacífico Norte, fazendo o transporte de
         nas encurtava a distância a percorrer pelos   Ano  Thermopylae  Cutty Sark  carvão para os portos orientais, carregando
         navios-vapor, uma vez que os ventos pontei-                           arroz na viagem de regresso ao Canadá. No
         ros no Mar Vermelho, e a respectiva pequena   1869  90       -        ano de 1892 o Thermopylae sofreu alguns
         largura de águas navegáveis, inviabilizavam,   1870  106    110       fabricos importantes e o casco foi pintado
         de todo, a sua prática pelos veleiros. Desta   1871  106    108       de branco. A altura dos mastros foi uma vez
         forma, consolidou-se a vantagem dos navios-                           mais diminuída em cerca de 2 metros, pas-
         vapor, nas rotas do Oriente. Convém não es-  1872 (6)  115  122       sando a armar em barca (7), com o objectivo
         quecer que o transporte do chá em veleiros,   1873  101     117       de reduzir a tripulação para 32 homens.
         obrigava a navegar cerca de 32.000 milhas,   1874  104      115         Em 1893, unicamente com lastro embar-
         cruzar quatro vezes o equador, percorrer em                           cado, o Thermopylae percorreu a distância
         latitude todo o Atlântico, atravessar todo o   1875  115    122       entre Vitória (Canadá) e Hong-Kong em ape-
         Índico em latitude e longitude e dobrar, por   1876  115    108       nas 23 dias! Consta ainda, que, numa destas
         duas vezes, o cabo da Boa Esperança. Para   1877  104       127       viagens, o Thermopylae conseguiu acompa-
         além do facto de o regime de monções, no   1878  110         -        nhar, durante três dias, o navio-vapor Em-
         Índico, só tornar possível a viagem, tanto a                          press of India, da Canadian Pacific’s Liner,
         ida como o regresso, em épocas do ano mui-  Assim, na década de 1880, aproveitando   que navegava a uma velocidade de 16 nós!
         to bem definidas. Contrariamente, a viagem   a ainda fraca fiabilidade dos navios-vapor,   Não existindo qualquer hipótese de o
         de ida e volta pelo canal de Suez não ultra-  o Thermopylae começou a ser utilizado no   tornar rentável, o armador decidiu vender
         passava as 20.000 milhas.          transporte de lã, da Austrália para Inglaterra,   o navio na Europa, em 1895. Largando de
           E os navios-vapor podiam iniciar a via-  continuando a competir com a Cutty Sark.   Port Blakely a 29 de Junho, chegou a Leith
         gem de regresso, muito mais curta, e conse-  Nesta nova rota dobrou pela primeira vez o   (Escócia), no dia 17 de Dezembro, dobran-
         quentemente mais rápida, logo que tivessem   cabo Horn, em 1879, e há registos de ter fei-  do pela última vez o cabo Horn.
         completado o respectivo carregamento. Esta   to 348 milhas numa singradura. Em 1882, a   A 6 de Fevereiro de 1896, o Capitão-te-
         vantagem, cedo começou a ditar o preço do   altura dos seus mastros foi reduzida em mais   nente Amaro Justiniano de Azevedo Gomes
         chá em Inglaterra.                 de dois metros.                    «foi nomeado para no estrangeiro proceder
           Nos primeiros anos de concorrência, ainda   Em 1889, fruto da evolução dos navios-  à aquisição de dois navios de vela para o
         havia quem defendesse que o chá, transpor-  -vapor, estes começaram também a ameaçar   serviço da Armada». Pouco depois foram
         tado pelos navios-vapor, ficaria impre gnado                           adquiridos o Thomas Stephens e o Thermo-
         pelo odor do fumo do óleo e do carvão quei-                           pylae, este último por 1.800 libras.
         mados, logo menos saboroso. Mas, esta falsa   Comandantes do “Thermopylae”  O Primeiro-tenente Pedro de Azevedo
         crença, cedo caiu por terra. Cerimónias públi-  - Robert Kemball   (1868-1874)  Coutinho, que a 8 de Abril viajou de Lisboa
         cas para prova de chá foram organizadas, por   - Charles Matheson   (1875-1880)  para Southampton, «tomou conta do navio»
         importadores e vendedores. Nesses eventos,   - Jack Henderson   (1880-1884)  no dia 18 desse mês.
         que alimentaram apaixonadas discussões na   - Allan        (1884-1888)  Cumpridas as formalidades, e algumas pe-
         sociedade inglesa, só a posteriori, depois de   - Jenkins   (1888-1890)  quenas reparações, o Thermopylae deixou
         todos provarem e opinarem quanto ao sabor   - Wilson       (1890-1893)  Edimburgo no dia 16 de Maio. O facto de
         dos diferentes chás, é que o meio de transpor-  - Winchester   (1894-1895)  frequentemente ter alcançado os 12 nós, ao
         te utilizado era divulgado.                                           longo dos treze dias de viagem, prova que
                                                                                        REVISTA DA ARMADA U ABRIL 2005  15
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