Page 132 - Revista da Armada
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Histórias de um velho marinheiro aviador
            Histórias de um velho marinheiro aviador

               á pouco tempo, em conversa amena  guém do navio, para uma embarcação que  ao encontro do meu novo navio.
               com o meu irmão e alguns amigos,  aguardava, junto á escada do portaló por   O Comandante, a quem de imediato me
         Hvieram à baila episódios mais ou  “um senhor oficial, 2TEN Conceição Silva.”  apresentei, era o 1TEN  Cristiano de Sousa,
         menos hilariantes da minha, já longínqua,  Acabara-se a boa vida, o dever chamava-me.  homem que, por detrás do seu aparente ar
         vida de Marinha. Instado para que os rela-  Juntamente com o marinheiro fogueiro que,  distraído, se viria a revelar, para mim, como
         tasse para a respectiva Revista pelo que po-  entretanto, subira ao convés para me ajudar  um verdadeiro chefe, com um elevado senso
         deriam revelar do pitoresco ambiente que os  a transportar as malas, lá fomos, no escaler,  de humor, um manobrador excepcional que
         anos cinquenta nos ofereciam, bem                                           metia o navio em qualquer “bura-
         consciente de que recordar é viver,    NAVIOS PORTUGUESES EM GOA            co” sem precisar de ajudas externas
         resolvi meter mãos à obra e procurar    EM DEZEMBRO DE 1955                 e que sabia “apertar os calos” a quem
         nos reconditos da memória todos os                                          o merecesse, com convicção mas sem
         detalhes que a mesma ainda conserva   “Afonso de Albuquerque”               perder a elegância nem humilhar o
         de tão remota e feliz época.                                                prevaricador.
           Estávamos em Dezembro de 1955                                               O imediato era o 2TEN  Cristovão
         e, como jovem 2TEN recém promo-                                             Moreira, oficial digno e responsável,
         vido em Agosto desse ano, recebi or-                                        dos meus tempos de Escola Naval,
         dem de marcha para a Índia onde me                                          um ano mais antigo do que eu e um
         devia apresentar, em Goa, a bordo do                                        bom amigo. O tenente Gualdino Rosa
         NRP “Faial”, velho dragaminas a car-                                        era o chefe da máquina, mais velho
         vão do tempo da 2ª Guerra Mundial                                           que qualquer um de nós, com a sua
         que, terminando a sua comissão, re-                                         experiência profissional de longa
         gressaria em breve ao Continente.                                           data e a tranquilidade pessoal que só
           A bordo do “luxuoso” paque-                                               a idade mais avançada permite. E, no
         te Quanza que, transformado em                                              fim de tudo, o 2TEN maçarico, aca-
         transporte de tropas, nos levaria até                                       bado de chegar, a quem foram logo
         aos nossos respectivos destinos, iam   “Gonçalves Zarco”                    entregues, entre outras, as funções de
         outros camaradas, com missões se-                                           administrativo do navio.
         melhantes, instalados em exíguos                                              A nossa partida para o Continente
         mas confortáveis camarotes duplos.                                          estava prevista para poucos meses
         Eram o Gomes Rosa, o Salvador, o                                            mais tarde, com passagem por Kara-
         Mário Oliveira, o Dr. Jóia, o Ataíde,                                       chi onde o navio ia fazer limpeza de
         o Gonçalves Coelho, do meu curso,                                           fundos em doca seca.
         que aboletava comigo, e outros, mais                                          O restante tempo, em Goa, pouco
         antigos, cujos nomes já não consigo                                         tem para contar. Para além do servi-
         recordar,  todos para renderem pes-                                         ço normal de bordo, os “refrescos” no
         soal com as comissões já terminadas,                                        hotel Mandovi, em Pangim,  as pas-
         tanto em Goa como em Macau pelo                                             seatas em terra com as motas “Zun-
         que o navio aportaria a Hong Kong.                                          dap” que os “Arés” nos alugavam,
         O comandante de bandeira era o   “Pedro Nunes”                              os banhos nas praias de D. Paula,  as
         CFR Vilhena de Mendonça.                                                    paisagens maravilhosas do interior, e
           Recordo a longa viagem com os                                             a majestosa colecção de monumentos
         agradáveis fins de tarde na tolda do                                         e igrejas que os nossos valorosos an-
         navio, sentados em cadeiras de pa-                                          tepassados nos deixaram, como tes-
         lhinha a ver os Pôr do Sol tropicais no                                     temunho de uma Raça que estava na
         Índico. Único acontecimento inédito                                         sua pujança máxima  no tempo dos
         em toda a viagem, o encontro com o                                          Vice-Reis. Como eram diferentes es-
         “Bartolomeu Dias” que, com mais ve-                                         ses tempos gloriosos e, para quem
         loz andamento, evolucionou à volta                                          ainda dos mesmos teve um vislum-
         do Quanza com grande elegância.                                             bre, quão difícil é o contraste com a
         Vinha do Oriente com o Comodoro                                             triste e mesquinha situação actual...
         Sarmento Rodrigues.                                                           Em Abril de 56 zarpámos rumo ao
           Enfim, uma vida árdua de mari-                                             Paquistão. A viagem decorreu sem
         nheiro em alto mar...          “Faial”                                      incidentes apenas com um pormenor
           Finalmente Goa, com o navio a                                             engraçado. Já bem frente à costa da
         fundear na baía, frente ao porto de                                         União Indiana, embora em águas in-
         Mormugão e  o “Afonso de Albu-                                              ternacionais, começámos a ser alcan-
         querque”, o “Gonçalves Zarco”, o                                            çados por uma lancha rápida daquele
         “Pedro Nunes” e o meu futuro e                                              país, armada com duas pequenas pe-
         bravo M 401 “Faial” (adiante vere-                                          ças de 20 mm, que começou a fazer
         mos porquê) fundeados, mais longe,                                          a clássica pergunta “what ship?” O
         frente a Dona Paula.                                                        Comandante não gostou de ser in-
           Mal refeito, ainda, do retorno a ter-                                     terpelado por um “menor” e, irrita-
         ras que conhecera há um ano atrás, a                                        do, perguntava “o que é que esse gajo
         bordo do “Afonso” e depois do “Bar-                                         quer? Ele que diga primeiro quem é!
         tolomeu Dias”, sou alertado, por al-                                        Oh sinaleiro pergunte ao gajo “what

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