Page 25 - Revista da Armada
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Fraseologia Marinhática
Fraseologia Marinhática
á 50 anos, o aviso JOÃO DE LISBOA estava em comis- tir a sua sobrevivência e o seu estatuto de línguas de comunicação
são de serviço na Índia. O fundeadouro normal dos científica e técnica. No caso do português, dada a herança histórica
Hnavios de guerra era D. Paula , no porto de Mormu- que nos foi legada e que temos obrigação de gerir, consideramos im-
gão, junto á foz do Zuari, mas por vezes os avisos de 2ª classe, prescindível envidar todos os esforços para que a nossa língua possa
que eram mais pequenos e demandavam menos água que os continuar a ser “língua do mar”.
de 1ª classe, saíam a barra, rumavam a Norte e entravam no É incontroverso que esta opinião confirma retroactivamente
Mandovi, permanecendo alguns dias em frente a Pangim. a validade das motivações que deram causa ao artigo do Cte.
Assim aconteceu com o JOÃO DE LISBOA que, depois de Esparteiro e ao comentário do Cte. Ramos Pereira, e mostra
uma estadia nessa cidade, regressou a D. Paula, em 29 de a vantagem, diremos mesmo a obrigação, de manter aceso
Novembro de o interesse pelo
1955. tema, numa al-
Essa curta via- tura em que tudo
gem serviu de o que é genuína e
tema para um tradicionalmente
artigo da auto- português tende
ria do Cte. Antó- a ser posto em
nio Marques Es- causa por uma
parteiro, que foi ignorância avas-
publicado com saladora que, ao
um comentário serviço de uma
do Cte. Jorge globalização de-
Ramos Pereira, senfreada, des-
em “A FLAMU- preza ou desco-
LA”, o jornal do nhece a tradição
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navio. marítima portu-
O texto e o co- guesa. 3
mentário são Sirva este bre-
elucidativos não ve apontamento
só quanto á eru- para chamar a
dição do autor atenção dos lei-
como ao apreço O NRP “João de Lisboa” entrando no Rio Mandovi – 1954. tores da Revista
da Marinha pela da Armada para
sua terminologia própria, cultivada e seguida ao longo de sé- este assunto, e para sugerir aos mais interessados que se infor-
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culos, mas evoluindo no tempo de acordo com os desenvolvi- mem acerca de vários estudos recentes sobre ele realizados
mentos tecnológicos que vão alterando o mundo marítimo. na área da Linguística : há “lugar para todos” nesta tarefa de
Há meio século, já não seria de esperar que todos os mari- defesa da “linguagem marinhática” !
nheiros portugueses utilizassem integralmente as palavras
usadas por Esparteiro no seu artigo ; mas, em termos gerais, Comandante G. Conceição Silva
o texto seria por eles perfeitamente compreendido, o que hoje
em dia é improvável que acontecesse. Aliás, não faria muito Notas
A FLAMULA, Jornal Noticioso, Educativo, Cultural, Humorístico e Re-
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sentido utilizar grande parte daqueles termos para descrever creativo” era o “Orgão do Aviso JOÃO DE LISBOA”. Foi uma das armas
uma viagem idêntica à do JOÃO DE LISBOA, efectuada, na cogitadas por Ramos Pereira para combater o tédio e o confinamento pro-
actualidade, por um navio moderno. vocados pela monção, período durante o qual as condições de vida a bordo
É pertinente perguntar até que ponto se justifica o estudo se tornavam difíceis de suportar : intenso calor, enorme humidade e chuva
torrencial constante impediam praticamente as idas a terra, pelo que era útil
aprofundado de uma linguagem específica que, ultrapassada arranjar distracções para ajudar a passar o tempo : concursos literários, o
na sua “operacionalidade pragmática”, parece ter deixado de jornal, tiro ao alvo, teatro – enfim , de tudo um pouco, como era tradição na
servir os fins para que foi creada. Marinha em circunstâncias semelhantes.
2 Texto integral, em PDF, na Internet . Fácil acesso Google, pelo nome da
Não é possível, no curto espaço destas linhas, desenvolver
o assunto com a amplitude que merece, e que será por isso Autora.
Um exemplo : por inacreditável que pareça, um navio encalhado e aban-
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matéria a tratar com mais profundidade noutra ocasião. Por donado numa praia da costa alentejana foi classificado pela Delegação Adu-
agora, fiquem apenas registadas as Conclusões expressas pela aneira de Sines como um resíduo sólido urbano. O jornal onde a noticia foi
Profª Doutora Margarita Correia num recente comunicação publicada clama, indignadamente, que “um barco nunca deixa de ser um
que publicou, e cuja leitura integral se recomenda os leitores barco”. Na verdade , não é o encalhe nem o abandono que lhe fazem perder
esse qualificativo, pelo que a expressão atraz referida revela a total falta de
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da Revista da Armada . Diz a Autora : “sentido marítimo” dum organismo oficial dum País cuja história está tão
Vivemos num mundo globalizado, onde a comunicação científica ligada a Mar. Sucederia algo de semelhante em Inglaterra, na Holanda, ou
e técnica se faz cada vez mais em língua inglesa. Se, por um lado, em qualquer outro país onde a componente marítima integre efectivamente
este monolinguismo especializado pode ter a vantagem de contri- a cultura e a linguagem quotidianas ? Por certo que não…
4 A linguagem náutica tem sido, recentemente, objecto de interesse pro-
buir para uma mais efectiva comunicação entre falantes de origens fissional, literário e universitário, tendo surgido, nos últimos tempos, algu-
diferentes, facto não despiciendo numa especialidade como a Mari- mas obras notáveis, como a 2ª edição do Dicionário Ilustrado de Marinha
nha, por outro lado, cabe perguntar qual o futuro das restantes lín- (Esparteiro e Martins e Silva – 2001) o Vocabulário Náutico (Ferreira da Silva
guas perante esta situação e, com isto, perguntar qual o destino da – 2005) e várias obras na área da Linguística (comunicações, artigos, teses
diversidade e da multiculturalidade, que caracterizam o mundo em de mestrado, tese de doutoramento), como a anteriormente citada ou a tese
“O papel da metáfora na construção da terminologia náutica portuguesa”
que queremos viver. (Ana Mineiro – 2005) , e ainda outras mais antigas. O acesso a estes trabalhos
E possível preservar e desenvolver as línguas de modo a garan- é possível e fácil através do Google.
REVISTA DA ARMADA U JANEIRO 2007 23