Page 285 - Revista da Armada
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sora” – deviam ver este filme pelo menos  convidados civis em visitas às unidades da  a porta, que impede a entrada de intrusos,
         uma vez e, dando um “desconto” à sua fra-  Marinha nos restantes dois dias da semana.  são as Forças Armadas, entre as quais se en-
         ca qualidade cinematográfica, meditar so-  No fundo, nada de grave, pois o “pincel”  contram, naturalmente, os Fuzileiros.
         bre o seu significado profundo.     oferecia, como brinde, mais uma tarde ou   E com esta se ficou o jovem provocador!
           Mas lembro-me que os sentimentos anti-  manhã de “baldanço” e, além do mais, as  Não sei se a comparação foi da autoria do
         -militaristas, não sendo propriamente uma  bonitas e sorridentes estudantes do grupo  Senhor Comandante ou se, pelo contrário,
         novidade, começaram a manifestar-se mais  valiam bem o sacrifício.    são devidos créditos a outro autor. Certo é
         abertamente – pelo menos em Portugal   A mim e a outro camarada saiu na “rifa”  que até ao fim da manhã - e durante o ani-
         - após o termo da Guerra Fria (passado o  acompanhar a visita à Escola de Fuzileiros,  mado almoço que se seguiu - foram aborda-
         perigo, esquecemos quem nos protegeu),  onde fizemos questão de mostrar aos nossos  dos os mais diversos assuntos, mas nenhum
         quando este vosso camarada estava no se-  colegas universitários as “terríveis” provas  que pusesse em causa a utilidade dos Fuzi-
         gundo ou terceiro ano da Escola Naval. Ora,  a que ali tínhamos sido sujeitos. Sucede,  leiros ou das Forças Armadas em geral.
         por essa altura, a Escola acolheu um mini-  então, que, depois da sempre interessante   Ainda hoje recorro à imagem da “porta”
         curso intitulado “Perspectivas do Islão Con-  visita ao Museu do Fuzileiro, um dos estu-  sempre que tenho necessidade de explicar
         temporâneo”, que era dirigido por um reno-  dantes interpelou o Director de Instrução  aquilo que faz a Marinha (embora esta te-
         meado académico e professor convidado do  da Escola, que pessoalmente nos acompa-  nha a vantagem de poder apresentar uma
         Instituto Superior Naval de Guerra, onde as  nhava, e perguntou se os Fuzileiros não se  importante componente adicional de ser-
         suas citações em árabe têm feito grande fu-  sentiam, já, inúteis, uma vez que Portugal  viço público) ou qualquer um dos outros
         ror, não obstante o facto da audiência não  deixara de ter inimigos. Imperturbável, o  Ramos. Claro que todos desejaríamos que
         entender patavina dessas pequenas pérolas  Oficial retorquiu:          a nossa “porta” fosse blindada e dotada de
         da sabedoria oriental. Nesse curso partici-  - Vou responder-lhe com outra pergunta:  uma fechadura de alta segurança, porém,
         param delegações das três Academias mi-  o Senhor tem inimigos?       se tal não for possível, esperemos, acima
         litares nacionais, além de um considerável   - Eu não! – Declarou prontamente o jo-  de tudo, que nunca os nossos governan-
         grupo de alunos (e alunas!) de uma co-  vem.                          tes tenham a inconsciência de a deixar es-
         nhecida universidade portuense. E foi este   - Assim sendo, - prosseguiu o interpe-  cancarada.
         convívio o maior aliciante à adesão dos ca-  lado – suponho que deixa a porta da sua   Devo dizer que não foi esta a única lição
         detes navais (não esquecendo a soberana  casa sempre aberta, mesmo quando se au-  que recebi dos nossos “fuzos”, e muito te-
         oportunidade de estes justificadamente se  senta…?                     nho, ainda, a contar sobre o meu convívio
         baldarem a três dias inteirinhos de aulas!).   - Er… Quer’ dizer… Não!... Claro que  com os militares desse brioso corpo tão ca-
         O que não vinha no “contrato” era que os  nunca faço isso. – Respondeu o cada vez  racteristicamente naval, mas isso já dá ma-
         voluntários para a frequência do curso fica-  mais atrapalhado universitário.  terial para uma outra história…
         vam automaticamente encarregues – num   - Ora, aí tem a sua resposta. – Rematou,                      Z
         sistema de rotatividade também conhecido  triunfante, o Director de Instrução. – Basta      J. Moreira Silva
         por “escala de pincéis” - de acompanhar os  imaginar que a sua casa é o seu País e que             CTEN





                              Carta para “Doc.”




               ossa Excelência não me conhece... Eu sou o “Silva”, um  tamentos e atitudes menos comuns, e desse modo penetrar no
               dos inúmeros “Silvas” da Marinha que lêem na Revista  âmago das motivações psicológicas das gentes da Armada, que
         Vda Armada as Histórias da Botica assinadas pelo “Doc.”,  relata de um modo extraordinariamente verdadeiro e convincente
         que desde há cinco anos nos delicia e comove com os seus textos  através da descrição de “tipos” e de “circunstâncias” que viveu
         tão cheios de beleza e humanidade.                   ou conheceu de perto.
            Identificando-me desta forma para me assumir como repre-  “Doc.” exalta qualidades e valores, censura defeitos, aponta
         sentante de todos os Silvas, os Correias, os Martins – numa pala-  caminhos, sempre duma forma cuidadosa, discreta, tolerante e
         vra, todos aqueles que em relação aos artigos do “Doc.” pensam  compreensiva, tendo como pano de fundo a Marinha e os múlti-
         o mesmo que eu; e trato-o por “Vossa Excelência” por dois mo-  plos aspectos da sua vida própria. Não há um único dos seus 40
         tivos: o primeiro é histórico. É que no meu tempo (eu já andava  artigos que não seja edificante, que eu não gostasse que os meus
         no mar quando o “Doc.” nasceu) havia um hábito na Marinha,  netos lessem e meditassem no que diz, na certeza de que isso os
         que não sei se ainda hoje se conserva: as praças dirigiam-se aos  enriqueceria moralmente.
         oficiais subalternos usando o vocativo “vossa senhoria” – mas   A que propósito vem tudo isto? Apreciação crítica e louvor a
         com uma excepção para os médicos, que, independentemente do  alguém que muito o merece? Sim... mas não só! A verdadeira ra-
         posto, tinham sempre o tratamento de “vossa excelência” – pois  zão está no último texto publicado (Julho) que se chama “A Rai-
         eram “doutores”, isto é, pessoas sapientes e por isso merecedo-  nha do Mundo, a Vida e a Esperança”.
         ras de um vocativo diferenciado.                      Não vale a pena repetir o que lá está escrito, nem fazer con-
           Se esta razão por si só não chegasse, no caso particular do  siderações acerca dos motivos que o levaram a escrever aque-
         “Doc.” a palavra “excelência” teria sempre cabimento, por que  las linhas. O que importa é garantir-lhe que os seus leitores, os
         é a que melhor define a qualidade dos textos que assina.  Silvas, os Correias, os Martins e todos os outros, se solidarizam
           O primeiro desses artigos, “A Estrelinha no Céu”, aborda um  consigo numa hora difícil, respeitando a sua intimidade, e de-
         caso triste duma forma discreta, sem dramatismos nem piegui-  sejando muito que tudo passe e se resolva em bem, como certa-
         ces, o que o torna tocante, e revela uma compreensão profunda  mente virá a acontecer.
         da alma humana.                                       É este o “eco das suas palavras no coração de muitos”, e oxalá
           A partir desse , sucessivas Histórias da Botica têm deliciado os  fosse também o “aconchego” que o “ajudasse a ganhar a Vida”!
         leitores e confirmado a sua enorme capacidade de intuir o que   “Doc.”, tudo há-de correr bem!
         está para além das palavras, de decifrar as causas de compor-                                      Silva
                                                                                     REVISTA DA ARMADA U AGOSTO 2005  31
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