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A Lenda e o Mito
                                 A Lenda e o Mito


                                               1. Thermopylae

         Depois de anos gloriosos, os dois mais
         famosos navios, do apogeu da nave-
         gação à vela, navegaram ainda com a
         Bandeira Portuguesa. Como escreveu o                                                                      Arquivo CTEN António Gonçalves
         Comandante Alan Villiers, «in the end
         both were sold to those good judges of
         good ships, the Portuguese»(1).
         O Thermopylae, adquirido em 1896,
         tornou-se o navio-escola Pedro Nunes,
         da Marinha Portuguesa, terminando
         afundado, ao largo de Cascais, em 1907.
         No ano anterior, o grande rival Cutty
         Sark foi comprado por um armador na-
         cional, que lhe pôs o seu nome: Ferreira.
         Depois de navegar até 1922 com a ban-
         deira de Portugal, regressou a Inglaterra
         pela mão do Captain Wilfred Dowman,
         que iniciou a sua recuperação. Com   O Thermopylae navegando à vela.
         mais sorte do que o Thermopylae, a Cutty   te Star Line, de George Thompson & Co., foi  mopylae, uma galera (3) de três mastros, foi
         Sark é um dos poucos sobreviventes da   o segundo navio compósito construído pelo  concebido para vencer os opositores, na rota

         era dos clippers (2),e ainda hoje pode ser  estaleiro escocês. Essa característica, aliava a  do chá, entre a China e a Inglaterra.
         visitada em Greenwich, Londres.    leveza de uma construção em madeira (teca),   Recordamos que o primeiro navio a che-
         Um outro veleiro, o Thomas Stephens,  com uma rigidez estrutural excepcional, con-  gar, beneficiava da vantagem de vender o chá
         foi incorporado na Marinha Portugue-  ferida pelas balizas e vaus, em ferro. Este tipo  com maior lucro, já que, com a chegada dos
         sa, em 1896, como o transporte Pêro   de construção, mais económica, garantia ain-  restantes, aumentava imenso a oferta no mer-
         de Alenquer, servindo, a partir de 1909,   da ao navio uma maior capacidade de carga.  cado, e os preços desciam. Neste sentido, a
         de navio-escola. Perdeu-se, em 1916, já   O costado foi pintado de verde-escuro, carac-  tripulação recebia um prémio e, por isso, os
         navio mercante, quando regressava de   terístico da White Star Line, e a zona imersa  melhores marinheiros pretendiam embarcar
                                            forrada com chapas de cobre.
                                                                               num navio rápido, sabendo que o risco que
         uma viagem à América…
                                              A proa, seria uma evolução da famosa  corriam era também maior. O Thermopylae
                                            Aberdeen bow, criada e testada anterior-  tinha uma tripulação de apenas 43 homens.
             ncomendado em 1867, o Thermopylae  mente, noutros navios, pela Alexander Hall   O primeiro comandante do Thermopylae,
             foi construído em Aberdeen, na Escócia,  & Sons. Na medida em que a roda de proa  o Captain Robert Kemball, logo na primeira
         Enos estaleiros de Walter Hood & Co.,  era «puxada» para vante, permitia dispor de  viagem fez o que se julgava impossível. De
         tendo sido lançado à água a 19 de Agosto de  um gurupés de quase 20 metros de compri-  facto, os 60 dias entre Gravesend, em In-
         1868 e entregue ao armador no dia 1 de Se-  mento, que aguentava a enorme área vélica  glaterra, e Melbourne, na Austrália (pilot to
         tembro. Desenhado por Bernard Waymouth  (cerca de 3.000m ), o que proporcionava  pilot), não foram, depois disso, alguma vez
                                                          2
         – secretário da Lloyd’s Register –, para a Whi-  uma maior velocidade. Como se sabe o Ther-  superados, ou igualados, por qualquer outro
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                                                                               graduras (4) superiores a 300 milhas.
                                                                                 Transportando carvão para os navios-va-
                                                                               por, percorreu, posteriormente, a distância
                                                                               entre Newcastle (Austrália) e Xangai (China)
                                                                               em apenas 28 dias, num trajecto que habi-
                                                                               tualmente era feito, nessa época, em mais de
        Arquivo Museu de Marinha
                                                                               40 dias de mar. Com estes dois recordes, logo
                                                                               na primeira viagem, entrou no porto chinês de
                                                                               Foochow, onde deveria carregar chá, com um
                                                                               galo dourado, símbolo de vitória, colocado na
                                                                               borla (5) do mastro grande. O que provocou
                                                                               a ira nas tripulações dos outros navios, que
                                                                               aí se encontravam fundeados. É que, nessa
                                                                               altura, o Thermopylae ainda não havia con-
                                                                               quistado nenhuma vitória na corrida do chá
                                                                               (entre a China e a Inglaterra), contrariamente
                                                                               ao que acontecera já com muitos dos outros.
                                                                               Uma noite, aproveitando a distracção da tri-
                                                                               pulação, que comemorava o aniversário do
                                                                               Captain Kemball, um marinheiro do Taeping
         O Thermopylae fundeado em Sidney, na Austrália, em 1882.              atirou-se ao mar, nadou até ao Thermopylae

         14  ABRIL 2005 U REVISTA DA ARMADA
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