Page 294 - Revista da Armada
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PONTO AO MEIO DIA
Arsenal do Alfeite – rumo ao futuro,
aproveitando as lições do passado.
A A partir de meados da década de 80 estabili- adequada política de valorização dos recursos
cessação da actividade do Arsenal do
Alfeite e o início efectivo da concessão zou-se o modelo de manutenção dos navios da humanos, preservando e valorizando os conhe-
do estaleiro à sociedade Arsenal do Armada, que no essencial ainda se mantém e cimentos e as competências, mas não descuran-
Alfeite S.A., em 1 de Setembro de 2009, é um onde o Arsenal é um dos protagonistas. do elementos de produtividade.
acontecimento bastante significativo que inter- Nestas últimas décadas, as características As motivações da mudança radical que se
fere com todo o sector do material da Armada e essenciais do Arsenal foram disponibilidade vai operar no Arsenal, foram sobretudo de ín-
que marca o fim de um ciclo e o arranque para para ocorrer às necessidades operacionais da dole administrativa e financeira, mas também
uma nova etapa no modelo organizativo e de Marinha e a constituição de uma relativa au- incluíam considerações sobre a qualidade e a
gestão da manutenção dos navios da Armada tonomia nacional de intervenção em sistemas produtividade.
e na restante produção industrial no Alfeite. militares complexos com vincada importância O novo ciclo, balizado por termos de re-
Justifica-se que neste momento se faça uma na substituição de importações de serviços tec- ferência bastante rígidos, fixados por diplo-
singela evocação. nológicos prestados pelos fabricantes, normal- ma jurídico e por um exigente contrato de
Com o início da actividade em 1939, o Ar- mente extremamente onerosos. concessão, deverá ter em conta a experiência
senal do Alfeite completou recentemente 70 Na área dos submarinos, duma forma mais passada, nas metodologias usadas e nas li-
anos de laboração. Para além da importância institucional, e na manutenção das armas e ções aprendidas.
da longevidade, a presente transição tem maior electrónica, o Arsenal projectou-se muito para O que se pretende com a mudança é manter
significado quando é relacionada com a últi- além na mera prestação de serviços, actuando o que de bom existia no “velho” Arsenal, que
ma grande reestruturação da Superintendência os seus técnicos, militares e civis, como peritos era o saber e as competências dos seus trabalha-
dos Serviços do Material, ocorrida há 32 anos e conselheiros cujos pareceres e sugestões fo- dores qualificados em todos os sectores, e em
e onde se lançaram as bases da integração e ram sempre apreciadas pelas guarnições e pe- acréscimo, criar condições para uma mudança
subordinação orgânica do Arsenal do Alfeite los técnicos do material naval. de atitude profissional, possibilitar a reformu-
à Superintendência dos Serviços do Material Pelo lado do Arsenal manteve-se uma per- lação da organização da produção e a melhoria
que se foi consolidando até 1989, altura em que manente preocupação interna com a formação da capacidade de gestão. Igualmente se preten-
se tornou plena e efectiva. profissional dos aprendizes e dos restantes tra- de melhorar o potencial tecnológico através da
Quem nos princípios da década de 80 do sé- balhadores em todas as categorias profissio- renovação física de instalações e equipamentos
culo passado, viveu intensamente a época dos nais. O esforço, ainda a decorrer, associado aos e reforçar a racionalidade económica.
estudos e da realização dos ensaios de soluções novos meios que estão a chegar do estrangeiro A mudança vai ocorrer no Arsenal, mas
destinadas a melhorar a capacidade de respos- é mais um marco na política de qualificação dos sabe-se, que irá igualmente arrastar mudan-
ta do sistema de sustentação técnica e logística recursos humanos orientada para as necessida- ças no Sistema de Gestão do Material Naval
dos navios e restante material naval, não pode des objectivas de intervenção. da Marinha.
deixar de sentir alguma nostalgia e até alguma Para os militares que prestaram serviço no A viabilidade económica da nova sociedade
saudade do convívio da geração dos que pro- Arsenal, o organismo foi igualmente uma es- tem se ser preservada para que não se venha
curaram afincadamente fazer transitar o Ar- cola de aprendizagem muito reconhecida e a gerar instabilidade nem motivação para so-
senal duma situação de distanciamento e total valorizada. luções expeditas que não foram consideradas
independência face às estruturas da Marinha O reforço da capacidade tecnológica , a pro- no modelo agora decidido.
para uma forma de estar colaborante e partici- cura de soluções de reparação mais eficazes e A transição foi acompanhada de algumas
pativa que se veio a consolidar com o ingresso mais racionais e a obtenção de processos pa- dificuldades que poderiam ter sido evitadas.
maciço de oficiais e sargentos no Arsenal. dronizados de intervenção, foram sempre um Acabou por existir um afastamento de pro-
A renovação naval operada nas décadas de objectivo estratégico, mas nem sempre foram fissionais qualificados, alguns com formação
60 e 70, implicou substanciais mudanças nas alcançados, por uma multiplicidade de razões aplicada recém obtida, que transitaram vo-
políticas de manutenção do material naval, cuja enumeração não cabe nesta evocação. A luntariamente para a mobilidade especial ou
onde o Arsenal se foi gradualmente inserindo passagem de processos artesanais para pro- que foram seleccionados para executar tarefas
e tornando cada vez mais indispensável. cessos industriais racionalizados e de elevada generalistas em outros organismos dos Estado
Deve-se citar, pela sua relevância, as impor- produtividade nem sempre foram bem recebi- onde o manancial de experiência profissional
tantes decisões tomadas em meados da década dos internamente por desconfiança e por falta e os conhecimentos específicos não vão ser
de 70, de atribuir ao Arsenal responsabilidades de suficiente capacidade de engenharia, que aproveitados.
especiais na manutenção dos submarinos “Al- concedesse credibilidade às soluções que se A expectativa é grande e a observação dos
bacora” e de inserir no Arsenal as OGAE, ofici- ensaiavam. A cultura instalada aceitava com resultados da mudança vai ser rigorosa. Não
nas gerais de armas e electrónica. Foram créditos facilidade a importação de tecnologia “pronta é a primeira vez que ocorrem mudanças orga-
de confiança na altura depositados no Arsenal a usar”, mas via com alguma reserva e até dis- nizacionais na Marinha. No presente caso, por
que se revelaram decisões muito acertadas. tanciamento, o estudo de soluções internas que decisão do poder político optou-se por um pro-
Siglas como “IRS”, “SRU”, “SLAR/SLAE” incorporassem mais valias que não fossem in- cesso inovador, que nunca tinha sido usado em
e, mais tarde, “SIAGIP”, entraram no léxico troduzidas pelos próprios intervenientes. situações semelhantes. Há que esperar que re-
dos militares da Armada, , sobretudo na área A construção, modificação e manutenção sulte, a bem da Marinha, a bem do País.
do Material; na realidade todas elas apenas ti- de navios militares são tarefas com grande in- Z
veram origem em simples ordens de serviço tensidade de mão de obra com elevado grau V. Gonçalves de Brito
internas do Arsenal do Alfeite. de qualificação tecnológica que requerem uma CALM ECN
4 SETEMBRO/OUTUBRO 2009 U REVISTA DA ARMADA