Page 281 - Revista da Armada
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A “Espuma“ do NTM “Creoula”
A “Espuma“ do NTM “Creoula”
egistou-se recentemente a morte da tos de lazer no convés, os banhos de man- Ilhas Canárias, Tânger, Ceuta e Casablanca,
mascote do Navio de Treino de Mar gueira a meio-navio nas tardes de calor tór- tendo efectuado também a viagem ao Cana-
R“Creoula”, a cadela “Espuma”. rido e os refrescantes mergulhos em alto mar, dá em 1998, no âmbito do projecto: ”Creoula
A Revista da Armada consagra-lhe hoje es- com o “Creoula” pairando ao largo nos anos - de novo na Terra Nova.” Marcou com a sua
tas linhas, porque a “Espuma” fazia parte inte- de juventude, ninguém a conseguia impedir presença tanto as missões mais curtas, corres-
grante da guarnição do NTM “Creoula” desde de saltar para a água quando via mergulhar pondentes a um fim-de-semana ou alguns dias
há quinze anos, ou seja, ao longo de quase toda o primeiro instruendo, fazendo apelo ao seu navegando ao longo da costa portuguesa, re-
a vida do “Creoula” como Navio de Treino de instinto protector de cão-de-água...; nos por- gista-se a sua predilecção pela Berlenga... como
Mar (relembra-se que esta segunda etapa as longas regatas internacionais – as famo-
do navio teve início em 1987.). sas “Cutty Sark” – e os cruzeiros oceânicos,
Nascida em 30 de Março de 1990 no com duração superior a um mês.
canil das Avencas – Parede, a “Espuma” O actual Comandante, quando interro-
foi oferecida pela respectiva proprietá- Foto CTEN António Gonçalves gado sobre a “Espuma”, costumava di-
ria, criadora de cães-de-água, prestigia- zer, precisamente:”É o elemento da guarni-
da raça canina portuguesa que, como o ção que tem mais horas de navegação, o que
nome sugere, evidencia características melhor conhece o navio. Se pudesse falar, creio
de uma particular adaptação à vida do que participaria de modo muito válido em todas
mar com a existência de membranas in- as operações de manobra do navio, e contribui-
terdigitais relativamente desenvolvidas, ria real mente, com indicações precisas, como:
ao mergulhar as narinas ficam bloquea- a escota não passa por aí, ou:isso nunca se fez
das evitando a entrada de água para a assim...”
garganta e os regulares movimentos de Há ainda que recordar a sua vertente de
cauda, semelhantes aos de uma hélice, de estrela dos meios de comunicação social. Ao
modo a impulsionar o corpo, quando em longo dos quinze anos, foram muitos os
natação – para além do espesso revesti- jornais e revistas que, em trabalhos sobre o
mento de pêlo encaracolado, destinado a “Creoula” se referiram, em termos sempre
conferir -lhe resistência durante as longas elogiosos, à “Espuma”, tendo alguns publi-
permanências na água fria. cado artigos a seu respeito, na generalidade
A “Espuma das Avencas”, nome de re- ilustrados com respectiva fotografia em di-
gisto, integrou a guarnição do “Creoula” versos contextos da vida a bordo. Foi ainda
com apenas um mês de idade, e cumpriu protagonista de programas transmitidos
desde então no navio uma comissão cor- pela televisão, tendo chegado mesmo a ser
respondente aos seus quinze anos de vida entrevistada pelos apresentadores, prova a
– aliás, com os maiores zelo, empenho e de- que se prestava com a bonomia e afabili-
dicação, como diríamos se nos encontrás- dade que mantinha em todas as situações,
semos a redigir o louvor de um elemento da tos, muitos foram os bons momentos na com- como boa embaixadora do navio.
guarnição, quando do seu destacamento. E, de panhia dos instruendos, na praia, de que era É justo relembrar aqui os sucessivos tratado-
certo modo, talvez seja um pouco disso que se particular apreciadora, ou percorrendo, pela res que a ela se dedicaram ao longo dos anos,
trata... mas, mais do que um louvor, é sobretu- trela, os longos passeios marítimos nas noites zelando de modo próximo e atento pela sua
do o evocar da sua recordação que constitui a cálidas de Verão. saúde e bem-estar, controlando as tosquias, as
razão de ser deste pequeno texto. E por falar em noites, como não recordar vacinas...e convidando-a inclusivé para passar
Uma memória muito grata partilhada por os momentos em que servia de almofada aos em sua casa, na companhia de crianças - e até
diversos comandantes (houve troca de tele- jovens que resolviam passar a noite no con- de outros cães! - fins-de-semana ou períodos
fonemas na data da morte da “Espuma”...), vés observando as estrelas, encolhidos no seu de festa, como o Natal...
dezenas de oficiais, centenas de elementos saco-cama, sob a pilha de dóris ? E se não fos- Não seria correcto deixar também de men-
da guarnição...e milhares de jovens que, em- se quase segredo, poderíamos ainda evocar a cionar os cozinheiros que, ao longo dos tem-
barcados no “Creoula”, puderam vivenciar imagem de algumas meninas de 14, 15 anos, pos, mimaram a “Espuminha”, reservando-
de modo directo a ligação ao mar e à vida de que levavam ao colo a pequena “Espuminha” -lhe sempre um pitéu especial... razão pela
bordo, através da experiência marcante de um para dormir no 3º beliche... e que, quem sabe, qual o capacho da cozinha se tornou um dos
treino de mar neste navio... hoje, 15 anos depois, talvez tenham oferecido seus lugares predilectos a bordo.
Ao longo de década e meia, foram mais aos seus filhos um pequeno cão-de-água, tam- Cumpre ainda, neste pequeno texto, ren-
de sete mil e quinhentos os instruendos, desi- bém preto e encaracolado... der tributo de gratidão à Dra. Jacqueline
gnação atribuída aos jovens embarcados no Marinheira com mais horas de navegação Silva Dias, viúva do saudoso Comandante
“Creoula” que travaram conhecimento com a a bordo, a “Espuma” navegou ininterrupta- Silva Dias, que nutria pela cadela grande afec-
“Espuma”, lhe fizeram festas ou pediram a mente durante catorze Verões relembra-se to, aliás totalmente retribuído e que, na última
pata, a fotografaram ou se fizeram fotografar que na qualidade de Navio de Treino de Mar, fase da vida da mascote, lhe proporcionou os
ao seu lado, posando por vezes a cadela com o “Creoula” navega, todos os anos, sensivel- maiores cuidados e carinhos, na exacta medi-
o boné do “Creoula” e lhe ofereceram pistac- mente, entre os meses de Maio e Outubro, fez da em que a “Espuminha” os merecia.
cios – guloseima preferida – em troca de uma escala nos mais diversos portos da costa por- Sabemos que todos os que, elementos da
profunda gratidão... tuguesa, Madeira e Açores, bem como portos guarnição ou instruendos do “Creoula”,
Extraordinariamente meiga e dócil, sou- estrangeiros (de entre os quais, países da Es- conheceram a “Espuma” estão de acor-
be ser a mascote ideal, perfilando-se com os candinávia, Amsterdão, Bruges, Londres, Wey- do: a “Espuma” merecia tudo. E nunca a
instruendos e a guarnição na formatura das mouth, St. Malo, Vigo e la Coruña – e no Sul esquecerão.
8:30 h, partilhando os momentos de enjoo da Europa e Norte de África, Tunísia, Nápo- Z
quando estava mar, mas também os momen- les, Génova, Nice, Barcelona, Valência, Cádiz, (Colaboração do NTM “Creoula”)
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