Page 133 - Revista da Armada
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ship?”  Claro que ambos ficámos                                                estava amarrado à boía no meio
         sem resposta.                                                                 do rio. O nosso escaler levar-me-ia
           Em Karachi, pouco tempo após                                                para bordo.“Sim senhor Coman-
         a chegada, o navio entrou na doca                                             dante”. Os últimos minutos antes
         seca flutuante onde permaneceu                                                 das oito horas foram de verdadeira
         algum tempo a fazer a referida lim-                                           tortura psicológica mas sem razão!
         peza de fundos após o que atracou                                             Às oito em ponto aparecia a bordo
         ao cais do porto. E aqui começa o                                             o esperado Master Sargeant.
         hilariante episódio que deu origem                                             Lá fomos de jeep até ao Depósi-
         a este escrito.                                                               to, (comigo já perfeitamente tran-
           O nosso oficial de ligação era o                                             quilo, consciente do dever cumpri-
         2TEN Nassib, da guarnição de uma                                              do), onde o meu pedido de luvas e
         fragata da Marinha Paquistanesa,                                              balões foi imediatamente atendido.
         atracada ao cais á frente do Faial.                                           Mas, ao sacar as necessárias rupias,
         Pouco mais velho era do que eu e,                                             responde-me o funcionário que
         rapidamente, se estabeleceu a ami-  2TEN Conceição Silva, 1TEN Cristiano de Sousa (Comandante), 2TEN Cristovão   não podia receber o dinheiro sem
         zade entre os dois.          Moreira e TEN Gualdino Rosa.                     uma requisição! Oh diabo, eu não
           Diga-se de passagem que, daí para a fren-  convés, perguntou-me se estava tudo O.K.  tinha requisição nem a poderia fazer uma vez
         te, aboletou-se no nosso navio de onde só saía  respondendo eu que sim, que ia só ali ao De-  que não pertencia à Marinha do Paquistão...
         de vez, todos os dias, para ir dormir á fragata.  pósito, num salto, recolher o material que   Então tinha que falar com o Comandan-
         Quando dava volta ao serviço íamos para ter-  estava pronto. O Master Sargeant da fragata  te do Depósito... Lá fomos (com o tempo a
         ra gozar os pequenos prazeres da vida e bas-  do Nassib levava-me lá. O Comandante ex-  passar mais depressa do que eu queria) mas
         tante me diverti com a sua companhia.  plicou-me que, antes das dez, largaria do cais  o nosso homem não gostava muito de assu-
           Entretanto, uns bons dez dias antes da data  e ficaria de braço dado com o destroyer que  mir responsabilidades e passou a bola para o
         da nossa partida, o Comandante encarre-                                Comandante da Base!  “Let us go to the Base
         gou-me de adquirir, no Depósito de Mate-                               Commander” diz o nosso Master Sargeant
         rial da Base Naval, luvas e defensas de ba-                            também já a ver o tempo a fugir. E lá fomos
         lão que eram necessárias para as fainas do                             mas também este estava ocupado e só nos
         convés e da máquina. Posta a necessidade ao                            receberia dentro de quinze minutos!
         nosso Nassib logo este me afirmou que isso                                Nesta altura, já com os nervos em franja,
         não constituía problema. Em pouco mais de                              decidi que só podia jogar uma cartada au-
         meia hora resolvia-se o assunto no Depósito                            daciosa: Perguntei, ao já preocupado Mas-
         que, aliás, ficava á vista de bordo do “Faial”.                         ter Sargeant, se era possível mandar uma
         Assim não havia pressa. Passaram mais uns                              mensagem para o navio, nessa altura já no
         dias de boa diversão terrestre e, voltando à                           meio do rio atracado ao destroyer. “Yes, yes
         carga com o Nassib, lá me dizia ele que não                            sir, come to the comunications tower!” E lá
         me preocupasse. Logo lá daríamos um salto                              fomos. Ali, por morse luminoso, transmitiu-
         rápido e pronto. “Mas hoje não, que tenho                              -se um “request fifteen minutes delay” que
         um programa porreiro para terra!”. De vez                              foi reconhecido de bordo sem, contudo, re-
         em quando, o Comandante perguntava-me                                  ceber qualquer resposta que eu, inocente-
         pelas luvas e balões ao que eu respondia                               mente, tomei por positiva. Afinal, não era o
         como o Nassib: “Comandante não se preo-                                Comandante um chefe fixe e amigo que até
         cupe, está tudo sob controlo!”                                         me deixava fumar as suas cigarrilhas e usar o
           E assim se foram esgotando os dias, o                                seu champô quando tomava duche? Estava,
         Comandante já não perguntava mais nada,                                com certeza, tudo bem. Assim já não havia
         mas eu comecei a sentir-me pouco á vonta-                              problema com a falta de tempo. E a verdade
         de. Disse ao nosso amigo “eh pá, mais não.                             é que, a partir daí, todo o processo se desblo-
         Vamos lá despachar isto que já é tempo!”                               queou rapidamente e a tranquilidade voltou
         ao que ele prometeu acção para o dia se-                               aos nossos espíritos.
         guinte que, na verdade, já era a véspera da                              Quando chegámos ao cais procurámos o
         nossa partida...                                                       escaler e nada! Que diabo, onde é que ele se
           Só que, na manhã seguinte, aparece lá a                              meteu? Pior, horror dos horrores, ao olhar
         bordo, com ar de caso e diz-me que tinha                               para o rio só lá estava o destroyer, do Faial
         surgido um problema: o navio dele recebera                             nem sombra... A minha aflição não era maior
         ordem para zarpar, imediatamente, já não sei                           que a do Master Sargeant convicto de que
         para onde! Ele tinha que embarcar já e não                             a culpa dos atrasos lhe seria atribuída. Ali
         tinha possibilidade de ir comigo ao Depósi-                            estava eu, calça e sapato branco, camisa da
         to! “Então e agora?” “Vocês só saem amanhã                             mesma cor e manga curta e umas meras ru-
         às dez não é? Então, às oito horas em pon-                             pias do troco da aquisição no Depósito... e os
         to, apresenta-se aqui a bordo o Master Sar-                            malditos balões e luvas. Só havia uma coisa
         geant da nossa fragata, que fica em terra e                             a fazer: O “Gonçalves Zarco” estava na doca
         que te leva lá. Às oito e meia podes estar de                          seca, em terra. Disse ao Master Sargeant que
         volta” E, com um forte abraço, despediu-se                             me levasse áquele navio e não se preocupas-
         de vez, de mim.                                                        se mais com o assunto que eu cá me desen-
           Escusado será dizer que nessa noite qua-                             rascaria. E assim aconteceu. Ele despediu-se,
         se não dormi com a preocupação de que,                                 talvez mais aliviado, e foi à sua vida.
         à última hora, algo pudesse falhar. Às seis                              Quando entrei no navio, com todo aquele
         da manhã já estava a pé e, perto das oito, o                           arraial, o ofícial de serviço, que era o Almei-
         Comandante que, entretanto, aparecera no   Velha Goa.                  da e Costa, a quem relatei a minha desgraça,
                                                                                        REVISTA DA ARMADA U ABRIL 2007  23
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