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Histórias de um velho marinheiro aviador
Histórias de um velho marinheiro aviador
á pouco tempo, em conversa amena guém do navio, para uma embarcação que ao encontro do meu novo navio.
com o meu irmão e alguns amigos, aguardava, junto á escada do portaló por O Comandante, a quem de imediato me
Hvieram à baila episódios mais ou “um senhor oficial, 2TEN Conceição Silva.” apresentei, era o 1TEN Cristiano de Sousa,
menos hilariantes da minha, já longínqua, Acabara-se a boa vida, o dever chamava-me. homem que, por detrás do seu aparente ar
vida de Marinha. Instado para que os rela- Juntamente com o marinheiro fogueiro que, distraído, se viria a revelar, para mim, como
tasse para a respectiva Revista pelo que po- entretanto, subira ao convés para me ajudar um verdadeiro chefe, com um elevado senso
deriam revelar do pitoresco ambiente que os a transportar as malas, lá fomos, no escaler, de humor, um manobrador excepcional que
anos cinquenta nos ofereciam, bem metia o navio em qualquer “bura-
consciente de que recordar é viver, NAVIOS PORTUGUESES EM GOA co” sem precisar de ajudas externas
resolvi meter mãos à obra e procurar EM DEZEMBRO DE 1955 e que sabia “apertar os calos” a quem
nos reconditos da memória todos os o merecesse, com convicção mas sem
detalhes que a mesma ainda conserva “Afonso de Albuquerque” perder a elegância nem humilhar o
de tão remota e feliz época. prevaricador.
Estávamos em Dezembro de 1955 O imediato era o 2TEN Cristovão
e, como jovem 2TEN recém promo- Moreira, oficial digno e responsável,
vido em Agosto desse ano, recebi or- dos meus tempos de Escola Naval,
dem de marcha para a Índia onde me um ano mais antigo do que eu e um
devia apresentar, em Goa, a bordo do bom amigo. O tenente Gualdino Rosa
NRP “Faial”, velho dragaminas a car- era o chefe da máquina, mais velho
vão do tempo da 2ª Guerra Mundial que qualquer um de nós, com a sua
que, terminando a sua comissão, re- experiência profissional de longa
gressaria em breve ao Continente. data e a tranquilidade pessoal que só
A bordo do “luxuoso” paque- a idade mais avançada permite. E, no
te Quanza que, transformado em fim de tudo, o 2TEN maçarico, aca-
transporte de tropas, nos levaria até bado de chegar, a quem foram logo
aos nossos respectivos destinos, iam “Gonçalves Zarco” entregues, entre outras, as funções de
outros camaradas, com missões se- administrativo do navio.
melhantes, instalados em exíguos A nossa partida para o Continente
mas confortáveis camarotes duplos. estava prevista para poucos meses
Eram o Gomes Rosa, o Salvador, o mais tarde, com passagem por Kara-
Mário Oliveira, o Dr. Jóia, o Ataíde, chi onde o navio ia fazer limpeza de
o Gonçalves Coelho, do meu curso, fundos em doca seca.
que aboletava comigo, e outros, mais O restante tempo, em Goa, pouco
antigos, cujos nomes já não consigo tem para contar. Para além do servi-
recordar, todos para renderem pes- ço normal de bordo, os “refrescos” no
soal com as comissões já terminadas, hotel Mandovi, em Pangim, as pas-
tanto em Goa como em Macau pelo seatas em terra com as motas “Zun-
que o navio aportaria a Hong Kong. dap” que os “Arés” nos alugavam,
O comandante de bandeira era o “Pedro Nunes” os banhos nas praias de D. Paula, as
CFR Vilhena de Mendonça. paisagens maravilhosas do interior, e
Recordo a longa viagem com os a majestosa colecção de monumentos
agradáveis fins de tarde na tolda do e igrejas que os nossos valorosos an-
navio, sentados em cadeiras de pa- tepassados nos deixaram, como tes-
lhinha a ver os Pôr do Sol tropicais no temunho de uma Raça que estava na
Índico. Único acontecimento inédito sua pujança máxima no tempo dos
em toda a viagem, o encontro com o Vice-Reis. Como eram diferentes es-
“Bartolomeu Dias” que, com mais ve- ses tempos gloriosos e, para quem
loz andamento, evolucionou à volta ainda dos mesmos teve um vislum-
do Quanza com grande elegância. bre, quão difícil é o contraste com a
Vinha do Oriente com o Comodoro triste e mesquinha situação actual...
Sarmento Rodrigues. Em Abril de 56 zarpámos rumo ao
Enfim, uma vida árdua de mari- Paquistão. A viagem decorreu sem
nheiro em alto mar... “Faial” incidentes apenas com um pormenor
Finalmente Goa, com o navio a engraçado. Já bem frente à costa da
fundear na baía, frente ao porto de União Indiana, embora em águas in-
Mormugão e o “Afonso de Albu- ternacionais, começámos a ser alcan-
querque”, o “Gonçalves Zarco”, o çados por uma lancha rápida daquele
“Pedro Nunes” e o meu futuro e país, armada com duas pequenas pe-
bravo M 401 “Faial” (adiante vere- ças de 20 mm, que começou a fazer
mos porquê) fundeados, mais longe, a clássica pergunta “what ship?” O
frente a Dona Paula. Comandante não gostou de ser in-
Mal refeito, ainda, do retorno a ter- terpelado por um “menor” e, irrita-
ras que conhecera há um ano atrás, a do, perguntava “o que é que esse gajo
bordo do “Afonso” e depois do “Bar- quer? Ele que diga primeiro quem é!
tolomeu Dias”, sou alertado, por al- Oh sinaleiro pergunte ao gajo “what
22 ABRIL 2007 U REVISTA DA ARMADA